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sábado, 27 de junho de 2020

PARA ATENDER NOSSAS NECESSIDADES NO SÉCULO XXI: A FORÇA AÉREA BRASILEIRA E O GRIPEN

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O Gripen está chegando! Para muitos entusiastas e fãs da aviação, é uma excelente notícia, após vivermos tempos difíceis por causa da Pandemia do Novo Coronavírus e seus efeitos para nossa sociedade. A primeira célula da Força Aérea Brasileira (FAB), o FAB 4100, chega ainda esse ano, mas sua entrada em serviço deverá ser apenas no ano que vem. Sua entrada em serviço transformará a FAB numa força aérea realmente capaz de cumprir com sua missão de proteger e defender o nosso espaço aéreo. Nesse artigo, vamos ver um pouco da História do Gripen e sua aquisição pelo Brasil.

DO “GRIPEN DEMO” AO “GRIPEN NG”

O F-39E/F Gripen é um significativo avanço do já conhecido caça JAS 39 Gripen, fabricado pela Saab da Suécia desde meados dos anos 90, operado inicialmente pela Força Aérea Sueca (nas versões JAS 39 A/B/C/D e futuramente a E/F) e posteriormente exportado para vários países, como a África do Sul, Hungria, República Tcheca e Tailândia (na versão JAS 39 C/D). O Reino Unido, através da sua Escola de Pilotos de Teste (ETPS, em inglês) operam o JAS 39D.

Em 2007, um avião de dois lugares, designado pela SAAB de “Gripen Demo”, foi construído englobando várias atualizações e melhorias para o Gripen. Essa nova aeronave, que seria inicialmente um demonstrador de tecnologia da empresa, estava alimentada pela mais poderosa turbina General Electric F414G, um desenvolvimento do motor do Boeing F/A-18E/F Super Hornet. O peso máximo de decolagem (PMD) do Gripen Demo foi aumentado de 14.000 para 16.000 kg, a capacidade interna de combustível foi aumentada em 40% ao reposicionar o trem de pouso, o que também permitiu a adição de mais dois pontos duros na parte inferior da fuselagem. Seu raio de combate era de 1.300 quilômetros (810 mi) quando carregava seis AAMs e tanques ejetáveis O radar PS-05/A foi substituído pelo novo radar ativo de varredura eletrônica (AESA) Raven ES-05, que é baseado na família de radar Vixen AESA da Selex ES (desde 2017 Leonardo SpA). O voo inaugural do Gripen Demo foi realizado no dia 27 de maio de 2008. Em 21 de janeiro de 2009, o Gripen Demo voou a Mach 1.2 sem uso do pós-combustor para testar sua capacidade de Supercruise (voo supersônico sem o uso de pós-combustor). O Gripen Demo serviu de base para o Gripen E/F, também chamado de Gripen NG.

O Gripen Demo (NG) em voo. Observe a capacidade bélica da aeronave, carregando duas bombas guiadas de manejo nos pilones centrais e mais mísseis AAM e tanques externos nas asas. (Foto: Poder Aéreo)

A SAAB estudou uma variante do Gripen capaz de operar a partir de porta-aviões nos anos 90. Em 2009, lançou o projeto "Sea Gripen" em resposta ao pedido da Índia de informações sobre uma aeronave capaz de operar em porta-aviões. O Brasil também demonstrou interesse nesse tipo de aeronave. Após uma reunião com funcionários do Ministério da Defesa inglês (MoD) em maio de 2011, a SAAB concordou em estabelecer um centro de desenvolvimento no Reino Unido para ampliar o conceito do Sea Gripen. Em 2013, executivos da SAAB afirmaram que o desenvolvimento de uma versão opcionalmente tripulada do Gripen E, capaz de operar operações não tripuladas, estava sendo explorado pela empresa; um maior desenvolvimento das versões opcionalmente tripuladas e transportadoras exigiria o compromisso de um cliente. Em setembro de 2015, foi anunciado pela SAAB que uma versão de guerra eletrônica (EW) do Gripen F de dois lugares estava em desenvolvimento.

Maquete do Sea Gripen apresentada durante a LAAD em 2015. (Foto: Poder Naval)
Em 2010, a Suécia concedeu à SAAB um contrato de quatro anos para melhorar o radar e outros equipamentos do Gripen, integrar novas armas e reduzir seus custos operacionais. Em junho de 2010, a Saab declarou que a Suécia planejava encomendar o Gripen NG, designado JAS 39E/F, e entraria em serviço em 2017 ou antes, dependendo das ordens de exportação. Em 25 de agosto de 2012, após a intenção da Suíça de comprar 22 das variantes E/F, a Suécia anunciou que planejava comprar 40-60 Gripen E/F. O governo sueco decidiu comprar 60 Gripen E em 17 de janeiro de 2013, abandonando a compra da versão F.

Em julho de 2013, a montagem começou na primeira aeronave de pré-produção. Originalmente, 60 JAS 39C da Força Aérea Sueca deveriam ser convertidos para o modelo E até 2023, mas isso foi modificado para a construção de aeronaves novas, com apenas poucas partes reutilizáveis das antigas. A primeira aeronave de produção será entregue em 2018. Em março de 2014, a Saab revelou o projeto detalhado e indicou que planejava receber a certificação de tipo militar no início de 2018. O primeiro Gripen E foi lançado em 18 de maio de 2016. A Saab adiou o primeiro voo de 2016 para 2017 para se concentrar na certificação do software, mas os testes de táxi de alta velocidade começaram em dezembro de 2016. Em 15 de junho de 2017, a SAAB completou o primeiro voo do Gripen E.

O PROGRAMA FX-2 E A COMPRA DO GRIPEN PELA FAB

Em outubro de 2008, o Brasil selecionou os três finalistas ("short list") para o seu programa de caça F-X2: o Dassault Rafale B/C, o Boeing F/A-18E/F Super Hornet e o JAS 39E/F Gripen NG (Next Generation – Próxima Geração). Inicialmente, a Força Aérea Brasileira planejava adquirir pelo menos 36 e possivelmente até 120 células posteriormente, para substituir suas aeronaves Northrop F‐5EM/FM e Dassault Mirage 2000B/C. Em fevereiro de 2009, a Saab apresentou uma licitação para 36 Gripen NGs. Em janeiro de 2010, relatos afirmaram que o relatório final de avaliação da Força Aérea Brasileira colocava o Gripen à frente de outros concorrentes; o fator decisivo foi o custo unitário e os custos operacionais menores. Em meio a atrasos devido a restrições financeiras, houve relatos em 2010 da seleção do Rafale e em 2011 da seleção do F/A-18 (segundo rumores, por razões políticas, e não técnicas). No dia 18 de dezembro de 2013, a então presidente Dilma Rousseff anunciou a seleção do Gripen NG.

Os principais fatores de decisão pela aeronave, que ainda estava sendo desenvolvida, foram as oportunidades domésticas de fabricação, participação no desenvolvimento do Gripen, ampla possibilidade de Transferência de Tecnologia (ToT, em inglês) para o Brasil e potenciais exportações para África, Ásia e América Latina; Argentina e Equador demonstraram interesse adquirir Gripens do ou através do Brasil, e o México. é considerado uma meta de exportação. Mesmo sendo um produto da indústria sueca, o Gripen não está imune à pressão externa: o Reino Unido pode usar sua porcentagem de 30% de componentes no Gripen para vetar uma venda para a Argentina devido à disputa nas Ilhas Falklands; assim, a Argentina desistiu do Gripen e hoje está considerando adquirir aeronaves russas, chinesas ou coreanas, como o KAI T-50 Golden Eagle. Até o início das entregas do Gripen E, o Brasil pretendia alugar várias aeronaves Gripen C, principalmente para apoiar os grandes eventos aqui sediados, como a Copa do Mundo de 2014 e a Olimpíada de 2016. Posteriormente essa ideia acabou sendo abandonada.

No dia 24 de outubro de 2014, o Brasil e a Suécia assinaram um contrato de SEK 39,3 bilhões (US$ 5,44 bilhões, ou R$ 13 bilhões na cotação da época) para a compra de 28 aeronaves Gripen E e 8 Gripen F a serem entregues na época entre 2019 a 2024 e mantidas até 2050; o governo sueco fornecerá um empréstimo subsidiado de 25 anos e taxa de juros de 2,19% para a compra. Pelo menos 15 aeronaves serão montadas no Brasil, e as empresas brasileiras devem estar envolvidas na produção completa; a aeronave Gripen F, de dois assentos, deve ser entregue mais tarde (ela será exclusiva da FAB, não sendo produzida para os suecos). Um aumento de preço de quase US$ 1 bilhão desde a seleção deve-se a desenvolvimentos solicitados pelo Brasil, como o “Wide Area Display” (WAD), uma tela panorâmica de 19 por 8 polegadas com a tecnologia “touchscreen”, exclusivo para a FAB até o momento (os suecos hoje cogitam instalar o WAD em suas células). O pacote de compensação é estabelecido em US$ 9 bilhões, ou 1,7 vezes o valor do pedido. Dois pilotos brasileiros foram treinados na Suécia entre novembro de 2014 e abril de 2015. A Força Aérea Brasileira tem uma exigência para 108 Gripens, a serem entregues em três lotes. A Marinha do Brasil demonstrou interesse no Sea Gripen (uma versão navalizada do Gripen) para substituir seus caças aeronavais Douglas A-4KU Skyhawk (AF-1 Falcão), mas com a baixa do NAe São Paulo (A-12), essa ideia foi abandonada. Em 2015, o Brasil e a Suécia finalizaram o acordo para o desenvolvimento do Gripen F, que foi designado F-39 pelo Brasil. De acordo com executivos da SAAB, o primeiro F-39E será entregue no final de 2020 e o primeiro F-39F em meados de 2023 ou 2024.


Painel de instrumentos do Gripen E (F-39E) da FAB, com a presença do WAD. (Fonte: Pinterest)

AFINAL, POR QUE O GRIPEN PARA A FAB?

Como observamos, o Gripen da FAB é uma aeronave nova, com grande potencial de desenvolvimento e atualizações. O projeto do Gripen, apesar de ser dos anos 80, foi pensado visando o futuro, pois já estava no horizonte os cortes dos orçamentos militares pós-Guerra Fria e as limitações operacionais como consequência desses cortes. Algumas características da simplicidade operacional do Gripen e sua praticidade foram bastante apreciadas pelos militares da Força Aérea Brasileira, como por exemplo a capacidade de decolar em pistas curtas e a fácil manutenção.

Durante a Guerra Fria, as Forças Armadas da Suécia estavam prontas para se defender contra uma possível invasão. Isto exigiu que os aviões de combate se espalhassem para manter uma capacidade de defesa aérea. Assim, um dos principais objetivos durante o desenvolvimento do Gripen foi a capacidade do avião de decolar de pistas de pouso cobertas de neve em apenas oitocentos metros. Além disso, o tempo no qual uma equipe pode rearmar, reabastecer e realizar inspeções básicas e serviços gerais para o avião retornar ao voo é de dez minutos.

Durante o processo de desenvolvimento, outro objetivo foi fazer com que a aeronave tivesse uma manutenção simples e com poucos custos. As aeronaves estão equipadas com um sistema de monitoramento de uso e danos, que monitora o desempenho de vários sistemas e fornece informações aos técnicos para auxiliar na manutenção. O fabricante opera um programa de melhoria contínua do avião, utilizando as informações deste e de outros sistemas. De acordo com a SAAB, o Gripen fornece custos de operação 50% menores do que o seu principal concorrente (o F-16).

Um estudo de 2012 da “Jane's Aerospace and Defense Consulting” comparou os custos operacionais de uma série de aviões de combate, mostrando que o Gripen tem o custo mais baixo de operação por hora de voo, melhor eficiência em relação ao consumo de combustível, preparações e reparos antes do voo e manutenção programada para o aeroporto, com os custos de equipe. O Gripen tem um custo por hora de voo estimado de 4.700 dólares, enquanto seu concorrente direto, o Lockheed Martin F-16, tem um custo cerca de 49% maior, de 7 mil dólares.

Além da economia e da praticidade, o Gripen também é uma excelente aeronave de caça, no tocante à sua manobrabilidade e sobrevivência em combate aéreo. Seu peso máximo de decolagem (PMD) é cerca de 30% menor do que o do F-16 (um projeto dos anos 70, que está no limite do seu desenvolvimento, assim como o F/A-18), devido principalmente ao amplo uso de material composto. Por isso a versão NG da aeronave, com uma turbina bastante potente (o GE F414G) é capaz de Supercruise, enquanto o F-16, que é equipado com um motor da mesma categoria do Gripen, o F110-GE-129, não é capaz de Supercruise.

Seu pacote de armamento também é muito diversificado: opera o canhão Mauser BK-27 de 27 mm (apenas a versão E) e uma gama de mísseis ar-ar, ar-terra e ar-mar. Pode ser integrado com qualquer equipamento ocidental e padrão OTAN, pois opera o mesmo barramento e está certificado adequadamente para o uso desses armamentos. A FAB vai utilizar no F-39E/F o A-Darter como míssil ar-ar de curto alcance (WVR) e o poderoso Meteor como míssil ar-ar de longo alcance (BVR). O Gripen também vai poder operar o poderoso míssil ar-mar Exocet AM-39 também sua futura versão nacionalizada, e além disso deve operar os mesmos sistemas de armas que a FAB já opera, como a bomba Lizard e seu sistema de navegação e orientação Litening, por exemplo, mas com capacidade de operar outros sistemas futuro, pois a aeronave está ainda em franco desenvolvimento, com grande capacidade de atualização.

O Gripen é uma aeronave monomotor, pois opera apenas uma turbina GE F414G, baseada na turbina do Super Hornet, como já foi colocado, O F414G é uma turbina altamente confiável, com uma grande capacidade de absorção de danos e de fácil manutenção. O Gripen pode trocar uma turbina em terra em poucas horas e por uma equipe simples, sendo isso também um dos fatores positivos da aeronave. A confiabilidade do Gripen é bastante alta, sendo em alguns casos até maior do que aeronaves bimotoras como o Eurofighter Typhoon e o Dassault Rafale (pois geralmente quando uma aeronave dessas perde um motor ela pode ficar bastante instável e muitas vezes difícil de pilotar, com o piloto optando por ejetar). O registro de acidentes e incidentes do Gripen, desde sua entrada em serviço nos anos 90, prova bem isso, pois o modelo sofreu apenas 11 acidentes, com dez perdas da aeronave, e apenas uma morte.

Muito se fala a respeito de nossos vizinhos na América do Sul, especialmente os “temidos” Sukhoi Su-30 MKV da Venezuela, os Mig-29 do Peru e os F-16 chilenos. No caso particular dos Su-30, que a Força Aérea Venezuelana (AMV) opera em razoável quantidade, podemos até admitir sua letalidade, mas devemos questionar que a mesma possa estar sofrendo restrições operacionais, pela crise que o país está passando, e a falta de um parque industrial que apoie essa aeronave, fator que afeta também os peruanos e chilenos. Para nossa realidade e contexto na América do Sul (e também na América Latina), a entrada em serviço do F-39 dará um salto operacional à FAB, tornando-a a mais letal do continente, devido principalmente ao suporte de nossa indústria e a aeronave vir adicionada do vasto pacote de armas que já foi citado.

Foi noticiado que ainda nesse ano a Saab enviará a primeira célula do F-39E produzida para a FAB ao Brasil, para testes de integração do sistema pela Embraer, coprodutora do Gripen. O cronograma financeiro-orçamentário estabelecido até o momento prevê a entrega de 4 aeronaves em 2021, 7 em 2022, 6 em 2023, 8 em 2024, 9 em 2025 e duas em 2026. Eventuais atrasos de pagamento ou problemas técnicos podem levar a uma replanejamento, porém, desde a assinatura do contrato o prazo inicial para o recebimento das aeronaves pela FAB era em 2021.

Em resumo, economia operacional, resistência, desempenho e custo-benefício foram os fatores da compra do F-39E/F pela FAB. Aguardamos ansiosamente sua entrada em serviço em 2021, no 1º GDA (Grupo de Defesa Aérea) e no 1º/16º GAv (Grupo de Aviação), que será reativado, ambas unidades situadas na atual Ala 2, em Anápolis-GO. Será o nosso caça para a primeira metade do século XXI e para nossas necessidades, a realidade em que vivemos e a capacidade que o vetor demonstra, está de bom tamanho para o Brasil.


FOTO DE CAPA: Foto do primeiro voo do Gripen E da Força Aérea Brasileira, o FAB 4100. (Fonte: Saab)

Com informações retiradas da Wikipedia.


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Por Luiz Reis, Professor de História da Rede Oficial de Ensino do Estado do Ceará e da Prefeitura de Fortaleza, Historiador Militar, entusiasta da Aviação Civil e Militar, fotógrafo amador. Brasiliense com alma paulista, reside atualmente em Fortaleza-CE. Luiz colaborou com o Canal Arte da Guerra e o Blog Velho General e atua esporadicamente nos blogs da Trilogia Forças de Defesa, também fazendo parte da equipe de articulistas do GBN Defense e do Canal Militarizando no Youtube. Presta consultoria sobre História da Aviação, Aviação Militar e Comercial. Contato: [email protected]


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domingo, 14 de junho de 2020

Como funcionam os processos de compras de equipamentos militares?

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Um comentário muito comum quando há um processo de compra de equipamentos militares é "por que escolheram o sistema x, se o sistema y é melhor em abc?"

Essa pergunta realmente não é fácil de responder. Neste artigo, vamos explicar, de maneira simplificada, alguns aspectos de ordem técnica dos processos de compras de equipamentos militares. Alertamos que cada etapa envolve a geração de várias centenas de documentos técnicos e pode levar meses ou anos.




Vamos deixar de fora aspectos eminentemente políticos, pois muitas vezes são até contrários aos quesitos militares. Tais aspectos, muitas vezes, acabam forçando as FFAA (Forças Armadas) a comprarem equipamentos que não são o que prefeririam.

Os termos são os utilizados principalmente nos EUA, mas os detalhes gerais são mais ou menos os mesmos em outros países. Digamos, por exemplo, que a USAF precisa resolver uma determinada necessidade, e um estudo inicial conclua que não há no seu inventário que atenda a esta necessidade.


MSA (ANÁLISE DE SOLUÇÕES MATERIAIS)

O primeiro ciclo é a MSA (análise de soluções materiais), em que as 'alternativas' - sistemas já em uso, preferencialmente no próprio país ou 'de prateleira' (já disponíveis no mercado, ou seja, plenamente desenvolvidos). Uma das principais fases da MSA é a AOA (análise de alternativas)

Caso o processo de MSA encontre uma solução 'boa o bastante', ou seja, cujo custo-benefício seja considerado adequado, o novo sistema é adquirido e o processo é concluído.

Exemplo prático: quando a USAF estava desenvolvendo uma variante armada do 'drone' (ARP / aeronave remotamente pilotada / VANT / UAV / RPA) General Atomics RQ-1 Predator, concluiu que não dispunha de PGM (munições guiadas de precisão, 'armas inteligentes') pequenas e leves o bastante para a missão.

Uma AOA encontrou a solução no míssil Lockheed Martin AGM-114 Hellfire, que já estava em serviço no US Army (Exército dos EUA) e no USMC (Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA).

Mísseis Helfire (verdes) sob as asas de um drone MQ-1 Predator

Caso o ciclo MSA não encontre soluções satisfatórias, inicia-se a etapa MDD (decisão de desenvolvimento de material), em que se decide pela aquisição ou desenvolvimento de um sistema inexistente nas FFAA (Forças Armadas). Caso a MDD realmente confirme a necessidade de desenvolvimento de material, parte-se para o próximo ciclo.


TMRR (processo de redução de riscos tecnológicos)

O próximo ciclo é um conjunto de estudos técnicos detalhados, o TMRR (maturação e redução de riscos tecnológicos). Um de seus estágios principais é o RFI (estudo de requisição de informações), em que se pede informações a instituições e indústrias de Defesa. Tais informações geralmente incluem o 'estado da arte' atual e estudos avançados das tecnologias disponíveis ou em desenvolvimento, e geralmente serve como ponto de partida para o próximo estágio, o RFP (pedido de propostas).

O RFP é o que a mídia não especializada geralmente se chama de 'competição'. No RFP, pedidos formais, que incluem os KPP (parâmetros essenciais de performance), critérios específicos de performance - requisitos de alcance, velocidade, carga de armas, etc - são definidos com valores objective (desejável) e treshold (mínimo aceitável).

Cópias do RFP são enviadas para indústrias da Defesa, as empresas interessadas devem emitir propostas preliminares, com cálculos técnicos e contábeis muito detalhados, dentro do prazo detalhado.

No caso de alguns países, como os EUA, empresas estrangeiras precisam formalizar parcerias com empresas nacionais. Objetivos de ToT (transferência de tecnologia), quando existentes, também são especificadas nessa etapa.

Após uma análise das propostas, é feita uma shortlist, uma lista com as propostas consideradas mais adequadas, e os proponentes da shortlist devem então fazer propostas mais detalhadas, que podem incluir a construção de protótipos, e que geralmente incluem demonstrações do uso dos sistemas, com flyoffs, voos dos sistemas para comprovar que atendem às especificações do RFP.

Dependendo da competição, os concorrentes podem ou não ser autorizados a modificar suas propostas, mas geralmente chega o momento da BAFO (proposta melhor e final), que não pode ser modificada.

Finalmente, as BAFO dos concorrentes são analisadas, e aquela que atende melhor aos KPP é escolhida.

Lembramos que, com grande frequência, critérios 'não técnicos' são considerados, como apoiar um concorrente cuja situação financeira esteja difícil, ou incluir outros fabricantes para atender a critérios políticos, mas tais critérios não serão analisados neste artigo.

Um exemplo recente foi o Programa T-X, em que várias empresas ofereceram treinadores para a USAF, com o objetivo de substituir o Northrop T-38 Talon, 'parente' do nosso querido Northrop F-5. O vencedor foi o projeto da Saab com a Boeing, que sequer existia quando o RFP foi feito. Foi batizado T-7 Red Hawk, uma homenagem aos Tuskegee Airmen, o famoso 'Esquadrão Caudas Vermelhas' da Segunda Guerra Mundial

O Saab Boeing T-7 Red Hawk (esquerda) substituirá o Northrop T-38 Talon (direita) na USAF


EMD (DESENVOLVIMENTO DE ENGENHARIA E MANUFATURA)

Que o vencedor do ciclo TMRR é escolhido, o próximo ciclo é o EMD (desenvolvimento de engenharia e manufatura), em que o sistema da BAFO passa por análises bem mais detalhadas, que podem incluir até mesmo usos limitados em combate.

Via de regra, o EMD acaba por revelar problemas não detectados durante os testes iniciais, o que leva a alterações no design. Este processo pode se repetir várias vezes, até que se chegue a um design considerado satisfatório.

Esse design passa por um processo detalhado de revisão, a CDR (revisão crítica do design), em que o design é 'congelado', ou seja, não deve passar por alterações significativas.

O Boeing KC-46 passou pela CDR em 2013: USAF conclui revisão de projeto do KC-46 Tanker

Há situações em que é necessário mudar o design após a CDR, mas isso geralmente causa atrasos significativos no processo.

Uma vez que o ciclo EMD é concluído, parte-se para o próximo ciclo.


PD (PRODUÇÃO & DESENVOLVIMENTO)

O objetivo principal do ciclo EMD é preparar o sistema para a fase PD (produção e desenvolvimento), em que o sistema entra na fase LRIP (produção inicial em baixa escala). Neste ciclo, os sistemas já são entregues para uso pela USAF.

Durante a LRIP, a produção da aeronave ocorre num ritmo relativamente baixo, e os testes operacionais se tornam ainda mais detalhados. Testes em combate são geralmente realizados nesta etapa.

Os testes realizados nesta fase tornam-se ainda mais aprofundados quando a aeronave atinge a etapa IOC (condição operacional inicial), em que há aeronaves suficientes para testes operacionais em pequena escala.

Caso os testes ocorram bem na etapa LRIP / IOC, toma-se a decisão de elevar o sistema a FRP (produção em larga escala), em que  taxa de produção segue o ritmo definitivo estipulado nos ciclos anteriores.

O nosso Embraer KC-390 Millennium encontra-se nesta fase do ciclo.

Embraer KC-390 Millennium


FOC (CAPACIDADE OPERACIONAL PLENA)

O Lockheed Martin F-22 Raptor atingiu a FOC em dezembro de 2007












Uma aeronave atinge FOC (capacidade operacional plena) quando a FRP consegue produzir aeronaves suficientes para equipar um determinado número de esquadrões.

A partir deste momento, o sistema é declarado operacional, e segue as atividades normais da USAF.



CONCLUSÃO

Essas etapas podem demorar bastante tempo - por exemplo, o Su-57 teve a MDD em 1979, ainda na época da URSS, mas eventos 'cataclísmicos' como a própria dissolução da URSS atrasaram bastante o processo.

O Su-57 ainda não atingiu a etapa LRIP. Pelo planejamento russo, a LRIP deveria começar ainda em 2020, mas com a pandemia de coronavírus é provável que haja novos atrasos.

Apontamos esse fato não como demérito à Rússia, mas para ilustrar que não é um processo tão simples como ir numa loja e comprar um smartphone - é um processo bastante demorado, caro, complexo e que envolve vários aspectos de ordem técnica e não-técnica, o que pode fazer com que demorem vários anos.

Houve diversos projetos cancelados em cada uma das etapas indicadas acima, um lembrete de que nada é garantido, mesmo quando o sistema já atingiu etapas como FRP e FOC - o próprio F-22 teve sua produção cortada de 750 para 187.


Por Renato Marçal


REFERÊNCIAS:

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quarta-feira, 10 de junho de 2020

O Su-57 é realmente um autêntico caça de 5ª Geração?

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Nos anos 1980, a USAF lançou o programa ATF (Caça Tático Avançado), que visava substituir o F-15 Eagle como principal caça de supremacia aérea da USAF com um caça de 5ª geração bastante avançado; a URSS começou um programa semelhante, mas não tão ambicioso, mais ou menos ao mesmo tempo. O vencedor do ATF foi o Lockheed Martin F-22 Raptor, que é o caça mais avançado do mundo desde que entrou em serviço em 2005.
 F-22 lançando um AIM-120 AMRAAM
Com a queda da URSS no começo dos anos 1990, a Rússia se encontrava numa situação bastante complicada. As FFAA (Forças Armadas) russas enfrentavam problemas de obsolescência em bloco, ou seja, vários sistemas de armas estavam obsoletos ao mesmo tempo, e isso nos três grandes ramos das FFAA.

O ‘ATF russo’ deu frutos no século 21, com o primeiro voo do T-50, que se tornaria a base do Su-57, ocorrendo em 2010.

Alguns (pseudo) analistas brasileiros apontam o Su-57 como o ‘F-22 russo’ ou ‘caça russo de 5ª geração’, inclusive discorrendo sobre isso em textos mal escritos, com sérios erros de ortografia, gramática e concordância que, além de tediosos, falam mais de política e críticas ao 'extremo ocidente' (que é como chamam os EUA), do que de geopolítica e engenharia aeronáutica, que afinal é o que interessa aos leitores do GBN. Não colocaremos o link para o artigo para não sermos depois acusados de propagar 'fake news', coisa que o GBN não faz.
Será que tais alegações encontram base na realidade?

Para responder a esta pergunta, começaremos analisando alguns termos, como 5ª geração, stealth (furtividade) e outros.

O QUE É UM CAÇA 5G (DE QUINTA GERAÇÃO)?

Esta é, provavelmente, a pergunta cuja resposta é a mais ampla dentre as presentes neste artigo - não há uma única definição consensual entre os estudiosos da área. É por isso que diferentes especialistas darão respostas diferentes à pergunta ‘o avião x é 5G?’.

Mas precisamos de um parâmetro para nortear nossas discussões, então usaremos a do Tenente-General (res) David Deptula, considerado por muitos como um dos especialistas mais influentes na USAF. Ele foi uma das principais mentes por trás da Operação Tempestade do Deserto de 1991, provavelmente a melhor aplicação de poder aéreo dos últimos 50 anos. [1]

Segundo ele, os 5G tem 3 atributos principais: [2]
  1. Stealth todo aspecto e performance aerodinâmica superior
  2. Sensores automatizados avançados e fusão de informação
  3. Sinergia entre stealth, fusão de informação e processamento automatizado integrado
A combinação desses 3 atributos coloca um 5G num patamar acima das aeronaves 4G, mesmo as ‘4G melhoradas’, geralmente chamadas ‘4G+’, ‘4,5G’, ‘4,75G’…

Analisaremos o Su-57 ante as definições de 5G de Deptula, e veremos se ele atende aos requisitos para ser considerado 5G ou se apenas chega ao nível de 4G melhorado, tipo um ‘4,75G’.

CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE STEALTH

As tecnologias stealth, de modo geral, buscam reduzir a RCS (seção reta radar ou seção radar) da aeronave / arma, de forma a reduzir as distâncias em que os radares conseguem concluir as etapas da ‘corrente da morte’ F2T2EA (encontrar, fixar, travar, rastrear, engajar, avaliar). Aos leitores interessados em uma leitura mais técnica, recomendamos os artigos nas referências [3], [4] e [5].

A ideia por trás deste conceito é que, caso o inimigo não consiga detectar a aeronave em tempo hábil, não conseguirá concluir as demais etapas do ciclo, algo que explicamos com mais detalhes no nosso artigo "Alcance dos mísseis - Teoria e Realidade".

Basicamente, as aeronaves podem ser divididas em 3 categorias em relação às medidas de controle de RCS:
  • Não controlada, ou ‘tradicional’, geralmente acima de 5 m²; maioria das aeronaves
  • Controle moderado, ou LO (pouco observável), geralmente entre 0,1 e 5 m²; Gripen, Rafale, Eurofighter, F-18E, F-16, B-1B, F-15SE
  • Controle profundo ou VLO (muito pouco observável), geralmente muito menor que 0,1 m² (alega-se 0,00001 m² em alguns casos); F-117, B-2, F-22, F-35
Alguns (pseudo) especialistas afirmam que é possível que uma aeronave 'tradicional' ou LO seja, em algum momento, 'evoluída' até se tornar VLO. Mas os verdadeiros especialistas, como Deptula, discordam.
"É importante ressaltar que a furtividade é muito mais do que minimizar a RCS de uma aeronave. Os sensores passivos melhoraram em sensibilidade e capacidade ao longo dos anos, tornando os rádios omnidirecionais tradicionais uma grande vulnerabilidade. As aeronaves de quinta geração devem ter rádios e links de dados com baixa probabilidade de detecção (LPD) e baixa probabilidade de interceptação (LPI). Com foco direcional com baixa potência e largura de feixe estreita, as transmissões LPD e LPI tornam extremamente difícil para os adversários explorar rádios de aeronaves de quinta geração e links de dados para direcionamento ou até aviso prévio. As aeronaves de quinta geração gerenciam automaticamente a potência e a direção de seus próprios sensores e contam também com sensores passivos" [2]
Em outras palavras - ou uma aeronave é 5G desde o começo, ou nunca será.

Mas é possível uma aeronave ser desenhada como 'tradicional' e evoluir para LO (como o F-18 Hornet ao se criar o F-18E Super Hornet), ou em já sendo projetada como LO ter sua RCS reduzida ainda mais. Mas não é possível transformar uma aeronave 'tradicional' ou LO em uma aeronave VLO.

As características que diferem uma aeronave 5G de uma 4G (e derivados) não podem ser inseridas após o desenho básico

LIMITAÇÕES DA FURTIVIDADE DO FELON

A URSS já estava bastante atrasada em relação aos EUA, e com o colapso financeiro que se seguiu ao colapso político a Rússia se atrasou ainda mais. Como exemplo, o radar mais moderno atualmente em serviço na Rússia, o Irbis-E, tem uma performance comparável ao APG-70 que estreou no F-15E na década de 1980, e isso de acordo com dados da própria NIIP. [6]

Não é de surpreender, então, que quando a Rússia decidiu partir para uma aeronave de nova geração, eles tentariam alcançar o nível de LO dos ‘Eurocanards’ (Gripen, Eurofighter, Rafale) e as últimas iterações dos ‘Teen Fighters’ (F-15 Silent Eagle, F-16V, F-18E/F/G) ao invés do VLO dos F-22 e F-35, cuja tecnologia stealth está simplesmente muito além do que a Rússia é capaz de alcançar.

Uma das principais vantagens do Su-57 propaladas por (pseudo) analistas é o fato de ele ser, alegadamente, stealth. Mas tal alegação não é compatível com os fatos.

Primeiramente, a própria Sukhoi diz, em suas patentes, que a RCS do Su-57 no aspecto frontal é, em média, entre 0,1 e 1 m². [7] Estas figuras são compatíveis com os ‘Eurocanards’ e últimas iterações dos ‘Teen Fighters’ mas várias dezenas de vezes maiores que as de caças stealth como F-22 e F-35. [8]

Mesmo análises superficiais e cursórias do Su-57 permitem observar diversas características incompatíveis com stealth VLO, mas que são compatíveis com stealth LO. [9]

Desenho técnico do T-50, obtido de uma das patentes da Sukhoi. Observe-se como as faces dos compressores dos motores (destacados em vermelho) são claramente visíveis no aspecto frontal, o que compromete seriamente as pretensões stealth. O mesmo se pode dizer das tomadas de ar na base dos estabilizadores verticais (destacados em azul) - cavidades são um problema para o gerenciamento da RCS. 

Ao mesmo tempo, observa-se que os ângulos dos profundores e tomadas de ar estão alinhados, uma técnica conhecida como alinhamento de planos, que é muito utilizada para o controle da RCS.

Um dos protótipos do Su-57 fotografado durante testes. Observe-se que é possível ver claramente o bloqueador de radar à frente do compressor (destacado em vermelho), tal como no F-18E (abaixo). Em aeronaves verdadeiramente stealth como o F-22 a face do compressor é escondida através do projeto avançado do duto de ar. Essa foi uma escolha consciente - a Sukhoi priorizou o desempenho ao invés da furtividade, pois desenhar, construir e manter um sistema avançado como o instalado no F-22 não foi considerado vantajoso, em termos de custo-benefício, para a Rússia.

Bloqueador de sinais de radar do F-18E Super Hornet (destacado em vermelho). Observe-se a grande semelhança entre a solução da Sukhoi com a da Boeing [10] ao invés de usar de RAM (materiais absorventes de radar) muito avançados, como a Lockheed Martin fez com o F-35.

Os aparelhos de pré série apresentam cavidades, aberturas e antenas incompatíveis com stealth, como as assinaladas em vermelho acima; além disso, ao contrário do F-35, o Su-57 carrega seu LDP (pod de designação laser) 101KS-N externamente, assinalado em azul, o que também complica o controle de RCS.

Deve-se ressaltar que isso não são falhas de projeto - são escolhas conscientes da Sukhoi, pois a filosofia de desenho do Su-57 é fundamentalmente diferente da filosofia por trás do F-35 e, principalmente, do F-22.

Estas escolhas refletem, entre outras coisas, a consciência de que obter a excelência em vários aspectos exige um investimento bastante elevado E desde o início do projeto. Os EUA fizeram tais investimentos nas suas aeronaves VLO (o que explica seus enormes custos de desenvolvimento), mas a Rússia escolheu não fazer no momento.

Os motivos de tais decisões são vários, mas os principais, sem dúvida, são uma avaliação honesta de que tirar o atraso tecnológico entre Rússia e EUA demandaria um investimento muito maior que os russos estão dispostos (ou são capazes) de investir.

Ainda assim, as alegações de que o Su-57 é tão VLO como o F-22 são comuns entre articulistas mal informados / mal intencionados, e inclusive foram usadas pela Rússia para costurar um acordo com a Índia; o governo indiano, que tem acesso a informações que o público não tem, cancelou o acordo de desenvolvimento do FGFA quando ficou claro que a RCS do Su-57 não é, nem jamais será, tão baixa como a do F-35, além de limitações de aviônicos, motores e sensores. [12]

Até o momento as conclusões são duas:
  1. Como a Rússia está muito atrás do Ocidente, especialmente dos EUA, em termos de tecnologias stealth, decidiu não desenvolver um caça tão stealth como o F-22
  2. O fato de que a economia russa não permite investimentos maciços como na época da URSS reforça o ponto 1 - o cálculo de custo-benefício não favoreceu investimentos maiores em stealth
Mais detalhes podem ser encontrados no excelente artigo do articulista Ricardo Barbosa "Um olhar na tecnologia stealth do Sukhoi Su-57" [13], em que o autor faz uma análise detalhada de vários fatores da suposta 'furtividade' do Su-57 e demonstra, sem margens para dúvidas, que não passam de alegações sem fundamentos factuais.

Mas esta não é a única limitação séria do Su-57.

MOTORES

A segunda parte dos critérios 5G é que a performance aerodinâmica da aeronave tem que ser excelente, e para isso o motor também tem que ser excelente. Não basta ao motor apenas gerar grande empuxo, ou ter outras capacidades como TVC (controle de vetoração de empuxo) - ele tem que aguentar manter um elevado nível de potência por prolongados períodos de tempo.

Tais capacidades não são nada fáceis de obter. Até o momento, apenas os EUA tem, comprovadamente, tal capacidade em motores operacionais, na forma do F119 que equipa o F-22 desde a década de 1980 e o F135 que equipa o F-35 desde os anos 2000, ambos desenvolvidos pela Pratt & Whitney. [14]

Um dos ‘vilões’ que ajudou a decisão indiana de abandonar o FGFA, além da incapacidade de atingir o mesmo nível de furtividade de caças como o F-22 e F-35, foi o atraso dos motores ‘Izdeliye 30’, que pretendem atender a especificações similares aos do F119, mas dificilmente alcançarão as especificações do F135 usado no F-35. [12] [15] Entretanto, os russos seguem tendo grandes dificuldades no desenvolvimento do motor, com a última expectativa sendo que a produção em série deve começar em torno de 2025. [16]

Espera-se que o Izdeliye 30 resolva alguns problemas do Su-57:
  • Deve permitir que a aeronave sustente supercruise (velocidades supersônicas sem usar pós combustão) - embora no momento a aeronave consiga atingir supercruise, os motores não permitem manter o supercruise por muito tempo
  • Deve reduzir o consumo de combustível
  • Deve utilizar bocal de exaustão com bordas serrilhadas, a exemplo do F-35, para controle da RCS no aspecto traseiro da aeronave

 
Izdeliye 30 instalado na posição esquerda de um dos protótipos do Su-57; observe-se o escape serrilhado, semelhante ao do F135 instalado nos F-35
Mas  o programa ADVENT (tecnologia avançada de motores adaptativos) da USAF deve começar a ser utilizado em aeronaves de série mais ou menos ao mesmo tempo que o Izdeliye 30. Isso colocará a Rússia, novamente, duas gerações atrás dos EUA. [17]

 
O F135 é, atualmente, o motor mais avançado instalado em aeronaves militares
Entretanto, o avançado desenho aerodinâmico do Su-57 lhe garante um ótimo desempenho, mesmo com os motores atuais instalados. É quase certo que conseguirá atingir um desempenho muito alto, e caso o Izdeliye 30 fique pronto e funcione como esperado, é bastante provável que o Su-57 tenha um desempenho aerodinâmico bastante superior ao de aeronaves atuais, podendo talvez se aproximar do F-22 neste quesito. [18]

Até o momento, conclui-se que o Su-57 tem o potencial de atender o primeiro requisito de 5G apenas parcialmente - se o desempenho aerodinâmico das aeronaves de série se mantiver no mesmo nível das aeronaves de desenvolvimento, o Su-57 será uma aeronave excelente neste quesito. No quesito stealth, conforme demonstrado, o Su-57 não chega ao mesmo nível do F-22. O F-35 é ainda mais stealth que o F-22, e portanto também está num patamar inatingível pelo Su-57. [12] [19]

Mas há outros quesitos que uma aeronave 5G deve alcançar, e veremos como o Su-57 se sai neste sentido.


SENSORES AUTOMATIZADOS AVANÇADOS & FUSÃO DE INFORMAÇÃO

As capacidades revolucionárias de uma aeronave 5G também podem ser atribuídas ao seu poder de coletar, processar e utilizar informações. Enquanto algumas aeronaves 4G podem apresentar elementos dessa tecnologia, os enormes volume e qualidade das informações disponíveis para um piloto de quinta geração aumentam drasticamente a capacidade de combate. Combinando dados de fontes externas e a própria matriz de sensores ativos e passivos multiespectrais da aeronave, um poderoso computador central usa algoritmos sofisticados para correlacionar, comparar, avaliar e fundir informações em uma imagem de SA (consciência situacional) altamente precisa e em tempo real. (...)

As aeronaves 4G possuem sensores muito pouco integrados - seus sistemas de radar são separados dos data links, que também são separados dos sistemas de guerra eletrônica e outros componentes. Em uma aeronave de quarta geração, os pilotos devem não apenas gerenciar cada sensor e sistema individualmente, mas também interpretar as informações de cada sensor e sistema e entender o todo - tudo isso enquanto combatem e pilotam a aeronave.

Mas os sensores avançados em aeronaves 5G são automatizados e requerem pouco ou nenhum controle ativo do piloto. Os dados dos sensores são automaticamente compartilhados com outras aeronaves por meio de data link, permitindo uma abordagem colaborativa na qual a aeronave se correlaciona, compara e preenche automaticamente as melhores informações com outras aeronaves em seu voo. O resultado é uma imagem robusta e comum do espaço de batalha compartilhada entre todos os membros do voo. Com essa percepção situacional aprimorada, os pilotos podem executar melhor a prevenção de ameaças, a detecção de alvos, a direção das forças, as decisões de engajamento e outras ações de comando. Em resumo, as aeronaves de quinta geração fornecem informações e vantagens de decisão superiores. [2]

Esta longa citação de Deptula aponta para o porque de uma aeronave só poder ser 5G caso assim projetada desde o começo - muitas das considerações relevantes para stealth também são importantes para a fusão de dados.

Um dos principais responsáveis pelo alto custo do F-35 é a sua suíte de aviônicos e sensores, que são de um nível tecnológico nunca visto antes, especialmente sistemas como o Lockheed Martin AN/AAQ-40 EOTS (sistema eletro-ótico de pontaria e designação de alvos), o Northrop Grumman AAQ-37 DAS (sistema eletro-ótico de abertutas distribuídas), radar Northrop Grumman APG-81 AESA (arranjo de varredura eletrônica ativa), o sistema de EW (guerra eletrônica) BAE Systems ASQ-239 Barracuda [20] e o capacete Rockwell Collins HMDS (sistema de mira e imagens montados no capacete) [21], que além da grande capacidade de cada subsistema, tem sua eficiência aumentada exponencialmente pelo fato de todos esses sistemas serem gerenciados pelo computador de missão, inclusive com uso de AI (inteligência artificial). [22]

O radar e todas as comunicações via rádio do F-35 usam sistemas LPI (baixa probabilidade de interceptação), tecnologia que parece ausente no Su-57 - o fabricante certamente anunciaria tais capacidades aos quatro ventos.


 
Um caça 5G como o F-35 tem fusão de todos os seus sistemas. Um exemplo disso é que a suíte de EW Barracuda pode controlar o APG-81 para executar interferência eletrônica contra sistemas inimigos. Todas as antenas do F-35 são feitas com GaN (nitreto de gálio), o material mais avançado para tais aplicações

LIMITAÇÕES DO FELON EM TERMOS DE SENSORES & FUSÃO DE INFORMAÇÃO

Os EUA não só estão consideravelmente à frente da Rússia em stealth e motores, mas também na tecnologia AESA, sensores, guerra eletrônica e fusão de informação.

Outro excelente artigo pelo articulista Ricardo Barbosa, "Sensores do Sukhoi Su-57" [23], descreve alguns sensores do Su-57. Vamos verificar como tais sensores se comparam aos do F-35, e por que são decididamente inferiores.

                     Alguns sensores do Su-57
O subsistema RF é composto pelo radar Phazotron NIIR N036 Byelka, que será subividido em 5 antenas com GaAs (arsenieto de gálio, um material mais antigo que GaN), sendo 1 no nariz (N036-1-01, banda X), 1 em cada lado da fuselagem frontal (N036B-1-01, banda X), e 1 em cada asa (N036L-1-01, banda L) e o sistema EW KNIRTI L402 Himalaya. [23]

Já o subsistema EO (eletro-ótico) 101KS Atoll da UOMZ tem aberturas distribuídas ao estilo do DAS (mas não as mesmas capacidades): seis sensores 101KS-U MAWS (sistema de alerta de disparo de mísseis), dois 101KS-O DIRCM (sistemas de contra-medidas contra IR por laser dirigido) e dois 101KS-P de navegação e pouso. Tem também um par de sensores ao estilo do EOTS composto pelo IRST (sistema de busca e rastreio por infravermelho) 101KS-V instalado em frente ao cockpit e o LDP 101KS-N (carregado externamente, ao contrário do EOTS do F-35).

Comecemos pelo N036. Os radares russos usam o sistema de 'antena remendada' em que os módulos T/R (transmissor / receptor) são instalados em 'remendos' sob o arranjo da antena, tal como no seu 'ancestral' Zhuk AME. [24] Tal arranjo é comum em radares mais antigos, como os AN/APG-63 dos F-15 na década de 2000.

Os arranjos laterais provavelmente servem para designar alvos para mísseis durante certas manobras de combate aéreo, o que indica que os projetistas do Su-57 depositam grandes esperanças em suas capacidades de combate a curtas distâncias, suposição temerária contra aeronaves stealth.

 Antena do radar N036-1-01; observe-se que os seus 1552 módulos estão instalados em 'remendos' sob o arranjo da antena
O APG-77 do F-22 já usava, em 1999, um sistema mais avançado, o 'arranjo entalhado', em que os módulos T/R são instalados em 'entalhes' sobre o plano da antena, uma solução muito mais capaz mas também muito mais avançada e de produção mais difícil.

Outros caças, como o Rafale, versões mais avançadas de F-15, F-16, F-18 e o F-35 usam o mesmo sistema.
O APG-81 do F-35 tem 1676 módulos instalados em 'entalhes' sobre o plano da antena. O APG-77 do F-22 é ainda maior e abriga 1956 módulos
Embora muitos (pseudo) articulistas aleguem que os radares N036L-1-01 poderão detectar caças stealth a F-35 a longas distâncias, tais alegações não passam de fantasias - além da baixa resolução inerente à banda L, o baixo número de módulos (ambas as limitações são em decorrência de propriedades físicas do maior comprimento de onda) faz com queos radares em banda L não sejam eficientes a distâncias muito longas, especialmente contra alvos stealth.
 
A banda L corresponde à faixa de frequência entre 950 e 2150 MHz. Observe-se como, mesmo na época do F-117, a RCS das aeronaves na banda L era consideravelmente menor que a de caças 'tradicionais'. Além das formas muito mais avançadas (devido aos avanços computacionais), o F-35 também utiliza RAM muito mais avançados
Observe-se o pequeno tamanho das antenas do Su-57 comparadas às de aeronaves AEW (alerta aéreo antecipado) que utilizam a mesma banda.
 
Maquete da antena do N036L-1-01 do Su-57. Observe-se as pernas de uma pessoa ao lado, para ter uma noção do tamanho. Com uma única fileira de módulos, este radar só pode fazer varredura 2D, ou seja, apenas azimute e distância, mas não altitude.

Radar IAI EL/W-2085, o menor radar aeronáutico em banda L da atualidade, instalado num AEW de Singapura. Observe-se o tamanho consideravelmente maior, especialmente a altura, que permite uma varredura 3D - azimute, distância E altura
Finalmente, até mesmo enorme radar naval SMART-L de 7.800 kg, um radar AESA banda L de 'arranjo entalhado', tem um alcance superior a 400 km contra alvos 'tracicionais' mas apenas 60 km contra alvos VLO. [26] Portanto, é inverossímil acreditar que o N036, muito menor e menos avançado, terá um alcance muito maior que uns 10 ou 20 km contra aeronaves stealth, ou seja, praticamente o mesmo que o alcance visual.

Deve-se ressaltar, entretanto, que os engenheiros da Sukhoi tomaram decisões acertadas ao integrar a suíte EW L402 com o sistema radar N036. [23] Entretanto, a ausência de modos LPI faz com que isso seja 'uma faca de dois gumes', pois as emissões dos radares podem ser usadas por sistemas como o Barracuda para direcionar o F-35 contra um Su-57.

O 'DAS' Atoll tem somente a função MAWS e auxíio à navegação, enquanto o DAS conta com as funções MAWS, IRST, auxílio à navegação pontaria de armas, fornecimento de imagens para o HMDS e indicação do ponto de disparo do inimigo, transmitindo dados inclusive para o HMDS e a suíte Barracuda. [27]
Ademais, o 'DAS' Atoll usa sensores UV (ultravioleta), ao invés do IIR do DAS. [23] [27] UV é uma boa opção para uso em baixas altitudes, mas não para altitudes médias e elevadas, devido às propriedades químicas e físicas da atmosfera.

 Perfil de absorção do ultravioleta em relação à altitude. Observe-se que luz UV é fortemente absorvida acima de 10 km
Já o 'EOTS' do Atoll composto por um IRST (à frente do cockpit) e um LDP (instalado externamente). O EOTS do F-35 é instalado internamente, e combina as funções dos dois sem interferir na RCS na aeronave, além de passar informações para o HMDS e a suíte Barracuda. [23] [28] Como não há informações disponíveis sobre as especificidades dos sensores instalados (para nenhuma das aeronaves), não é possível compará-los no momento.

Cabe aqui um lembrete - alcances do IRST como 80 km são mencionados em fontes não confiáveis, que geralmente 'esquecem' de avisar que este é o alcance máximo teórico em uma busca direcionada, ou seja, quando já se sabe onde o alvo está e todo o poder do sensor é direcionado em uma área relativamente reduzida, e não contra alvos desconhecidos. Isso também é explicado com mais detalhes no nosso artigo "Alcance dos mísseis - Teoria e Realidade."

Outro ponto, destacado na referência [13], é o fato que as coberturas de vários dos sensores são arredondadas ao invés de facetadas (como no F-35) para redução da RCS. 

Entretanto, este articulista acredita que é uma falha que pode ser corrigida de maneira relativamente simples nos modelos de produção.

Também não conseguimos localizar informações confiáveis sobre fusão de sensores do Su-57, então é razoável supor que são relativamente pequenas - caso contrário, a Sukhoi certamente anunciaria bastante.

SINERGIA DE INFORMAÇÕES FURTIVAS, FUNDIDAS E PROCESSAMENTO AUTOMATIZADO INTEGRADO

Combinar furtividade com superioridade de informações e decisões transforma a conscientização do espaço de batalha em iniciativas e manobras superiores, fornecendo uma verdadeira vantagem assimétrica para aeronaves de quinta geração em relação aos projetos de aeronaves mais antigos.

Essa iniciativa do espaço de batalha é o que os céticos da furtividade tendem a ignorar. A furtividade aumenta a probabilidade de sobrevivência da aeronave e, ao mesmo tempo, torna a defesa contra aeronaves 5G muito mais difícil para o inimigo. Enquanto as aeronaves furtivas mais antigas exigiam uma chamada “linha preta” de uma trajetória de vôo predeterminada para se interligar às ameaças, os caças 5G têm liberdade de manobra porque são furtivos e sabem onde as ameaças estão localizadas. 

“Eu vejo radares. Eu vejo aviões. Vejo mísseis terra-ar, e o jato sabe onde estão essas coisas e me diz ”, disse um piloto do F-22 sobre sua experiência em realizar missões de combate sobre a Síria na Operação Decisão Inerente. "Então, eu tenho uma imagem do espaço de batalha."

Com esse alto grau de conhecimento do espaço de batalha, um piloto de 5G pode transformar furtividade em um atributo ofensivo para ataque.

Discrição, portanto, não é apenas um atributo de sobrevivência defensivo; é um pré-requisito para operações ofensivas bem-sucedidas, combinando a vantagem da surpresa com o aumento da letalidade. [2]

Como se pode observar até o momento, o Su-57 não é VLO, mas provavelmente tem boas capacidades LO, e suas capacidades em termos de sensores avançados e fusão de dados quase certamente são inferiores às do F-35.

Como bem explica o articulista Ricardo Barbosa no artigo "Dominando a guerra eletrônica com o F-35!" [29], as capacidades de EW do F-35 são bastante robustas, a ponto de comandantes da USAF dizerem que é possível combater sem os EA-18G Growler com os F-35 por perto. Suas capacidades também rivalizam aeronaves especializadas de guerra eletrônica como RC-135 e E-3 Sentry. 

Isso também refuta outro argumento falacioso sobre o F-22 e o F-35 serem dependentes de aeronaves como o E-3, e portanto o Su-57 estaria em vantagem ao destruir tais aeronaves com hipotéticos mísseis de 400 km de alcance, dos quais até o momento só se viram maquetes e desenhos / vídeos promocionais mas não fotos ou vídeos de exemplares reais.

Outro aspecto preocupante do já atrasado programa Su-57 é a ausência de fotos das baias internas de armamento, até mesmo em solo. Um vídeo na internet [31] aparentemente mostra um Su-57 disparando um míssil, alegadamente da baia interna ao lado da tomada de ar direita, mas o ângulo da câmera não permite afirmar que o míssil foi realmente disparado daquela baia.

CONCLUSÃO

Após esta análise criteriosa e detalhada, pode-se concluir, com segurança, que o Su-57, embora tenha o potencial de se tornar um excelente caça '4,75G', não tem o necessário para ser considerado 5G, ao contrário do que (pseudo) especialistas tentam alegar.

A realidade é que a Rússia ainda não conseguiu recuperar o atraso da época da URSS, e com a crise econômica que assola o mundo no momento, é improvável que consiga num futuro previsível.
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