A utilização do depósito ainda é objeto de questionamentos - algumas fontes dizem que se tratava de um dos vários depósitos de armas vencidas da época soviética, outras dizem que era um depósito em uso ativo.
Mas estes questionamentos foram ofuscados por um aumento supostamente anormal de radioatividade, conforme observatórios da União Europeia. Este aumento levou a teorias de que o depósito continha munições com DU (urânio empobrecido), um subproduto do processo de produção de urânio para fins de energia nuclear (pacífica ou em armas), ou mesmo de plutônio para armas nucleares.
O DU é utilizado em munições por apresentar propriedades bastante interessantes na função AP (perfurantes de blindagens). Além da densidade extrema (um bloco de urânio tem quase o dobro da massa de um bloco de chumbo do mesmo tamanho), o urânio tem propriedades mecânicas que mantém sua eficiência como perfurantes.
Por fim, outra característica que aumenta sua eficiência é sua piroforicidade, ou seja, a tendência de incendiar espontaneamente quando sujeito a temperaturas elevadas em presença do ar atmosférico, aumentando os efeitos após penetrar o alvo.
Entretanto, apesar de tais propriedades bastante vantajosas para uso em munições AP, o uso de DU é bastante criticado por ser um composto metálico extremamente tóxico. Apesar de ser consideravelmente menos radioativo que o urânio natural, o DU mantém toda sua toxicidade, e há um aumento significativo de certas doenças em regiões de guerras após o uso intenso de tais munições.
A Inglaterra anunciou o envio de munições de DU à Ucrânia para seus MBT ("tanques de guerra", carros de combate na nomenclatura brasileira) Challenger. A Rússia criticou o envio de tais munições, uma hipocrisia considerando-se que a própria Rússia utiliza tais munições há bastante tempo em seus próprios tanques.
Embora a radioatividade do DU seja praticamente indistinguível da natural, não demorou para que alguns associassem o aumento de radioatividade à detonação de munições com DU.
Vamos explicar aqui o porquê de tais conjecturas não fazerem sentido absolutamente nenhum.
MONITORAMENTO DE RADIOATIVIDADE
Os elementos químicos apresentam isótopos, variantes dos átomos com massas distintas, e alguns dos isótopos podem emitir radiações; estes isótopos geralmente são chamados de radioisótopos.
Alguns radioisótopos acontecem naturalmente, outros só podem ser obtidos através de processos nucleares artificiais. Os ciclos de decaimento radioativo são praticamente imunes a mudanças ordinárias de pressão e temperatura, ou seja, há muito pouco que o ser humano possa fazer para acelerar ou atrasar tais processos, a não ser em condições muito controladas.
Como todos os elementos químicos apresentam radioisótopos diversos, com seus ciclos naturais de decaimento radioativo, a natureza apresenta um certo nível de radioatividade, chamado radioatividade de fundo. Em certos lugares a radiação de fundo é mais elevada que em outros, mas isso é um fator bem estabelecido.
Entretanto, é importante monitorar o nível de radiação ambiente, especialmente em locais onde há a operação de usinas nucleares. Para isso, é comum o uso de sistemas remotos de monitoramento, que medem a radioatividade 24 horas por dia, e os resultados deste monitoramento são acompanhados e analisados para detecção de anomalias.
Dos diversos tipos de radiação, a mais fácil de monitorar remotamente é a gama. A radiação gama é composta por ondas eletromagnéticas, de natureza semelhante à da luz visível, mas com energias consideravelmente maiores, capazes de atravessar até mesmo paredes de concreto, portanto é relativamente fácil de monitorar à distância.
Já a radiação alfa, que é a principal emitida pelo urânio, tem pouco poder de penetração, e até mesmo uma folha de papel é suficiente para se blindar dela. Isto não significa que as partículas alfa sejam inofensivas, especialmente se ingeridas, mas significa que elas não podem ser detectadas a grandes distâncias da fonte.
A União Europeia dispõe de uma rede de sensores para tal fim, espalhados ao longo do território europeu, e publica estes dados, diariamente, neste site.
Abaixo, o monitoramento em Khmelnytskyi feito hoje, 16 de maio, com as leituras de radiação gama abaixo de 150 nSv/h, o que é mais ou menos o normal da região.
Vamos responder a três questões que você pode estar se fazendo neste momento:
Se não aconteceu nada de mais, então por quê a leitura apresentou um aumento?
Como saber se um aumento é preocupante ou não?
O DU não poderia ter causado este aumento na radioatividade em Khmelnytskyi?
Se não aconteceu nada de mais, então por quê a leitura apresentou um aumento?
A radiação gama não é produzida apenas na Terra. Eventos astronômicos também produzem tais radiações, e elas chegam ao planeta o tempo todo.
É comum que tais eventos causem um aumento moderado nas leituras dos sensores, o que não representa nenhum perigo.
Como saber se um aumento é preocupante ou não?
O aumento observado em Khmelnytskyi foi insuficiente para sequer dobrar o valor médio das leituras.
Contraste-se isso com o aumento causado pela movimentação de veículos e soldados russos na zona de exclusão total de Chernobyl logo após a invasão.
A radiação aumentou em centenas ou milhares de vezes. Este aumento só não foi mais preocupante por dois motivo: a) durou poucos dias, já que os russos tiveram que abandonar a região devido aos efeitos da contaminação radioativa, e b) a existência da zona de exclusão total, portanto não foi necessário evacuar a população civil, que já não se encontra nas proximidades da usina desde o acidente de 1986.
Os níveis de radioatividade ao redor de Chernobyl voltaram ao seu normal logo depois da retirada dos russos da zona de exclusão total.
O DU não poderia ter causado este aumento na radioatividade em Khmelnytskyi?
A resposta para isso é bem simples - não, não poderia, mesmo se houvesse uma quantidade significativa de munições com DU no local.
O motivo para isso é relativamente simples. O DU praticamente não contém o principal isótopo radioativo do urânio, o urânio-235, mas praticamente todo o material é à base do isótopo mais estável urânio-238.
Portanto, a radioatividade do DU é bastante reduzida, menor até do que a do urânio natural. De qualquer maneira, nem o urânio natural nem seus dois principais isótopos mencionados acima, apresentam decaimento com emissão significativa de radiação gama.
Alguns átomos-filho vão apresentar emissão de radiação gama, mas sua abundância é tão reduzida que os valores emitidos serão mascarados pela radiação de fundo.
Ou seja, ainda que houvesse DU no local do evento, não seria possível determinar isso através de monitoramento de radioatividade gama.
Portanto, qualquer um que apresente o "aumento inexplicável e preocupante" das leituras de radiação gama como "prova incontestável de uma emergência pior do que Chernobyl" está enganado em vários níveis.
Conclusão
Embora ainda haja dúvidas sobre o que de fato estava armazenado em Khmelnytskyi, o aumento modesto nas leituras de radiação gama não são motivo de preocupação, e muito menos prova conclusiva da presença ou ausência de DU no local.
Resta-nos aguardar mais informações, que deverão vir nos próximos dias - ou só depois do fim das terríveis hostilidades na região.
Mas pode ficar tranquilo, caro leitor - o que aconteceu em Khmelnytskyi não foi uma "segunda Chernobyl". Se fosse, teríamos observado aumentos de radioatividade muito maiores do que vistos até agora.
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