Você sabia que a Segunda Guerra Mundial ainda não acabou para Rússia e Japão? Passados 71 anos, os dois países não assinaram um acordo de paz e continuam, ao menos tecnicamente, em conflito.
Tudo por causa de um conjunto de ilhas anexadas pela antiga União Soviética em 1945.
Desde então, a posse das Ilhas Curilas - que o Japão chama de Territórios do Norte - tem sido um elemento de tensão na relação entre os dois países.
As Curilas são um arquipélago vulcânico de 56 ilhas, que se estende entre a Península de Kamchatka, no extremo oriental da Rússia, até à ilha japonesa de Hokkaido.
Nos últimos meses, no entanto, o presidente russo, Vladimir Putin, e o primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, têm ensaiado uma aproximação.
Exemplo disso é que Putin visitará o Japão na quinta e na sexta-feira.
Formalização
A disputa entre Moscou e Tóquio envolve quatro ilhas hoje sob administração da Rússia, que as chama de distrito das Curilas do Sul.
A partir de 1951, o Tratado de Paz de San Francisco, assinado entre as forças aliadas e o Japão, estabeleceu que o país deveria desistir de todas as reivindicações sobre as Curilas, mas tampouco reconheceu a soberania soviética sobre o arquipélago.
O tratado não foi assinado por Moscou.
A Rússia inclusive instalou recentemente sistemas de mísseis na parte sul do arquipélago.
Localização estratégica
A iniciativa busca proteger as rotas de navegação da frota russa do Pacífico e a zona de ação dos seus submarinos estratégicos no Extremo Oriente.
Durante a visita de dois dias ao Japão, acredita-se que Putin e Abe vão assinar vários acordos de cooperação e investimento. Mas será que conseguirão pôr fim às tensões de mais de 70 anos?
"Putin esteve cortejando o Japão, mas não tem nenhuma intenção de devolver as ilhas", explica Famil Ismailov, editor da BBC Rússia, o serviço em russo da BBC.
O Japão, por sua vez, já disse várias vezes que não vai assinar tratados de paz enquanto as ilhas não forem devolvidas.
Apesar da disputa, os dois países vêm tentando desenvolver relações econômicas e comerciais.
"Para o Japão, o assunto das ilhas é uma questão de orgulho nacional", explica Ismailov.
"E a Rússia precisa do Japão por questões econômicas, por causa das sanções que foram impostas a Moscou pelo Ocidente".
Em busca de uma nova aliança
No discurso anual na Duma (o parlamento russo), em 1º de dezembro, Putin disse que queria ter melhores relações com o Japão.
Abe, por sua vez, disse claramente que a Rússia deve ver o Japão - e não só a China - como uma "porta de entrada" para a Ásia.
O governo de Tóquio - que mantém uma longa disputa com a China pelas ilhas Senkaku, no mar da China Oriental - está preocupado com a crescente influência chinesa na região.
Observadores afirmam que foi o crescimento da influência da China que levou Tóquio e Moscou a buscarem novas alianças na Ásia.
"Trata-se de negociar e tentar manter um equilíbrio", disse à revista Foreign PolicyMichael Auslin, diretor de estudos sobre o Japão no American Enterprise Institute, em Washington.
"A Rússia é vista como um sócio útil para o Japão e vice-versa", acrescenta.
17 mil japoneses deportados
As quatro ilhas que Moscou anexou em 1945 são Kunashir (para os japoneses Kunashiri), Iturup (Etorofu), Shikotan e as ilhotas rochosas Habomai.
Havia 17 mil japoneses vivendo nas ilhas quando a então União Soviética tomou o controle delas.
Dois anos depois, todos os habitantes foram deportados para o Japão pelos soviéticos.
Em 1956, os dois países restabeleceram relações diplomáticas, mas desde então não conseguiram firmar um acordo de paz por causa dessa disputa territorial.
Na época, a Rússia propôs a devolução de duas das ilhas (as menores), mas Tóquio rejeitou o acordo porque elas representam apenas 7% do território disputado.
E, assim, o conflito não foi solucionado.
Como destaca Famil Ismailov, por causa da recessão econômica que atravessa, a Rússia atualmente precisa mais do Japão do que o contrário.
E, embora não tenham conseguido um progresso importante para resolver a disputa, o mais provável é que os dois líderes anunciem algum tipo de concessão durante seu encontro.
"Espera-se que eles assinem uma série de acordos. Fala-se em novos pactos comerciais, culturais e científicos", diz Ismailov.
E sobre o arquipélago, acrescenta o jornalista, "é provável que a Rússia reduza as restrições para que alguns japoneses possam viajar até algumas das ilhas em disputa".
"Também poderiam criar uma zona de livre comércio nas Curilas como forma de aproximação entre os dois países."
"Mas não devemos esperar que a Rússia as devolva", acrescenta.
Cooperação
Recentemente, Shinzo Abe apresentou um plano de cooperação financeira do Japão para desenvolver os setores científicos e energéticos da Rússia - mas desde que Moscou reveja sua posição sobre as Curilas.
Especula-se que o Japão também poderia estar repensando sua posição e estaria disposto a aceitar algum tipo de solução baseada no acordo de San Francisco, que previa a devolução de duas ilhas "e algo mais".
Um difícil acordo de paz
"Não devemos ter muitas expectativas", disse à agência de notícias Reuters Muneo Suzuki, japonês envolvido nas negociações russo-japonesas e agora assessor do primeiro-ministro Abe.
"Um passo no sentido de resolver a questão territorial será mais do que suficiente", afirma.
Esse passo, diz Suzuki, poderia ser "ambos anunciarem que estão de acordo em lançar negociações concretas - baseadas na declaração conjunta de 1956".
Os especialistas afirmam, no entanto, que Abe enfrentaria muitas críticas internas se aceitasse firmar a paz com os russos em troca da devolução de apenas duas ilhas.
Durante as reuniões preparatórias da cúpula dos líderes, os chanceleres dos dois países deixaram claro que é pouco provável que seja assinado um tratado de paz.
"O problema é complicado", disse o ministro das Relações Exteriores russo Sergei Lavrov, depois de se reunir, no começo do mês, em Moscou, com o colega japonês Fumio Kishida.
"Não é fácil reduzir o abismo entre as posições básicas de ambas as partes", acrescentou.
Isso indica que é provável que os dois países continuem - tecnicamente - em guerra.
Fonte: BBC Brasil
0 comentários:
Postar um comentário