O ministro da Defesa, Raul Jungmann, sugeriu que, frente à ameaça do autoproclamado "Estado Islâmico (EI), o Brasil crie uma entidade ou autarquia que centralize as ações de contraterrorismo. Jungmann disse à BBC Brasil que essa agência deve ter atuar tanto dentro como fora do país.
A afirmação ocorre dias após o governo anunciar a prisão de 12 suspeitos de formar um grupo para jurar lealdade ao autoproclamado Estado Islâmico e iniciar atos preparatórios para um atentado durante a Olimpíada.
A proposta, porém, divide especialistas em segurança. Se por um lado alguns afirmam que a medida ajudaria o país a obter informações mais confiáveis, outros classificam a ideia como exagerada ou autoritária e argumentam falta de recursos.
Na prática, ter um órgão de inteligência voltado também para a atuação fora do território brasileiro significa que o país deixaria, em tese, de ser dependente apenas de informações fornecidas por agências de outras nações - que podem ser filtradas de acordo com interesses geopolíticos.
Durante a Olimpíada, porém, a cooperação deve ser total - pois as delegações estrangeiras são alvos potenciais. Segundo Jungmann, as inteligências do Brasil e dos Estados Unidos estão trabalhando "a quatro mãos".
Estrutura brasileira de contraterrorismo
Atualmente as ações de contraterrorismo no país se originam em informações produzidas por diversos órgãos de inteligência independentes, mas que atuam de forma integrada.
Basicamente, esses órgãos estão distribuídos na Presidência da República (Gabinete de Segurança Institucional e Abin, a Agência Brasileira de Inteligência), em cada uma das três Forças Armadas, na Polícia Federal e nas polícias estaduais. Cada uma dessas entidades possui equipes armadas para responder a ameaças.
Todas elas se ocupam majoritariamente da investigação e monitoramento de ameaças internas no país - embora algumas tenham formas de atuação internacional, por meio de adidos (representantes) em embaixadas e representações em organismos multilaterais.
Em comparação, diferente do modelo brasileiro, muitas potências mundiais possuem não só órgãos voltados para a inteligência doméstica, mas agências direcionadas para a atuação fora de seu território, como Estados Unidos (CIA), Grã-Bretanha (MI6) e Rússia (SVR).
Segundo o especialista Vladimir de Paula Brito, agente da Polícia Federal e pesquisador do think tank Inasis (sigla em inglês para Associação Internacional para Estudos de Segurança e Inteligência), o modelo de inteligência brasileiro também não preveria o monitoramento de suspeitos por longos períodos de tempo.
Na maioria dos casos, indivíduos que poderiam representar ameaça geralmente são vigiados apenas no período em que dura um inquérito da polícia ou um processo judicial.
Extremismo
Segundo Jungmann, devido às Olimpíadas e Paralimpíadas, pela primeira vez na história mais recente do Brasil o país é ameaçado por um ente externo: o EI.
E isso ocorre em meio a uma mudança de característica dos movimentos extremistas - que segundo o ministro hoje são mais difusos e não requerem contato direto entre suas lideranças e as diversas células e extremistas solitários espalhados pelo mundo.
Questionado se propõe uma nova agência, o ministro afirmou:
"Uma agência, se quiser... Mas que seja centralizada e que tenha ação nacional e internacional".
"Pela primeira vez nós estamos tendo uma atitude agressiva de uma entidade que está ligada a um conflito territorial, mas ao mesmo tempo global, no próprio Oriente Médio, que incide no Brasil, no momento em que ele se projeta através dos jogos olímpicos e paralímpicos".
"Essa é uma nova realidade e é preciso ter uma resposta para isso sem a menor sombra de dúvidas", disse.
Prós e contras
O consultor de segurança Hugo Tisaka, da empresa NSA Brasil, considera positivo expandir a atuação do serviço de inteligência brasileiro no exterior, o que, na sua avaliação, poderia ser feito em parceria com os serviços diplomáticos, nas embaixadas brasileiras ao redor do mundo.
"Acho extremamente valioso intensificar essa atividade porque nós vamos conseguir captar informações primárias, não informações que são selecionadas, filtradas, ou talvez trabalhadas por outros países antes de nos passar a informação", observou.
"Vai permitir também que nossos agentes de inteligência façam um corpo a corpo mais próximo com as agências locais (de outros países) e consigam informações mais consistentes, solicitar cooperação com outros organismos", acrescentou.
A ideia de expandir o serviço de inteligência antiterrorismo esbarra, no entanto, na falta de recursos do governo federal. No momento, a União passa por uma grave crise fiscal e caminha para fechar o ano com rombo de R$ 170 bilhões em suas contas.
No caso da Abin, o Portal da Transparência indica que as despesas da agência cresceram abaixo da inflação em 2014 e 2015, o que significa que, em termos reais, houve redução do seu orçamento, nos dois anos anteriores à Olimpíada.
No ano passado, por exemplo, os gastos do órgão somaram R$ 524,1 milhões, uma alta nominal de 1,7% ante ao anterior. Já a inflação do período foi de 10,67%.
Diante da escassez de recursos e de outras carências do país, há quem ache que o governo não deveria priorizar gastos em uma área na qual o Brasil não tem histórico de ameaças.
Para o especialista em ciências criminais Salah Khaled, professor da Universidade Federal do Rio Grande (FURG), há uma preocupação exagerada no momento com a questão do terrorismo no país.
"Salvo melhor juízo, não existe nenhum indício de que o Brasil repentinamente tenha se tornado alvo de potenciais atentados. Me parece que a questão tem muito mais relação com o impacto simbólico do combate ao terror - e como ele potencialmente pode justificar práticas autoritárias - do que com qualquer intenção real de garantir a segurança do país", disse.
Na sua avaliação, o governo interino de Michel Temer estaria usando o "combate ao terror" para validar ações arbitrárias. O professor critica a recente prisão de supostos membros de uma célula terrorista que estaria planejando ataques durante as Olimpíadas. Para Khaled, não havia indícios suficientes de atos preparatórios para um ataque de fato.
"Se não havia qualquer plano para a realização de um ato terrorista, como pode haver ato preparatório para o que não existe? É assustadora a possibilidade de que o episódio possa de qualquer modo contribuir para iniciativas de maior fôlego contra o terrorismo, como se de fato uma ameaça tivesse sido descoberta. Estão confundindo o real com o imaginário. E isso é perigoso para todos nós", criticou.
Autoridades do governo e da Justiça justificaram as prisões afirmando que os suspeitos teriam tentado comprar um fuzil de assalto no Paraguai para supostamente cometer um atentado a tiros. Dois deles tinham passagens pela polícia.
A deputada Jô Moraes (PCdoB-MG), que recentemente presidiu a Comissão Mista de Controle da Atividade de Inteligência (CCAI) do Congresso Nacional, defende que a atuação do setor seja focada em questões mais ligadas à realidade brasileira, como vulnerabilidades na fronteira e o crime organizado, em vez de simplesmente "importar modelos de fora".
"Então, vamos cuidar da inteligência só para tratar desse fenômeno que não comporta a nossa história ou vamos dar a nossa inteligência a função essencial que é a defesa das fronteiras, a defesa da nossa riqueza natural, da Amazônia?", questiona.
Abin
A Abin afirmou à BBC Brasil, por meio de sua assessoria de imprensa, que possui três adidos na América do Sul (Argentina, Colômbia e Venezuela) e uma representação em Washington/EUA, que atua junto à OEA (Organização dos Estados Americanos).
A assessoria do órgão informou que já estão aprovados oito novos postos no exterior, com abertura prevista até 2017, mas disse não poder divulgar em quais países.
Quanto à recente queda real nas despesas da agência, a assessoria afirmou que o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (GSI/PR) tem buscado junto ao Ministério do Planejamento novos recursos, especialmente para ampliar o quadro se servidores da Abin por meio de concursos públicos.
A Polícia Federal, por sua vez, tem adidos em vinte países, sendo metade deles da América do Sul. Há também oficiais em países como Estados Unidos, Portugal, Reino Unido, África do Sul e Cingapura.
Debate futuro
O ministro Jungmann também afirmou que o Brasil hoje se define como um país pacífico e sem inimigos - o "país do softpower".
Mas, segundo ele, após a Olimpíada pode ser preciso voltar a debater as necessidades de defesa, a capacidade disuasória e as ferramentas de defesa e inteligência do país.
"É um debate que nós vamos ter que enfrentar e que é necessário, não tenha dúvida", disse.
Fonte: BBC Brasil
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