A resposta dos líderes do primeiro mundo aos atentados da França segue um roteiro previsível: horror, reivindicação dos valores ocidentais e promessa de uma resposta que, segundo o presidente francês François Hollande, será “implacável”. Palavras mais, palavras menos, é a mesma reação vista após os atentados contra a revista Charlie Hebdo, em janeiro deste ano, contra o transporte público de Madrid (2004) e de Londres (2005), e contra as Torres Gêmeas, em 2001.
Na Malásia, neste domingo (22/11), Barack Obama se apegou ao mesmo texto.“Vamos destruir o Estado Islâmico (EI). Recuperaremos as terras que ocupam, acabaremos com suas fontes de financiamento, perseguiremos os seus líderes, desmantelaremos suas redes e suas linhas de fornecimento”, disse o presidente. Não são palavras vazias. A resposta militar e policial fez sentir desde a invasão do Afeganistão e do Iraque até a virtual coalizão contra o EI que está sendo forjada entre Estados Unidos, França e Rússia, à qual o Reino Unido poderia se somar em breve.
As coalizões conseguiram derrubar os Talibãs e Saddam Hussein, entre outros que foram acusados de instigar o terrorismo. E quais foram os resultados dessas ofensivas?
Um dos mais claros é o atual caos no Iraque, que teve como uma das consequências o surgimento do EI, um movimento ainda mais sangrento que a Al Qaeda. Ou seja, a estratégia bélica desperta dúvidas. Se não serviu no passado, servirá agora? Mas também, qual é a alternativa?
O investigador Scott Atran, que fez um extenso trabalho de campo com jihadistas europeus e do Oriente Médio, que considera que a estratégia do EI é justamente buscar essa resposta militar para aprofundar o antagonismo e expandir suas fontes de recrutamento. Um editorial publicado em março pela Dabiq, a revista online do EI, já detalhava essa estratégia e antecipava os atentados de Paris. “O editorial usava uma frase de Osama Bin Laden, quando disse que George W. Bush tinha razão ao falar de 'um mundo dividido no que se está com o ocidente ou com os terroristas'. Segundo o editorial, havia chegado a hora de lançar `um novo golpe para dividir ainda mais o mundo e destruir qualquer zona gris que não seja de enfrentamento”, lembrou Atran, autor de “Talking to the enemy: Faith, Brotherhood and the (Un)making of terrorists”, em conversa com “Carta Maior”.
É uma estratégia de longo prazo. Num manual de 2004, intitulado Idharat at Tawahoush (“Sobre como manipular o caos”), esse precursor do EI, que foi a rama iraquiana da Al Qaeda, afirmava que era preciso “expor a debilidade dos Estados Unidos, para que abandonem a guerra psicológica e indireta, e se vejam forçados a intervir diretamente”. Atran confirmou a eficácia desta fórmula observada depois de uma extensa investigação mundial, que incluiu entrevistas com jihadistas, simpatizantes e população a favor do grupo na França, Espanha, Reino Unido, Líbano, Marrocos, Iraque, Jordânia, Líbia, Arábia Saudita, nos territórios palestinos, Sri Lanka, Filipinas, Indonésia e Síria.
Em seu testemunho entregue em abril, no Conselho de Segurança da ONU, Atran disse que os protagonistas mais destacados da Jihad não estão inspirados tanto numa leitura do Corão, e sim numa ideologia subjacente. “Quando perguntamos à maioria dos membros do EI no Iraque o que era o Islã, a resposta era `minha vida´. Não sabiam muito sobre o Corão, ou sobre a história da sua religião. Só pensavam no que haviam aprendido da propaganda do Al Qaeda e do EI. E o que incorporavam como conteúdo era mais que uma religião, uma causa excitante, com promessas de glória e autoestima. O termo `niilista´, que se usa no ocidente para descrever esse tipo de comportamento, não significa nada para os que enxergam na Jihad um movimento igualitário, fraternal, `cool´ e convincente”, argumento Artan para a Carta Maior.
Essa mensagem é particularmente sedutora para os jovens. Uma pesquisa do instituto ICM, de 2014, indicava que um de cada quatro jovens franceses entre 18 e 24 anos tinha uma opinião favorável ou muito favorável sobre o EI, apesar dos muçulmanos constituírem somente 7 ou 8% da população nacional (ou seja, os franceses não muçulmanos jovens simpatizam com a organização). No Reino Unido a porcentagem com opinião favorável ao Estado Islâmico é de 7%, novamente muito mais que os 5% de muçulmanos britânicos. “Em nossa investigação, os combatentes crescem a partir de redes de amigos, familiares, vizinhos e companheiros de escola, cada um com seu próprio caminho em direção ao Islã. Como se viu em Paris, esses grupos atuam com um forte grau de treinamento, planificação coletiva e controle central do EI”, indicou Atran.
A porcentagem de muçulmanos apoiam o EI é uma clara minoria que, segundo outras pesquisas, é ainda menor nos países do Oriente Médio (somente 3% dos egípcios, 5% dos sauditas e 1% dos libaneses simpatizam com o grupo). Mas para uma organização que se alimenta de combatentes suicidas, essas porcentagens são mais que suficientes para avançar em sua estratégia. Segundo escreveu neste fim de semana o especialista indiano-britânico Kenak Malik, em artigo para o dominical britânico “The Observer”, esse número de voluntários permanecerá com crescimento constante, porque é uma tendência histórica evidente. “O fundamentalismo cresce muito em épocas sem ideais políticos. O fracasso dos governos seculares muçulmanos e sua degeneração em regimes autoritários fez com que muitas pessoas associassem o secularismo com o atraso econômico-social e a repressão. As intervenções militares estrangeiras também colaboraram, destruindo a sociedade civil e deixando um vazio perfeito para que seja ocupado pelos jihadistas”, comenta Malik.
Uma nova intervenção militar pode golpear o EI no mini califado que montou entre os territórios do Iraque e da Síria que estão sob o seu controle, mas, por sua vez, uma perda territorial pode estimular um novo ciclo de violência em países do primeiro mundo. Num contexto de guerra declarada, é possível evitar o confronto? “Uma intervenção terrestre seria desastrosa. Mas uma que ajude os curdos e busque alianças com os grupos tribais sunitas opostos ao Estado Islâmico é possível. A história recente mostra, entretanto, que os bombardeios endurecem a população civil. Enquanto isso, não se está dando a devida importância a uma contra narrativa crível que não use termos como `niilismo´, que não dizem nada. Necessitaríamos uma plataforma na qual possam confluir os casos de sucesso e as experiências locais, com os apoios dos mesmos jovens que o EI quer recrutar. É um tema que durará anos e que vai requerer muito tato, inteligência e sensibilidade”, analisou Atran.
Fonte: Carta Maior
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