Para compreendermos um pouco sobre o atual conflito na Síria e sua importância ao mundo moderno, quer seja em relação a atuação de grupos terroristas como o Estado Islâmico que tenta dominar a Síria e tornou o país em um de seus bastiões e recentemente derrubou um avião comercial russo e atacou Paris, seguindo com ameaças ao Ocidente vociferando retaliar os ataques russos e da aliança Euro-Americana à suas posições no território sírio, ou pela atuação intervencionista ocidental e Russa no Estado Árabe, é preciso entender a história da região.
Diante disso o GBN resolveu através deste artigo expor os pontos históricos marcantes sobre a região e uma analise direta e resumida, afim de que a partir do conhecimento histórico, possamos entender o presente e traçar um estudo das possibilidades futuras envolvidas no conflito que se arrasta por anos.
Um pouco da história da região:
A grande parte da população Síria vive na
costa do mediterrâneo, sendo a maior parte do território sírio um enorme
deserto, como o restante da península árabe. Vale lembrar que a península Árabe
detém um terço das reservas de petróleo e gás natural do mundo. Estando grande
parte dessa reserva sob o solo da Arábia Saudita. Assim para se escoar essa
produção de petróleo e gás do oriente médio e enviá-lo a Europa é preciso
navegar entorno de toda a península até alcançar o Canal de Suez e então o Mar
Mediterrâneo, lembrando que o trafego pelo canal é controlado e possui taxas
para sua utilização.
Mas há um caminho mais curto e barato para
levar o petróleo árabe ate a Europa, seria escoar essa produção em uma linha
reta. Através de oleodutos que levariam ate a Síria, onde este petróleo e gás
podem ser enviados a Europa.
Aquele que controla este oleoduto pode
controlar o fornecimento deste importante insumo á Europa, sendo assim o
governo desta região tem o poder de barganha no fornecimento de petróleo através
desta região, em resumo se você não paga, não recebe petróleo e gás.
Esta região é fantástica, sendo um dos três
lugares que deram origem a civilização no planeta. Com uma riqueza histórica
sem igual, onde existiu a mesopotâmia, o Sumer que é menos conhecido, mas o
principal que deu inicia a tudo e na outra extremidade temos o Egito. Tendo
sido esta região o grande tesouro disputado por diversos impérios ao longo da
história da humanidade.
A Síria
sempre foi um ponto de contato entre o oriente e o ocidente, permitindo a Ásia
uma saída para o mediterrâneo. Estes
fatores podem ter proporcionado que a região tenha se tornado o berço das
principais religiões monoteístas, seguindo uma ordem cronológica, o Judaísmo,
Cristianismo e o Islã. O Islã sendo o último a surgir acolhe muito das
tradições e preceitos dos outros dois.
Assim podemos notar que Adão, Noé, Abraão, Moisés e Jesus Cristo são
considerados alguns dos profetas islâmicos.
Bom voltando a nosso foco, como essa é uma
região exótica e importante ligação entre o ocidente e o oriente, todos tem
interesse em controlá-la. Tendo a região sido importante parte dos grandes
impérios da antiguidade, como os Persas, Gregos e Romanos.
O império romano termina dividido em dois, a
porção oriental sob influência da religião monoteísta que consegue se arraigar
na cultura da região, o Islã. Construiu
seu próprio império independe do ocidente, Assim chegamos as Cruzadas, que
foram uma tentativa dos cristãos europeus de recuperar esta zona importante.
Por último chegam à região os Turcos, que curiosamente não procedem da Turquia,
mas sim da Ásia, oriundos da derrota que sofrera Genghis Khan. Estes conquistam
a região e fundam o Império Otomano.
O Império Otomano se mantém no controle da
região ate a Primeira Guerra Mundial, durando cerca de 600 anos o domínio deste
império na região, que termina com o fim da primeira guerra mundial, quando surgem
pequenos países onde estava estabelecido o antigo Império Otomano, e pela primeira
vez a Síria aparece no mapa da região.
O que leva a criação destes países?
Em 1910 foi estabelecido um acordo secreto
entre a França e a Grã Bretanha chamado de acordo “Sykes-Picot”, pois os
franceses e os ingleses não tinham como derrotar o Império Otomano, isso só
seria possível se tivessem apoio interno dos povos que viviam na região sob
controle Otomano, em sua maioria árabes. Lembrem de uma coisa os árabes são um
povo, não uma religião, isto é, um árabe poderia ser mulçumano ou cristão, e
antes do islã e do cristianismo há relatos de tribos árabes com tradições
judaicas.
Como ganharam o apoio desses povos? Eles
prometeram a eles a grande Arábia, um país só para eles, o único problema é que
tudo isso era uma farsa, para os árabes não foi dado esse único país que tinha
sido a eles prometido, em vez disso os franceses e britânicos lotearam a
região, criando diversos países pequenos, esses países não eram obviamente
realmente países, mas áreas sob controle dessas duas nações com governantes
estabelecidos por eles. Durante esse período fizeram o que quiseram com a
região, lembre-se que a região é uma importante fonte de petróleo, e embora a Síria
não possua grandes reservas, A Síria tem uma localização estratégica com fácil
acesso ao Mediterrâneo, dando acesso direto aos países europeus.
A França ficou com a Síria, e deu ela a
empresas estrangeiras que exploravam o petróleo na região, isso se manteve
durante curto período, pois irrompeu a Segunda Guerra Mundial e ao seu fim mais
uma vez tudo se alterou na região e os europeus abandonaram a região, mas no
caso sírio os europeus foram expulsos pelo povo local.
Antes de sair da região os europeus ainda
criaram um novo estado, Israel. Não é o ponto chave de nosso artigo, mas vale
falar sobre a questão para se entender um pouco mais sobre a região. Essa
decisão européia foi muito controversa, resultando no não reconhecimento deste
estado por seus vizinhos árabes. A prova
disso é que logo que os britânicos se retiraram da região, Israel foi atacado
por uma coalizão dos estados árabes. A
partir dai a região passou a ser uma grande bomba relógio e foco de grande
tensão e conflitos, como o palestino que iremos abordar em outro artigo.
Voltando o foco à Síria, o país não esta estabilizado
politicamente, enfrentou constantes golpes de estado, e nesse mesmo período
surgiu na síria uma ideologia que toma o controle e se espalha por toda
península árabe, o Baaz. Essa ideologia mistura o antigo sonho de uma nação
árabe unificada, com idéias socialistas e um ponto muito importante, tem uma
postura política laica.
A Síria faz então uma aliança com o Egito, um
país com o qual ele não faz fronteiras, seguindo a postura de muitos países que
também seguiram nesta mesma direção. O
povo da região ainda nutria o desejo de possuir um estado único, como havia
sido prometido anteriormente pelos europeus. Durante esse período o Egito
convence seus aliados a nacionalizar o petróleo, ferindo os interesses norte
americanos e europeus.
Na Síria Al-Assad, pai do atual presidente do
país Bashar Al- Assad torna-se líder do Partido Baaz, O Iraque também segue no
mesmo rumo e adere ao Baaz, onde começa a ganhar força Saddam Hussein, porém as
diferenças entre os dois países dividem os partidos Baaz de outros países em
dois blocos, pró-síria ou pró-Iraque.
Com o mundo agora se dividindo em dois com a
Guerra Fria, os países se dividem entre pró-EUA ou pró-União Soviética. Este período da história é muito turbulento
na península árabe, marcada por diversos conflitos envolvendo estados árabes e
Israel. Durante esses conflitos, Israel toma importantes territórios de seus
vizinhos e invade o Líbano, com isso surge uma oposição islâmica ao regime Baaz
de Al-Assad. A Irmandade Mulçumana.
Voltando um pouco atrás, lembre que a maioria
árabe era mulçumana, e há vertentes entre os mulçumanos, onde a maioria segue
duas vertentes principais, a vertente sunita ou xiita. No caso sírio, apesar de
ser um estado laico, separado politicamente da religião, Assad, os príncipes e
líderes militares eram xiitas, vertente que representa menos de 13% da
população síria, enquanto cerca de 70% da população é de mulçumanos sunitas e
cerca de 10% de cristãos. O fato importante nesses dados é que os xiitas embora
sendo uma minoria, controlam o governo e o exercito do país, o que incomoda a
população sunita. Este sentimento é explorado pela Irmandade Mulçumana, onde
sunitas radicais islâmicos pegam em armas na cidade de Hama e iniciam um
levante contra o governo. Assad acaba com a revolta após um conflito sangrento
que resultou na morte de milhares de civis e resulta em muitas prisões.
No ano de 2000, Assad morre e seu filho
Bashar Al-Assad assume o poder. Diante de muita pressão, Bashar Al-Assad tenta promover
uma política de conciliação a fim de unificar a nação, com isso muitos
prisioneiros políticos são libertos, o acesso a internet no país é liberado e
assim surge a esperança de mudanças mais profundas no estado Sírio. A isso se
sucede um período de debate político, onde diante de entraves políticos surge à
oposição, com ela retorna a Irmandade Mulçumana, os anos que se seguem criam um
desgaste político e a oposição é detida.
Do outro lado do globo, a política externa
adotada por George W. Bush após os ataques de 11 de setembro inclui a Síria no
que chamam de “Eixo do Mal”, e isso isola a Síria, pois toda e qualquer
negociação com a síria é suspensa pelos EUA e seus aliados.
Os curdos, um povo distribuído por vários
países da região, especialmente entre Síria, Iraque e Turquia, começam a
protestar também contra o governo sírio, resultando em repressão e mortes.
Síria antes e depois de 2011 |
Em 2011 inicia a “Primavera Árabe”, onde as
populações dos países árabes iniciam uma série de manifestações que pedem por
mais democracia, e o movimento se espalha por todo Oriente Médio e Norte da África.
Como se nota o mundo árabe apesar de estar dividido em diversos países ainda
alimentam uma tendência uníssona.
Quando o movimento da primavera árabe chega à
Síria, Bashar Al-Assad usa suas forças militares para reprimir as
manifestações, resultando em milhares de mortos, inicia-se uma escalada na
violência, agravando o conflito interno irrompendo uma guerra civil. Essa
escalada resultou no surgimento de diversas facções que lutam para tomar o
poder nos pais.
Ao analisar essa questão, devemos lembrar que
tudo esta divido entre uma minoria xiita e uma maioria sunita, vale destacar
que há também laicos xiitas, o governo de Assad, por exemplo, que controla as
regiões de maioria xiita, e vem enfrentado o restante do país de maioria
sunita, embora haja também sunitas laicos, representados pelo exército livre
sírio, FSA na sigla em inglês, que junto com a Frente islâmica que é religiosa
e mais de setenta grupos menores formam uma coalizão que a mídia ocidental nomeia
simplesmente de “Oposição”. Também há a presença
de sunitas e islamitas, mas radicais, como a Al-Nusra, chamada de Al-Qaeda na
Síria, porque é basicamente um braço da Al-Qaeda atuante na Síria, outros
radicais islâmicos presentes no território sírio são o Estado Islâmico, ou ISIS
que surgem de uma dissidência da Al-Qaeda no Iraque e controla a maior parte da
síria e norte do Iraque, famosos pela violência e atrocidades, seus atos impactam
pela brutalidade e violência, é um verdadeiro estado que se espalha ao longo de
alguns pontos da Ásia, África e Oriente Médio, promovendo ataques terroristas
em diversos pontos do planeta e possuindo milhares de adeptos a sua “causa”.
Ainda dentro do conflito civil sírio encontramos os curdos, que foram
severamente reprimidos pelo governo sírio da mesma forma que foram também pelos
governos próximos onde se encontram como Turquia e Iraque, e que controlam
militarmente uma zona próxima a fronteira síria com esses países.
Hoje o governo de Bashar Al-Assad encontra
forças para enfrentar o avanço dos grupos radicais islâmicos e a oposição no
país com o apoio aéreo aproximado provido pelas forças russas, que desde 30 de
setembro deste ano iniciou uma campanha de bombardeios contra posições do Estado
Islâmico na Síria a pedido do governo legitimo do país, recebendo também apoio
logístico, suprimentos e meios técnicos providos por seus aliados Irã e
China. Já na outra ponta, a dita
“Oposição” vem obtendo apoio externo em sua luta contra o governo sírio dos
EUA, França, Reino Unido, Turquia e Arábia Saudita.
Finalizando esta é uma região estratégica de
extrema importância não só política como econômica devido a sua localização
privilegiada com acesso á Europa, sendo a Síria uma importante peça no
tabuleiro geopolítico da região. Sendo parte da ambição histórica de grandes
impérios, tendo estado sempre sob domínio e influência de interesses externos
aos seus. Lembremos que há 100 anos a França e a Grã-Bretanha eram importantes
e poderosos impérios, há pouco mais de 100 anos era o Império Otomano e sempre
foi assim, império após império. A Síria só se tornou realmente Síria e governa
a si mesma a pouco mais de 50 anos, além disso, nunca definiu suas fronteiras,
estas foram impostas pelo imperialismo Anglo-francês do inicio do século XX, da
mesma forma que ocorreu com outros países da região, onde os europeus lotearam
a península árabe sem se preocupar em considerar sua população e grupos. Diante
disto vemos a criação de estados instáveis suscetíveis a guerras civis, o que
não surpreende que neste contexto surjam atores que se alimentam do desespero,
do sentimento de opressão sofrido pelos sunitas e a visão do ocidente como um
inimigo invasor, o Estado Islâmico se aproveita dessa identidade árabe e o
sonho de uma unidade árabe com o fanatismo religioso, deturpando em parte a
mensagem do Islã e moldando a idéia de uma atuação direcionada a “libertação”
aos seus interesses políticos e econômicos, promovendo uma falsa identidade que
leva milhares a seguir o radicalismo e extremismo que leva às barbáries como a
que assistimos em Paris no dia 13 de novembro, com ataques que resultaram em
mais de 120 inocentes mortos e 340 feridos na capital francesa.
Por Angelo D. Nicolaci - Jornalista e editor do GBN GeoPolítica Brasil, estudante de Relações Internacionais pela UCAM, especialista em geopolítica do oriente médio, Rússia e BRICS. Amante dos estudos estratégicos,
GBN GeoPolítica Brasil
Nota GBN: Em breve iremos publicar artigo especial sobre a onda de refugiados que invadem a Europa, de onde eles vem, do que eles fogem, quais ameaças esse fluxo pode representar a segurança e economia na Europa?
Em breve aqui no GBN GeoPolítica Brasil
0 comentários:
Postar um comentário