Se alguém acreditava que, após a reunião de Vladímir Pútin e Barack Obama em Nova York, as relações EUA-Rússia fossem melhorar ao menos um pouco, essa esperança já caiu por terra. Ainda que a intervenção militar de Moscou na Síria tenha alterado minimamente a agenda das relações com Washington – aliviando a tensão acerca da questão ucraniana –, a iniciativa não resultou em uma cooperação construtiva, nem mesmo se tratando sobre um assunto em torno do qual não haveria discordâncias, como a luta contra o Estado Islâmico (EI). Fato é que as divergências em relação ao futuro da Síria ficaram ainda mais explícitas.
A estratégia de Moscou, isto é, combater os vários grupos fundamentalistas na Síria e, não apenas o EI, é interpretada pelas autoridades de Washington como um ato de “independência excessiva”, mas também um desafio a toda a política dos EUA na região. Além de os bombardeios das forças da coalizão internacional liderada pelos norte-americanos ao longo de vários meses não terem levado a resultados significativos, o EI conseguiu aumentar a área de territórios controlados pelo grupo.
Alguns meios de comunicação começaram a dizer então que “Obama perdeu a liderança para Pútin”, deteriorando ainda mais o cenário político internacional para o estabelecimento de um diálogo.
Se nos primeiros dias de bombardeio russo ainda se ouvia de Washington declarações que, com muito boa vontade, poderiam ser interpretadas de forma positiva, agora ressoam apenas críticas e condenações: a Rússia está “bombardeando as pessoas erradas”, “está fazendo o seu jogo na Síria” e “seu principal objetivo não é combater o EI, mas sim apoiar o regime de Assad”.
Os EUA se recusam a qualquer consulta sobre uma solução política para a Síria. A proposta de Moscou para realizá-la ao mais alto nível, com a participação do primeiro-ministro russo Dmítri Medvedev, que mantinha boas relações com Obama, foi rejeitada.
Até então, só os militares dos dois países mostraram disposição para negociar, a fim de evitar confrontos acidentais no espaço aéreo sírio. Passadas três videoconferências, tanto o Ministério da Defesa russo como o Pentágono declararam haver convergência nos principais pontos do memorando de entendimento sobre a segurança nos céus da Síria.
Mas será que eventuais contatos desse tipo acontecerão novamente, agora abordando questões políticas? Em um futuro mais próximo, duvido muito. Os Estados Unidos não querem discutir com a Rússia as suas ações de apoio à chamada oposição moderada nem mesmo revelar exatamente quais grupos – além do Exército Livre da Síria (ELS), já fragmentado em pequenos grupos com diferentes posições – eles consideram “moderados”.
Depois do fracasso de um programa que custou 500 milhões de dólares para preparar esses combatentes, o Pentágono iniciou o fornecimento maciço de armas via aérea aos opositores de Assad. Mas não existe nenhuma garantia de que essas armas não irão parar às mãos do EI e de outros fundamentalistas não moderados. Circulou pela internet, inclusive, a história de um lote de jipes Toyota que os EUA enviaram para o ELS e que terminou nas mãos do Estado Islâmico.
Os vários grupos sírios fazem, desfazem e refazem alianças, incluindo com o EI. Assim como os combatentes, que passam de um grupo a outro, o mesmo acontece com as armas. Na província de Hama, por exemplo, atua o Exército da Conquista, que reúne milhares de militantes e engloba grupos fundamentalistas como a Frente al-Nusra. Agora aumenta o risco de esses militantes virem a receber, ainda que indiretamente, armamento norte-americano.
A recusa dos Estados Unidos em coordenar as suas ações de distribuição aérea de armas em zonas tomadas por grupos islâmicos cria premissas para o desencadeamento de uma guerra por procuração contra o governo de Damasco – e consequentemente contra a Rússia – pelas mãos de fundamentalistas. Isso pode piorar ainda mais as relações russo-americanas até em temas que levem à imposição de novas sanções contra Moscou, agora “por causa da Síria”.
O fato de Washington ter desviado temporariamente a sua atenção da questão ucraniana e do reforço militar da Otan nos países do Leste Europeu não quer dizer nada, pois o principal campo de batalha foi transferido para o deserto sírio. O resultado esperado é que os russos e o Exército de Assad, desgastado por quatro anos de combates, fracassem. Sites islâmicos já mostram vídeos com mísseis norte-americanos destruindo tanques do governo nas províncias de Hama e Idlib.
Não é esse tipo de coordenação em relação à Síria que o Kremlin gostaria de manter com os Estados Unidos. A ausência de conversações políticas entre os países poderá, entretanto, ser entendida por Moscou como um sinal para o estreitamento da aliança com Teerã, que também está determinada a apoiar militarmente Damasco.
Por Geórgui Bovt é membro do Conselho para a Política Externa e de Defesa
Fonte: Gazeta Russa
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