quarta-feira, 1 de junho de 2011

O discurso de Obama e o Médio Oriente


Obama tem investido relativamente pouco esforço diplomático em tentar resolver os problemas do Oriente médio, em especial o conflito Israel/Palestina. Não é uma posição nova da parte dos EUA, nem muito menos o resultado de menor empatia que alguns acusam Obama de ter em relação a Israel. Também o seu antecessor, George Bush, em 2001, em reunião do Conselho Nacional de Segurança, dizia que não queria deixar arrastar-se para o conflito, por entender que o empenho de Bill Clinton em envolver-se na procura de uma solução apenas tinha tornado a situação pior. Cheney e Rumsfeld concordaram. Collin Powell, então Secretário de Estado, não; entendia que os EUA não podiam manter-se à distância, como se tratasse de algo que não lhes respeitava.

Rice, em conferência de imprensa pouco tempo depois, esclarecia não descortinar nenhuma saída útil para as conversações de paz para o Oriente Médio. Mudou de opinião sete anos depois, acabando por dar razão a Powell e convencendo Bush a finalmente passar à diplomacia ativa. Foi então que se decidiu avançar com a organização da conferência de Annapolis que reuniu Olmert, por parte de Israel, Abbas por parte da Palestina e mais cerca de 40 países. No entanto, conforme se disse na altura, esta acabou por ser não mais do que uma operação mediática sem qualquer resultado prático útil.

Obviamente, estas circunstâncias estão bem presentes no espírito de Obama. Aliás, agora, existe o problema adicional da transição por que tem passado o quadro político em Israel, favorecendo o tipo de postura inflexível de direita autoritária que o primeiro-ministro Netanyahu representa. Israel tornou-se, de fato, num país democrático, algo singular: 86% da sua população judia acha que nas decisões críticas que o Estado precisar de tomar só a sua opinião é que deve contar; 55% considera que as ajudas governamentais se devem encaminhar mais para a população judia do que para a árabe; finalmente, 53% defende que o Governo deve procurar encorajar a população árabe a emigrar. A esta evolução não será estranho o crescimento da comunidade judia ultra ortodoxa que representa hoje 10% da população (3% em 1996, por ocasião da primeira entrada de Netanyahu para o Governo como primeiro ministro) e o peso da comunidade que emigrou da Rússia e países do Leste (20%) habituados e viverem sob regime autoritário.

Parte importante da equação política para a região anda á volta do Irã. Netanyahu sabe que enquanto os EUA também olharem o regime dos ayatollas como a principal ameaça à paz no Médio Oriente, então nenhuma administração americana vai condicionar a continuação da ajuda a Tel Aviv à aceitação de um novo Estado Palestino. Sabe também que pode continuar a dar-se ao luxo de não ouvir Washington na exigência de não prosseguir a instalação de colonias, seguindo uma política de fatos consumados que de dia para dia mais acentua a inviabilidade de um futuro Estado independente para os palestinos, já dividido entre duas faixas de terreno que não se vê de que forma poderão tornar contíguas.

Até ao início da chamada “Primavera Árabe”, a principal preocupação de Netanyahu era a possibilidade de o Irã estar a caminho de se tornar uma potência com armas nucleares. Mal grado nenhum desenvolvimento ulterior tenha diminuído esta ameaça, agora o primeiro-ministro israelita acha que a questão prioritária é o possível aproveitamento que o Irã possa fazer da evolução política na região para aumentar a sua influência; são conhecidas as tentativas de interferência na crise que se vive no Bahrain, sendo óbvio que Teerã tem ajudado a comunidade majoritária xiita a reclamar mais direitos.

O retomar de relações diplomáticas do Egito com Teerã, a recente abertura da fronteira de Gaza, em Rafah, e o fato de cerca de 54% dos egípcios desejarem que sejam revistos os termos do Acordo de Paz com Israel, opinião que os candidatos à liderança do País não deixarão de ter em conta nas próximas eleições, sustentam, de fato as preocupações de Netanyahu. Israel sabe que o fato de ter tido as suas fronteiras sem ameaças convencionais desde 1979 foi graças ao líder egípcio que a revolta árabe expulsou do poder (Mubarack). Esta situação impede Israel de acolher sem reservas a transição que o Egito está a ensaiar, cujo desfecho, aliás, ninguém pode de momento estar seguro.

Para os EUA, a situação é diferente. Obama não podia deixar de apoiar claramente a revolução do Egito e fornecer uma importante ajuda financeira que, aliás, o G8, recentemente reunido em Paris, também subscreveu. Foi sempre essa bandeira de luta dos EUA. No entanto, por força de outros interesses que Washington não pode deixar de acautelar, Obama teve que pesar a promoção da defesa da democracia com a necessidade de preservar interesses próprios na região, o que no conjunto torna-o refém da impossibilidade de seguir uma política coerente para todo o Oriente Médio. Esta situação obriga-o a esquecer a situação que existe na Arábia Saudita, a ser muito cauteloso com o Bahrain e a não fechar completamente a porta ao regime sírio do presidente Assad, contra a promessa de suspender a violência que tem usado contra a população, violência que em alguns aspectos supera o que fez Kadhafi. Nestes termos, não se compreende porque optou por fazer um discurso que não vai mudar o que quer que seja e que nem sequer criou uma nova dinâmica de negociações.

Os palestinos, sabendo que nada evoluirá aproximamente no sentido das suas pretensões, optaram por uma nova iniciativa; anunciaram que vão submeter uma declaração de independência na próxima Assembleia Geral das Nações Unidas em Setembro. Se for aprovada (aparentemente 150 votos favoráveis podem estar garantidos), então a Palestina tornar-se-á um membro das Nações Unidas com o território ocupado. Não obstante se os EUA favorecerem a criação de um Estado Palestino, com um regresso às fronteiras de 1967 (com algumas trocas territoriais mutuamente acordadas) o nascimento do novo Estado por meio de uma votação nas Nações Unidas terá a sua oposição e um intenso lobby para entretanto contrariar esse caminho. É a volta desta questão que nos próximos três meses se desenrolará, provavelmente, grande parte da discussão da situação no Médio Oriente.

Fonte: Jornal Defesa & Relações Internacionais
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