Por mais que a Líbia esteja monopolizando as atenções no momento, o fato é que a grande mudança no xadrez do Oriente Médio, com repercussões muito mais profundas e abrangentes, se dará na Síria, se e quando houver por lá o mesmo tipo de movimento que sacudiu Egito, Tunísia e a própria Líbia.
Patrick Seale, autor britânico especializado em Oriente Médio, escreve para o número mais recente da revista "Foreign Policy", que "a Síria fica no centro de uma densa rede de relações no Oriente Médio, e a crise naquele país provavelmente terá um grande impacto nas estruturas regionais de poder".
De fato, a Síria fez do Líbano, para começar, uma espécie de protetorado, do qual cuidou diretamente até retirar suas tropas, deixando, no entanto, o Hizbollah (Partido de Deus), movimento político-social-militar xiita, como representante poderoso no vizinho.
O Hizbollah acaba de indicar Nagib Mikati para ser o primeiro-ministro, no lugar que vinha sendo de Saad Hariri, líder do "Movimento do Futuro", essencialmente sunita, criado pelo seu pai, Rafiq.
Rafiq foi assassinado supostamente por militantes do Hizbollah e sua morte levou à manifestações de massa que estiveram na origem da retirada das tropas sírias, em 2005, depois de 29 anos de ocupação.
Se a Síria tiver que dedicar esforços e tropas para encaminhar a crise interna, pesará menos no Líbano. Pode até, no limite, facilitar uma reaproximação com Israel, já que são justamente Síria e Líbano os dois vizinhos, dos quatro que Israel tem, ainda tecnicamente em guerra com o Estado judeu.
Mas se pode haver esse movimento positivo, o paradoxo é que a fronteira sírio-israelense é a mais tranquila hoje em dia para Israel. A Síria desistiu de fazer a guerra a Israel, apesar de persistir a ocupação israelense das colinas do Golã, pertencentes à Síria. Reina, portanto, uma paz armada, por dizer de alguma maneira, menos incômoda do que a fronteira com o Líbano, país do que partem regularmente foguetes contra o território de Israel.
Não é só. Seale, o autor britânico, escreve também que "o eixo Teerã/Damasco/Hizbollah do qual a Síria é o pivô tem sido visto há muito tempo, por muitos líderes na região como o solitário baluarte contra a hegemonia israelense e norte-americana".
Prossegue: "Com a Síria enfraquecida por problemas internos, a viabilidade de todo o eixo está em perigo, o que poderia encorajar comportamentos perigosos e arriscados de seus aliados na medida em que tentam conter presumíveis ganhos dos Estados Unidos e Israel".
É uma alusão ao fato de que a Síria é a única aliada de fato do Irã no Oriente Médio, além de ser o primeiro país em conflito com os Estados Unidos envolvido agora na onda de rebeliões na região.
Seus problemas internos podem afetar indiretamente outro movimento islamita, o Hamas, que hoje controla a faixa de Gaza e é o grande inimigo de Israel. Além de ser inimigo também do presidente palestino Mahmoud Abbas, que governa a outra parte do território palestino, a Cisjordânia.
Damasco ofereceu abrigo ao chefe do escritório político do Hamas, Khaled Mashal, o que indica o nível de ligação entre a Síria e o grupo palestino, que figura na lista de movimentos terroristas tanto da União Europeia como dos Estados Unidos.
É evidente que é cedo demais para supor que a Síria passará pelo mesmo tipo de revolução que derrubou os presidentes do Egito e da Tunísia e sitia agora Gaddafi, na Líbia.
Mas, se e quando houver algo parecido, a grande incógnita é quem estará à frente.
Joshua Landis, diretor do Centro para Estudos do Oriente Médio da Universidade de Oklahoma, em entrevista para o Council on Foreign Relations, diz que a "pergunta de um milhão de dólares" é exatamente essa: quem é a oposição síria?
"De certa forma, não há um líder oposicionista ao qual as pessoas possam se dirigir. Cada sírio está se perguntando qual é a alternativa para este regime e eles não sabem a resposta".
O quebra-cabeça sírio é, pois, bem mais formidável do que o líbio ou o tunisiano.
Fonte: Folha
Patrick Seale, autor britânico especializado em Oriente Médio, escreve para o número mais recente da revista "Foreign Policy", que "a Síria fica no centro de uma densa rede de relações no Oriente Médio, e a crise naquele país provavelmente terá um grande impacto nas estruturas regionais de poder".
De fato, a Síria fez do Líbano, para começar, uma espécie de protetorado, do qual cuidou diretamente até retirar suas tropas, deixando, no entanto, o Hizbollah (Partido de Deus), movimento político-social-militar xiita, como representante poderoso no vizinho.
O Hizbollah acaba de indicar Nagib Mikati para ser o primeiro-ministro, no lugar que vinha sendo de Saad Hariri, líder do "Movimento do Futuro", essencialmente sunita, criado pelo seu pai, Rafiq.
Rafiq foi assassinado supostamente por militantes do Hizbollah e sua morte levou à manifestações de massa que estiveram na origem da retirada das tropas sírias, em 2005, depois de 29 anos de ocupação.
Se a Síria tiver que dedicar esforços e tropas para encaminhar a crise interna, pesará menos no Líbano. Pode até, no limite, facilitar uma reaproximação com Israel, já que são justamente Síria e Líbano os dois vizinhos, dos quatro que Israel tem, ainda tecnicamente em guerra com o Estado judeu.
Mas se pode haver esse movimento positivo, o paradoxo é que a fronteira sírio-israelense é a mais tranquila hoje em dia para Israel. A Síria desistiu de fazer a guerra a Israel, apesar de persistir a ocupação israelense das colinas do Golã, pertencentes à Síria. Reina, portanto, uma paz armada, por dizer de alguma maneira, menos incômoda do que a fronteira com o Líbano, país do que partem regularmente foguetes contra o território de Israel.
Não é só. Seale, o autor britânico, escreve também que "o eixo Teerã/Damasco/Hizbollah do qual a Síria é o pivô tem sido visto há muito tempo, por muitos líderes na região como o solitário baluarte contra a hegemonia israelense e norte-americana".
Prossegue: "Com a Síria enfraquecida por problemas internos, a viabilidade de todo o eixo está em perigo, o que poderia encorajar comportamentos perigosos e arriscados de seus aliados na medida em que tentam conter presumíveis ganhos dos Estados Unidos e Israel".
É uma alusão ao fato de que a Síria é a única aliada de fato do Irã no Oriente Médio, além de ser o primeiro país em conflito com os Estados Unidos envolvido agora na onda de rebeliões na região.
Seus problemas internos podem afetar indiretamente outro movimento islamita, o Hamas, que hoje controla a faixa de Gaza e é o grande inimigo de Israel. Além de ser inimigo também do presidente palestino Mahmoud Abbas, que governa a outra parte do território palestino, a Cisjordânia.
Damasco ofereceu abrigo ao chefe do escritório político do Hamas, Khaled Mashal, o que indica o nível de ligação entre a Síria e o grupo palestino, que figura na lista de movimentos terroristas tanto da União Europeia como dos Estados Unidos.
É evidente que é cedo demais para supor que a Síria passará pelo mesmo tipo de revolução que derrubou os presidentes do Egito e da Tunísia e sitia agora Gaddafi, na Líbia.
Mas, se e quando houver algo parecido, a grande incógnita é quem estará à frente.
Joshua Landis, diretor do Centro para Estudos do Oriente Médio da Universidade de Oklahoma, em entrevista para o Council on Foreign Relations, diz que a "pergunta de um milhão de dólares" é exatamente essa: quem é a oposição síria?
"De certa forma, não há um líder oposicionista ao qual as pessoas possam se dirigir. Cada sírio está se perguntando qual é a alternativa para este regime e eles não sabem a resposta".
O quebra-cabeça sírio é, pois, bem mais formidável do que o líbio ou o tunisiano.
Fonte: Folha
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