terça-feira, 5 de outubro de 2010
Queda da violência letal no Rio é real
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GBN News
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As estatísticas divulgadas pelo Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro (ISP) em setembro apontam para uma queda de 18,4% nos casos de homicídios no estado em julho de 2010, em comparação ao mesmo mês de 2009.
Muitas vezes questionados por especialistas em segurança pública, os números sobre homicídios divulgados pelo instituto, que é um órgão da Secretaria de Estado de Segurança Pública do Rio de Janeiro, parecem estar corretos.
Quem afirma é justamente um dos maiores críticos da metodologia de classificação dos dados oficiais utilizada pelo ISP, o sociólogo Ignácio Cano (foto), do Laboratório de Análise da Violência (LAV), da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj).
O Rio de Janeiro teve, em junho, o menor número de homicídios desde 1991, quando os dados começaram a ser monitorados pelo ISP. De acordo com o instituto, que compila os dados a partir dos registros da Polícia Civil, houve uma redução de quase 30% nos homicídios dolosos entre 2005 e 2010, levando-se em conta os primeiros semestres de cada ano.
Para verificar as estatísticas, Cano comparou os dados do instituto com os números do Sistema Único de Saúde (SUS) relativos ao estado do Rio de Janeiro e atestou que houve mesmo redução. “Os dados do ISP correspondem aos da Saúde. A queda é confirmada pelas duas fontes”, afirmou Cano durante palestra no 4o Fórum Violência, Participação Popular e Direitos Humanos, realizado no Rio em 21 de setembro e promovido pelo movimento Rio de Paz, o Centro Cultural Justiça Federal e a ONU.
Apesar de validar os números sobre homicídios apresentados pelo ISP, Cano questiona a qualidade dos dados. Segundo ele, as mortes são mal classificadas, o que pode mascarar o número real de homicídios e alterar outras taxas de crimes não letais.
Por exemplo: se a Polícia Civil registra um crime como lesão corporal mas a vítima vem a falecer no hospital, a alteração da condição da vítima não é feita e o registro permanece como lesão corporal. Latrocínio (roubo seguido de morte da vítima), infanticídio e cadáveres encontrados resultantes de mortes violentas intencionais também não figuram como homicídio nas estatísticas, assim como os autos de resistência - pessoas mortas pela polícia em supostos confrontos.
Para frisar a importância dos crimes letais e evitar a possibilidade de manipulação de indicadores por meio do uso de categorias diversas e ambíguas para classificar um mesmo fenômeno, Cano usou o indicador "mortes violentas intencionais", que foi proposto por uma comissão especial convocada pelo governo do Rio no ano 2000. Este indicador considera o número de mortes para cada 100 mil habitantes e inclui as seguintes ocorrências criminais: homicídio doloso consumado; lesão corporal seguida de morte da vítima; latrocínio; encontro de cadáver; e encontro de ossada.
Comparando o período de janeiro a julho do ano de 2010 com o mesmo período de 2009 (gráfico abaixo), Cano e sua equipe do LAV verificaram uma redução de 17% da taxa de mortes violentas intencionais e confirmaram um decréscimo das taxas a partir de 2005. As taxas de mortes violentas intencionais para o ano de 2010 foram mais baixas do que as de 2009 em todos os meses analisados.
A Secretaria de Segurança do Rio tem atribuído a redução ao sistema de premiação por cumprimento de metas de redução da criminalidade. Os prêmios variam de R$ 500 a R$ 1.500 e são entregues ao fim de cada semestre. Este ano, serão pagos R$ 11 milhões — quase o dobro do segundo semestre de 2009, quando foram distribuídos R$ 6 milhões. A iniciativa faz parte do pacote de medidas para melhorar a segurança até 2014, ano da Copa do Mundo do Brasil.
Autos de resistência em queda
Os autos de resistência também apresentaram queda. Entre janeiro e julho deste ano, a diminuição foi de 13,3%, em relação ao mesmo período do ano passado. O LAV analisou este indicador para o acumulado dos meses de janeiro a julho e verificou uma redução em 2010 em compararação aos cinco anos anteriores. Nos anos de 2007 e 2008, foram registrados os maiores índices de mortes de civis pela polícia no primeiro semestre de toda a série histórica (conforme gráfico abaixo).
"Seres matáveis"
A antropóloga Ana Paula Miranda, que já foi diretora do ISP, afirmou que a categoria "auto de resistência" não existe legalmente. Na opinião dela, a categoria foi criada pela polícia para justificar a eliminação de "seres matáveis". "É preciso olhar para os mortos. Quem são eles? Quais as suas trajetórias e de seus familiares? As elites morais constróem cidades de acordo com aquilo que desejam", afirmou. Para ela, existem cidadãos de duas categorias, os "matáveis" e os "não-matáveis".
"Pensar os homicídios só no âmbito policial não resolve, é preciso ver o motivo do conflito. As estatísticas podem até cair, mas estamos alterando nossas relações?", questionou a antropóloga.
Para Ignácio Cano, cabe à sociedade cobrar que os autos de resistência e outros crimes letais intencionais sejam incluídos nas metas de redução de homicídios. Outro ponto fundamental seria o fortalecimento da investigação de homicídios. "O patamar de impunidade em casos de homicídio supera 90%", criticou. Segundo ele, a criação da Divisão de Homicídios na Polícia Civil do Rio de Janeiro foi positiva, mas é preciso mais esforço para alcançar níveis aceitáveis de resolução desses crimes.
O sociólogo também defende a estipulação de metas de redução da letalidade policial, mais políticas sociais para a prevenção da violência e a definição de políticas para áreas não contempladas com Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs).
Polícia comunitária
A redução da violência letal também é em parte atribuída à implantação das UPPs, tema da mesa da qual participaram a antropóloga Jacqueline Muniz e o coronel Robson Rodrigues da Silva, comandante das UPPs.
Jacqueline ressaltou que nunca o Rio de Janeiro recebeu tanto dinheiro para a segurança pública como agora, mas afirmou que as UPPs não nasceram neste governo. “Elas são uma evolução que se deu por erros e acertos em iniciativas realizadas desde a década de 1980”, revelou.
Para a antropóloga, o que favoreceu a implantação das UPPs nesse momento foi o alinhamento político das instâncias de governo, e por isso, a sociedade deve estar atenta para o caráter provisório das alianças políticas. Ela enfatizou a necessidade de haver um pacto federativo na segurança pública, a exemplo das áreas de saúde e da educação. "Tem que virar política pública", defendeu.
Outros fatores que contribuem para o sucesso das UPPs, segundo a antropóloga, são a pressão social, embasada numa crítica mais qualificada, a conscientização da mídia e de seus profissionais sobre a importância da prevenção da violência e da sua responsabilidade cidadã ao construírem as notícias. Ela valorizou ainda a nova geração da polícia, formada em universidades e cursos de polícia comunitária. "Os policiais aprenderam a falar 'cidadanês', em vez de impor o 'policialês'", disse.
O coronel Robson Rodrigues explicou que o trabalho das UPPs é de prevenção e tem foco nos jovens de 13 a 24 anos, grupo social de maior risco. “O trabalho vai repercutir daqui a muitos anos”, garantiu.
Segundo ele, as UPPs estão invertendo os valores antigos em que a identidade dos militares era construída por uma oposição aos civis, o que levava ao distanciamento. “Hoje valorizamos a magia do contato”, contou. O coronel acrescentou que o processo de escolha dos capitães que comandam as UPPs é criterioso e leva em conta a disciplina, a vocação e a sensibilidade comunitária do profissional.
Ele destacou a implantação, em comunidades já pacificadas, do projeto UPP Social, da Secretaria de Assistência Social, que está promovendo uma escuta das comunidades para identificar as demandas e as ofertas de serviços e articular programas de órgãos públicos das três esferas de governo, da iniciativa privada e de ONGs. “É um processo legitimador tardio do estado”, afirmou.
Fonte: ISP-RJ
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