quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Irã e Israel têm expectativas opostas em relação ao futuro governo brasileiro


Os governos de Irã e Israel têm expectativas praticamente opostas em relação ao que será de suas relações com o Brasil após a eleição de um novo governo, afirmam analistas ouvidos pela BBC Brasil.

Enquanto o Irã espera que o novo governo dê continuidade à linha de mediação diplomática levada a cabo pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Israel espera uma mudança na política externa brasileira em relação ao Oriente Médio - incluindo um distanciamento do Brasil em relação aos interesses do regime iraniano.

Especialistas afirmam que Teerã quer continuar tendo no Brasil um aliado com crescente importância na América Latina e no restante do cenário internacional, como forma de desafiar o isolamento do regime iraniano defendido pelos Estados Unidos.

Israel, por sua vez, teme que o Irã ganhe influência junto a países latino-americanos e a outros aliados brasileiros.

Para o diretor do Centro Libanês para Estudos Políticos, Oussama Safa, Irã e Israel travam uma "guerra por corações e mentes", em busca de aliados junto a países e blocos fora do eixo dos mediadores usuais - Estados Unidos, União Europeia, China e Rússia.

"Temos países como o Brasil, Turquia e Índia, com crescente importância no palco internacional. No caso do Brasil, é um país que tem carisma e bom trânsito entre árabes, iranianos e israelenses", disse ele à BBC Brasil.

"Israel está em alerta devido à investida iraniana na América Latina, especialmente em relação a um peso-pesado como o Brasil, cuja influência já se tornou global e pode se tornar no futuro em um dos mediadores na região ", afirmou.

Os EUA e outros países ocidentais acusam o Irã de perseguir o desenvolvimento de armas nucleares. O governo iraniano nega e diz que seu programa nuclear tem fins pacíficos, para geração de energia.

Segundo o iraniano Mohammad Marandi, diretor do Departamento de Estudos Americanos da Universidade de Teerã, visitas recentes de líderes israelenses ao Brasil mostraram a preocupação que Israel tem com a aproximação do governo brasileiro com o Irã.

"Israelenses sabem do peso do Brasil no cenário internacional, e não é à toa que os discursos coordenados de seus políticos clamaram por um distanciamento brasileiro do governo iraniano".

RISCO IRANIANO

Para Marandi, o Irã precisa de parceiros em um momento que se vê ainda mais pressionado por novas sanções aprovadas pelo Conselho de Segurança da ONU.

"Recentemente o Irã estreitou seus laços com Turquia e Brasil, duas potências regionais, e espera que o novo governo brasileiro mantenha a aproximação iniciada pelo presidente Lula", salientou ele.

Segundo ele, os iranianos "sabem que agora é o momento para ter amigos na América Latina".
"O Brasil, por exemplo, está aberto para uma parceria com o Irã, pois tem uma política de diálogo e não de conflito. E a vontade do Brasil de ser ativo nas questões pertinentes ao Oriente Médio fazem do Brasil um parceiro interessante", salientou Marandi.

Para Safa, resta saber, no entanto, se o próximo presidente brasileiro será tão agressivo na política externa como foi Lula. O analista libanês adverte para o fato de que uma aproximação com o Irã também significa riscos, pois o Brasil poderia ter sua imagem associada a um país isolado diplomaticamente.

Segundo o analista, o novo presidente do Brasil terá que reavaliar esses riscos:

"O governo brasileiro poderá seguir a tendência de independência em sua política externa e manter sua posição de diálogo ao invés de isolar o Irã. Ou se reaproximar dos EUA e se distanciar de uma região que poderá ferir sua imagem internacional", enfatizou.

ISRAEL

De acordo com o professor da Universidade de Teerã, o governo israelense vem exercendo forte pressão diplomática para afastar o Brasil do governo iraniano.

"Vários governos de esquerda na América Latina ofereceram uma mão estendida ao Irã e deixaram Israel com pouco carisma na região. Os israelenses perceberam isso e vêm fazendo esforços para restaurar sua imagem e minar a do Irã", disse Marandi.

Para ele, Israel espera que o próximo governo brasileiro volte a adotar uma política externa mais alinhada com a dos EUA.

"Israel sabe que se ganhar o espaço junto ao Brasil, a tendência se repetirá em outros países sul-americanos por causa da liderança brasileira".

De acordo com Safa, Israel não quer perder possibilidades de parceria com o Brasil:
"Certamente que EUA e União Europeia são seus principais aliados. Mas Israel não deixará de prestar atenção ao Brasil", enfatizou Safa.

MEDIAÇÃO

Em Israel, as aspirações manifestadas pelo governo Lula de se tornar um mediador no processo de paz no Oriente Médio não foram bem vistas. Para o cientista político israelense Jonathan Rynhold, da Universidade de Bar Ilan, o próximo governo brasileiro deve abrir mão dessas ambições.

"Quando há fatores demais que querem participar nas negociações, tudo se torna mais complicado e menos eficaz", disse Rynhold à BBC Brasil.

Para o cientista político, os Estados Unidos, "que têm a força, a experiência e o prestígio necessários", devem continuar sendo o mediador no conflito entre Israel e os palestinos.

Rynhold afirmou que "se o Brasil quer ajudar no processo de paz, deve apoiá-lo e deixar os Estados Unidos continuarem a conduzir as negociações e se concentrar em cultivar boas relações com os dois lados, tanto com Israel como com a Autoridade Palestina, mas obviamente não com o Hamas".

Ele também recomenda que o Brasil "não participe de jogos diplomáticos nos quais os árabes tentam desacreditar Israel, isso não ajuda a paz".

Tzachi Moshe, um dos porta-vozes do ministério das Relações Exteriores de Israel, disse à BBC Brasil que "o ministério não costuma se pronunciar sobre eleições em outros países".

Fonte: BBC Brasil
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