segunda-feira, 5 de julho de 2010

O novo triângulo geopolítico do Oriente Médio


A grande imprensa no Brasil não deu o devido destaque para a visita que o presidente da Síria, Bashar Al-Assad, fez ao Brasil nessa semana. Para desgosto dos críticos da Política Externa Brasileira, ele afirmou que o Brasil tem credibilidade perante Israel e os paises árabes e, portanto, poderá exercer papel de destaque no processo de paz no Oriente Médio.

É importante notar que os EUA desfrutaram, durante um bom tempo, de uma capacidade única para mediar os conflitos no Oriente Médio e, ao que tudo indica, continuarão a ter influência na região mais do que qualquer outro poder. Mas sua capacidade está sendo reduzida, cada vez mais, como reflexo de um dinamismo maior das forças regionais. O fortalecimento do poderio militar norte-americano em todas as partes do globo tem como propósito enviar uma mensagem para os inimigos, dissuadindo-os a não praticarem determinados atos considerados como ameaçadores do sistema internacional. Acreditava-se que as invasões militares no Afeganistão e Iraque teriam como conseqüência o alinhamento à política norte-americana dos Estados denominados párias (Síria e Irã). Mas, no entanto, longe de se tornarem receosos de serem alvos de intervenções norte-americanas, os Estados do Oriente Médio não se aliaram aos EUA; pelo contrário, buscaram fortificar seu poder por meio de alianças, deixando de lado rivalidades regionais.

A recente aproximação entre Irã, Turquia e Síria está criando um novo eixo regional que poderá substituir o tradicional triângulo árabe (Arábia Saudita, Egito e Síria) com impactos significativos na geopolítica da região. As visitas dos presidentes iraniano e sírio à Turquia e a participação desse último, juntamente com o Brasil, no episódio do problema nuclear iraniano são fortes indicações de um novo sentido de aliança que está sendo observado com muito interesse e preocupação no Ocidente e, principalmente em Israel que vive no momento uma crise de governo. O ministro de relações exteriores de Israel, Avigdor Lieberman, contestou duramente o encontro secreto que o premiê Netanyahu teve com representantes do governo turco na tentativa de reaproximação dos dois governos.

Se reforçado - e é nessa possibilidade que o governo Lula aposta - esse novo trio poderia diminuir ainda mais a influência dos EUA evitando, ao mesmo tempo polarização com setores mais radicais no Oriente Médio ao introduzir uma diversificada composição de forças e objetivos.

Cada um desses atores (Irã, Turquia e Síria) possui importantes recursos estratégicos: o Irã é uma potência energética do Golfo e tem crescente influência política na região ( Hizbollah, Hamas e shiitas no Iraque); a Síria é uma nação árabe estável com importantes recursos militares e econômicos; a Turquia é uma potência Euro-asiática emergente e membro da OTAN. Separados por idioma e uma experiência histórica imperial, a Turquia tem reforçado os seus laços econômicos com seus vizinhos, abriu as suas fronteiras e realizou uma ampla consulta sobre importantes questões regionais com os países muçulmanos. Assiste-se, ao mesmo tempo, uma progressiva deterioração das relações com o governo de Israel devido à questão palestina.

No aspecto comercial os três países têm mantido uma política de fronteiras abertas e podem criar um mercado de mais de 150 milhões de pessoas. A discordância da Síria com o Egito sobre a questão palestina e suas tensões com a Arábia Saudita sobre a questão iraniana - entre outros fatores - serviu para minar a unidade do chamado triângulo árabe, que exerceu uma importante influência sobre a geopolítica do Oriente Médio durante décadas.

Desacordos sobre a melhor forma de responder às guerras israelenses no Líbano, e em Gaza, as divergências em lidar com o Hezbollah e o Hamas, e o excessivo comprometimento com os EUA (Egito e Arábia Saudita) minaram a credibilidade desses governos perante a rua árabe e mulçumana.

Todas essas perspectivas são muito importantes, mas serão duradouras? O que aconteceria se, por exemplo, os EUA e Europa intensificassem uma pressão sobre a Turquia para escolher entre os dois lados? Ou, se a Arábia Saudita e o Egito ofereceram à Turquia um papel central nos assuntos regionais, como parte de um novo eixo apoiado pelo os EUA e Europa? E se Barack Obama exercer influência sobre a Turquia para ser sua nova voz na região, em vez do Egito e a Arábia Saudita?

Seja qual for a resposta a essas questões, o fato é que, tal como um extremado pensador conservador (Samuel Huntington) admitiu, a contragosto, “os povos e governos das civilizações não ocidentais já não são objetos da história, enquanto alvos da colonização ocidental, mas juntam-se ao ocidente como agentes e sujeitos da história.”

Fonte: Carta Maior
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