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segunda-feira, 8 de junho de 2020

A URSS quase mandou um Tu-128 pra Argentina em 1982… Será?

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No final da década de 1950, a URSS procurava uma aeronave supersônica de longo alcance para cobrir os mais de 5 mil km da região Norte, de onde se esperava que os EUA atacariam com os então novos B-52. Nenhuma das aeronaves da época teria o desempenho necessário para atender às especificações, então o bureau Tupolev adaptou o Aircraft 98 (‘Tu-98 Backfin’), projeto de bombardeiro recém cancelado, para a missão. O Tu-128 tinha uma velocidade máxima de aproximadamente Mach 1,6 e alcance superior a 2.500 km, e permaneceu em serviço até a queda da URSS.


O Tu-128 reunia o que de mais avançado a URSS tinha na época, de tal forma que, assim como outros projetos de ponta (como o Su-15 Flagon), ele ficou restrito à Rússia, não sendo exportado nem mesmo a países da URSS como a Ucrânia.


É com base nesta última parte da informação - algumas aeronaves soviéticas eram restritas à Rússia, e o Tu-128 é uma delas - que causou estranheza um artigo recente que alega, sem apontar as fontes, que os Tu-128 quase foram enviados para a Guerra das Falklands/Malvinas de 1982. Chamemos o autor de 'Serguei'.


ALEGAÇÕES


A URSS, desejosa de ajudar a Argentina, enviou armas leves (como os mísseis SA-7 Grail) e imagens de satélites, como já divulgado por outras fontes, mas segundo Serguei, alguns dentro do Partido Comunista, alegadamente, queriam fazer mais.


Uma das ideias alegadas foi o envio caças como os MiG-21 e MiG-23 (que já eram comumente exportadas), mas também MiG-25 (de exportação bastante restrita, mas ainda assim disponível a alguns clientes soviéticos) e também o Tu-128. E é aí que encontramos problemas - não apenas com o Tu-128 em si, mas com a ideia de exportar aeronaves, que são itens altamente complexos.


Que a URSS exportou armas leves para dezenas de países ao redor do mundo não é surpresa pra ninguém. As armas leves soviéticas são robustas e de operação simples, e mesmo soldados com pouca instrução podem operar tais armas com eficiência razoável. Aeronaves, entretanto, são outra história, ainda mais em 1982.


O primeiro ponto é que aeronaves são itens de operação extremamente complexa, com a formação de pilotos custando vários meses e vultosas somas de dinheiro. Ademais, são itens cuja manutenção é bastante custosa, com a formação de mecânicos e o restante do pessoal de apoio levando também vários meses e a um custo elevado.



O segundo ponto é que países diferentes usam equipamentos e filosofias de operações diferentes, então é incomum um usuário de aeronaves americanas mudar para aeronaves russas, por exemplo. Tal mudança implicaria em inutilizar uma infinidade de sistemas auxiliares (ferramentas, simuladores, bancadas de testes, etc) de custo agregado muito alto.E ainda que tal mudança seja feita, é um processo que pode levar anos. Um exemplo claro disso são os países que eram do Pacto de Varsóvia mas que, após a queda da URSS na década de 1990, migraram para a OTAN, como a Polônia.

Praticamente todos estes países ainda usam algumas aeronaves soviéticas, quase 3 décadas depois, e vão usá-las até o final da vida útil, quando já teriam que ser retiradas de qualquer maneira.


Mig-29 da Força Aérea Polonesa; os poloneses ainda operam 28 Mig-29 e 18 Su-22, entre outras aeronaves soviéticas, apesar de ter se tornado membro pleno da OTAN em 1999

Essas observações genéricas já indicam que a adoção de aeronaves soviéticas pela Argentina, ainda mais com uma guerra em pleno vapor, seria virtualmente impossível, e Serguei menciona que a URSS enviaria não apenas, aeronaves mas também pilotos, e chega a admitir outros óbices.A URSS não queria ser vista como parte ativa do conflito, evitando assim que os EUA enviassem suas próprias forças, numa escalada bastante grave da situação. Enviar 'na surdina' armas leves a conflitos é algo relativamente simples (URSS, EUA e outros fizeram e fazem isso de tempos em tempos), pois aeronaves civis e diplomáticas podem e tem sido usadas para tal missão.


Mas enviar aeronaves de combate é uma operação muito mais complexa e quase impossível de ocultar. Transladar aeronaves diretamente da URSS envolveria várias escalas, e acobertar uma operação tão complexa seria quase impossível. A outra possibilidade, inclusive aventada por Serguei, seria o envio por via marítima. E aqui encontramos outro problema sério, o bloqueio naval imposto pela Inglaterra.


Os navios não poderiam vir pela África do Sul (um dos países que, secretamente, apoiava a Argentina), pois a Inglaterra invariavelmente interceptaria um comboio. Patrulhas marítimas e submarinas inglesas também seguiriam atentamente qualquer navio partindo da URSS ou países aliados (Cuba, por exemplo). E o Chile, inimigo argentino de longa data, e que secretamente apoiava a Inglaterra, acompanharia qualquer comboio vindo pelo Pacífico. Outro ponto seria a operação das aeronaves. Quem pilotaria, e quem manteria as aeronaves voando? Sugestão de Serguei: pessoal soviético.


O grande problema pra isso é que os pilotos soviéticos, depois dos reveses na Guerra dos Seis Dias e Guerra do Yom Kippur, pararam de apoiar pilotos estrangeiros, a menos que a URSS fosse um beligerante direto, como é o caso na Guerra Civil da Síria.


Por fim, mas não menos importante, é o fato que a URSS nunca operou os Tu-128 fora da Rússia, nem mesmo no auge da aliança soviética com os árabes na Guerra dos Seis Dias. É altamente improvável que uma aeronave tão avançada fosse enviada para uma ‘operação indireta’, especialmente porque, ao contrário de aeronaves como o MiG-23, seria impossível à URSS alegar que tais aeronaves foram enviadas à Argentina por terceiros, já que a Rússia foi a única usuária do modelo. Estes fatos se encontram, de uma forma ou de outra, num relatório da CIA de 1983, que foi tornado público recentemente.


CONCLUSÃO


Como se pode observar, até mesmo uma análise superficial dos fatos aponta como, no mínimo, altamente improvável a alegação que os Tu-128 seriam enviados à Argentina durante a Guerra das Falklands. Se não bastasse tal análise, o documento da CIA afasta quaisquer dúvidas - a nem Argentina nem URSS consideraram seriamente a possibilidade do envio de aeronaves soviéticas à Argentina, especialmente não o Tu-128, que sequer foi citado nominalmente no relatório da CIA por ser uma proposição absurda.


Com isso, a menos que Serguei ou outros apresentem fontes com credibilidade comparável ao documento da CIA contido nas Referências apresentadas neste artigo ao pé da página, podemos classificar a notícia como uma ‘fake news’.


Por: Renato Marçal




REFERÊNCIAS







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sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

Monitorando seu inimigo: O "Projeto Dark Gene"

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Durante a Guerra Fria, os Estados Unidos procuravam obter o máximo possível de informações sobre a evolução do poderio militar e da defesa aérea da União Soviética. Para isso eram executadas várias missões de reconhecimento partindo de países aliados dos EUA próximos da URSS, como a Turquia, a Noruega, Taiwan e o Irã, por exemplo. No caso desse último, várias missões de Inteligência de Sinais (ELINT) foram lançadas a partir do território iraniano, principalmente após o estreitamento das relações entre os EUA e o Irã nos anos 1960, na época governada pelo Xá (Shah) Reza Pahlevi. Essas missões fizeram parte do chamado “Projeto Dark Gene” (“Gene Sombrio”, em tradução livre).

O Projeto Dark Gene foi um programa de reconhecimento aéreo coordenado pela Agência Central de Inteligência dos EUA (CIA) e executado pela Imperial Força Aérea do Irã (IIAF) a partir de bases dentro do Irã contra a União Soviética. O programa foi executado em conjunto com o “Projeto Ibex”, que era uma missão ELINT mais tradicional, usando bases em território iraniano, próximo a fronteira soviética. Aeronaves e pessoal norte-americano especializados foram estacionados em bases aéreas situadas em vários locais do Irã e voavam regularmente através da fronteira para a URSS através de possíveis buracos na cobertura do radar. A clara intenção do programa era testar a eficácia da defesa aérea e a interceptação soviética e resultaram pelo menos em uma perda confirmada e provavelmente mais aeronaves em combates contra aeronaves soviéticas.


Detalhes do projeto

O confronto direto entre os EUA e a URSS ocorreu ou estava ocorrendo em lugares como a Coreia, Taiwan e a Indochina. O confronto era geralmente limitado a pequenos conflitos, geralmente envolvendo o uso de conselheiros, instrutores e pessoal especializado dos dois países. Após a Guerra da Coreia, os EUA realizaram uma série de voos diretos de reconhecimento sobre a União Soviética, alguns secretos e altamente bem-sucedidos e outros que resultaram em abates e diplomacia tensa, como o incidente do U-2 de Francis Gary Powers em 1960. Para continuar reunindo informações, os EUA precisavam desenvolver métodos cada vez mais sofisticados à medida que a defesa aérea soviética se tornava mais avançada. Aeronaves como o Lockheed SR-71A Blackbird e modernos satélites de vigilância foram desenvolvidos para tais missões.

O Xá do Irã, um fiel aliado dos EUA que chegou ao poder com a ajuda de um Golpe de Estado organizado pela CIA nos anos 50, ofereceu-se para financiar operações de vigilância e inteligência militar contra a URSS como parte de ajudar os esforços norte-americanos na Guerra Fria. O Xá temia a União Soviética, em particular o relacionamento com o vizinho (e rival) Iraque. A CIA, a empresa aeronáutica Rockwell International e o empresário iraniano Albert Hakim (mais tarde envolvidos no “Caso Irã-Contras”) pagaram diversos subornos a membros influentes do governo do Xá, na área de Defesa, para obter o sinal verde do governo iraniano para facilitar o estabelecimento das operações no país contra a URSS.

A Operação Dark Gene e a Operação Ibex foram duas maneiras pelas quais os iranianos poderiam ajudar devido à sua localização estratégica, entre a URSS e o Golfo Pérsico. A geografia do território iraniano, repleto de grandes montanhas e vales profundos, ofereceu ao programa uma vantagem única, pois a cobertura do radar soviético tinha grandes buracos. A princípio, pilotos norte-americanos que pilotavam aeronaves iranianas operavam independentemente, mas com o tempo o pessoal iraniano se envolveu mais e começaram a realizar suas próprias operações.

Em um determinado ponto durante as operações, devido ao risco de os pilotos ejetarem sobre a URSS, foram criadas diferentes desculpas para explicar por que os pilotos norte-americanos seriam encontrados voando em aviões de combate com marcas iranianas sobre a União Soviética. A desculpa que eles usariam foi que os pilotos da Força Aérea dos Estados Unidos (USAF) estavam treinando os pilotos da IIAF em suas novas aeronaves e simplesmente se perderam. Normalmente, nesse estágio, um iraniano pilotava enquanto um oficial da USAF sentava no assento do navegador.

Como as operações continuaram, os EUA forneceram à Imperial Força Aérea Iraniana aeronaves avançadas no estado-da-arte, que não foram oferecidas a mais nenhum outro país na época, como o McDonnell Douglas RF-4C Phantom II (recheado com uma sofisticada e exclusiva suíte ELINT, sendo considerado os F-4 mais caros do mundo) e o Grumman F-14 Tomcat, que além de ter sido enviado para o Irã para combater os MiG-25 de reconhecimento que ocasionalmente sobrevoavam o território iraniano em alta velocidade, também provavelmente foram equipados com uma moderna suíte de reconhecimento eletrônico, superior até do que os caças da Marinha dos Estados Unidos (USN) eram equipados. Essas operações terminaram com a Revolução Iraniana em 1979 e supõe-se que o equipamento ELINT tenha sido tomado pela sucessora Força Aérea da República Islâmica do Irã (IRIAF).

Os  RF-4C/E iranianos eram os F-4 mais avançados do mundo, com equipamentos que nem as versões norte-americanas possuíram.
Os F-14A da IIAF também participaram do Projeto Dark Gene, efetuando missões de penetração e reconhecimento eletrônico em território soviético, usando sua alta velocidade para escapar dos interceptadores inimigos.


O "Projeto Ibex"

O Projeto Ibex estava intimamente ligado ao Projeto Dark Gene. Os mesmos aeródromos foram utilizados e as operações foram realizadas em conjunto. Em essência, eles podem ser considerados a mesma operação, cada um com objetivos separados e sobrepostos. Uma das vantagens de operá-los juntos foram os dados dos sistemas ELINT que poderiam ser coletados quando as defesas aéreas soviéticas fossem ativadas por uma aeronave do Projeto Dark Gene que foi detectada. As emissões e atividades resultantes seriam registradas pelas aeronaves do Projeto Ibex no lado iraniano da fronteira.

Financiados pelo Xá, os postos de escuta foram construídos no norte do Irã pela CIA. Após a Revolução Iraniana, o Irã manteve as instalações em “condição impecável”, apesar de ter pouco ou nenhum conhecimento sobre como operá-las, devido a fuga dos especialistas norte-americanos e iranianos fiéis ao antigo regime. Com o potencial de fornecer informações sobre movimentos de tropas iraquianas, antes e no início da Guerra Irã-Iraque, um ex-funcionário da CIA, chamado George Cave, aconselhou o governo interino do Irã a usar o sistema.


Em combate

Cerca de quatro a seis aeronaves envolvidas no projeto podem ter sido derrubadas por interceptadores soviéticos. Duas das aeronaves não confirmadas, mas reivindicadas pelos soviéticos, foram um RF-5B pilotado por pilotos norte-americanos e um RF-5A, pilotado por pessoal da IIAF, em missões de reconhecimento pela União Soviética adentro.


O Northrop RF-5B da IIAF também participou do Projeto Dark Gene (na foto, um F-5F iraniano).
No dia 28 de novembro de 1973 houve um engajamento entre uma aeronave RF-4C pilotada pelo major Shokouhnia da IIAF e o coronel da USAF John Saunders, no banco traseiro, e um Mikoyan MiG-21 Fishbed soviético pilotado pelo capitão Gennadii N. Eliseev. O piloto soviético disparou dois mísseis Vympel K-13 na aeronave iraniana, não conseguindo atingí-la. Ele recebeu ordens do controle de solo para continuar seu ataque a qualquer custo e, com o canhão emperrado e sem mísseis, resolveu colidir com a aeronave iraniana. Ele atingiu a cauda do RF-4C com sua asa (o momento do abalroamento está representado na imagem que abre esse artigo) e depois, após perder o controle, chocou-se em velocidade supersônica contra uma montanha, não conseguindo ejetar-se a tempo. Foi o primeiro abalroamento de jato a jato por uma aeronave soviética durante uma interceptação, uma prática comum durante a Segunda Guerra Mundial. O capitão Eliseev foi condecorado postumamente como um Herói da União Soviética. A tripulação da aeronave RF-4C ejetou com sucesso, mas foi capturada pelas forças terrestres soviéticas e liberada após 16 dias.

Em 1978, quatro Boeing CH-47C Chinook iranianos entraram na União Soviética enquanto supostamente efetuavam uma missão de treinamento (os soviéticos posteriormente acusaram os helicópteros de estarem efetuando uma missão ELINT). Um foi abatido e outro danificado por um Mikoyan MiG-23 Flogger soviético. A interceptação possivelmente ocorreu devido ao Projeto Dark Gene, pois os soviéticos haviam aumentado suas defesas aéreas na fronteira iraniana em resposta a incursões anteriores.


Um Boeing CH-47C Chinook da IIAF.


Equipamento

As bases aéreas envolvidas foram operadas em conjunto pela CIA e pela IIAF e protegidas por minas terrestres e arame farpado. Como parte da conexão com o Projeto Ibex, haviam cinco instalações em locais isolados para monitorar as comunicações na União Soviética. O contato deles com o mundo exterior foi mantido pelo ressuprimento aéreo apenas através de aeronaves de Havilland Canada DHC-4 Caribou. O equipamento especial foi fornecido pela Rockwell International e o financiamento foi amplamente fornecido pelo governo iraniano.

Outras aeronaves utilizadas durante o projeto, todas com marcas da IIAF mas operadas por pessoal norte-americano e iraniano: McDonnell Douglas RF-4C/E Phantom II, Northrop RF-5A/B Freedom Fighter, Boeing 707, Lockheed C-130H Hercules e o de Havilland Canada DHC-4 Caribou (apoio logístico).

A maioria das aeronaves a seguir tinha pacotes de guerra eletrônica personalizados instalados para suas missões. O Boeing 707, por exemplo, tinha treze tripulantes operando equipamentos de vigilância interna. Foram utilizados receptores de banda larga e banda estreita. Os RF-5A/B possuíam um equipamento de reconhecimento mais simples, enquanto os RF-4C/E possuíam equipamento bem mais sofisticado.

Os Boeing 707 da IIAF também participaram do Projeto Dark Gene, sendo equipados com sofisticados equipamentos eletrônicos.

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Por Luiz Reis, Professor de História da Rede Oficial de Ensino do Estado do Ceará e da Prefeitura de Fortaleza, Historiador Militar, entusiasta da Aviação Civil e Militar, fotógrafo amador. Brasiliense com alma paulista, reside em Fortaleza-CE. Luiz colaborou com o Canal Arte da Guerra e atua esporadicamente nos blogs da Trilogia Forças de Defesa e no Blog Velho General, também fazendo parte da equipe do GBN Defense. Presta consultoria sobre História da Aviação. Contato: [email protected]




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