Após a posse de Ollanta Humala na presidência do Peru, os presidentes da Unasul conversaram a portas fechadas sobre os possíveis efeitos da crise econômica mundial e sobre a possibilidade de seu agravamento. O Brasil, assim como a Argentina, é relativamente vulnerável a uma turbulência financeira, mas já não depende das compras de produtos brasileiros por parte dos Estados Unidos. Já a Colômbia está no extremo oposto. Exporta para o mercado norteamericano cerca de 40% dos bens que vende ao exterior.
A presidenta Cristina Fernández de Kirchner deixou a reunião de cúpula da União Sulamericana de Nações a toda velocidade e sem declarações, nem sobre a Unasul, nem sobre os mortos em Jujuy. Ela deixou Lima rumo a Brasília, onde inaugura hoje (29) a nova sede da embaixada argentina no Brasil. No entanto, o Página/12 soube que os presidentes da Unasul decidiram realizar um encontro a portas fechadas para falar abertamente sobre a crise financeira internacional. A cúpula da Unasul prosseguiu após um almoço em que Tania Libertad e duas ministras do gabinete [argentino] cantaram “Del puente a la Alameda”. Libertad também cantou “Yo vengo a oferecer mi corazón”, de Fito Páez.
A declaração dos presidentes sulamericanos chama-se “Declaração da Unasul contra a desigualdade”. Um trecho diz que “em todo esse tempo, nossos países avançaram em valorizar nossos recursos e riquezas naturais e mostraram-se capazes de enfrentar com êxito os efeitos adversos da crise financeira internacional, registrando, por sua vez, significativas taxas de crescimento econômico e de redução da pobreza”.
O documento acrescenta que os presidentes reconhecem “a importância do processo de integração como instrumento de redução da pobreza e como elemento de inclusão social”, mas, ao mesmo tempo, constatam “que nos países da região persistem índices de desigualdade muito elevados que afetam a dinâmica da redução da pobreza e mantem excluídos dos benefícios da expansão econômica segmentos da sociedade de menor renda, particularmente os mais vulneráveis”.
Segundo apurou o Página/12, a presidenta brasileira, Dilma Rousseff, e seu colega colombiano, Juan Manuel Santos, foram aqueles que mais se estenderam na análise da crise financeira internacional, que poderia se aprofundar em função de uma eventual moratória parcial de pagamentos por parte dos Estados Unidos. O Brasil vem lutando para que a situação – denominada por seu ministro da Fazenda, Guido Mantega, como “guerra cambial” – deixe de pressionar, como está ocorrendo, na direção de sobrevalorizar o real e prejudicar, assim, as exportações brasileiras.
A posição que os funcionários brasileiros manifestaram ontem é que, felizmente, o maior país da região, conta com amplas reservas financeiras e com um mercado interno desenvolvido pela incorporação de 36 milhões de pessoas que estavam fora do mapa.
Os brasileiros projetam aumentar a bateria de medidas contra o dumping de produtos estrangeiros, por exemplo, dos Estados Unidos.
A agenda da presidenta argentina hoje em Brasília não se limitará, por isso, à inauguração da embaixada no terreno que o Brasil cedeu quando transferiu a capital do Rio de Janeiro para uma planície deserta.
Se, por um lado, a valorização do real ceder e o Brasil conseguir manter a leve desvalorização da última semana, a Argentina melhorará seu nível competitivo. Mas o risco seria uma diminuição do ritmo de crescimento do Brasil, um sócio comercial chave para os produtos argentinos. Os funcionários argentinos dos ministérios de Economia e de Desenvolvimento Industrial encontrarão do outro lado a colegas cada vez mais sensíveis à permeabilidade frente às importações e mais atentos a sua balança comercial. Neste cenário, é um cenário provável que Cristina Fernández de Kirchner e Dilma Rousseff tratem de estudar alguma política que diminua ruídos no comércio bilateral.
O Brasil, assim como a Argentina, é relativamente vulnerável a uma turbulência financeira, mas já não depende das compras de produtos brasileiros por parte dos Estados Unidos. A Colômbia está no extremo oposto. Exporta para o mercado norteamericano cerca de 40% dos bens que vende ao exterior. A guinada política sulamericana promovida por Santos, que assumiu em 7 de agosto de 2010, atenuou a estratégia de alinhamento automático com Washington, de Alvaro Uribe. A crise norteamericana seria um estímulo a mais para melhorar as relações com os vizinhos da região, Venezuela incluída.
O presidente Hugo Chávez foi o grande ausente da posse de Humala e da cúpula da Unasul. A declaração dedicou um parágrafo a ele: “Reafirmamos nossa solidariedade com o presidente da República Bolivariana da Venezuela, Hugo Chávez Frías, e confiamos em seu pronto restabelecimento e recuperação”. Chávez postou no twitter: “Que conversa adorável tive com a presidenta Cristina, essa irmã minha e nossa! Obrigado Cristina! Te prometo viver!”. O presidente venezuelano, que tem câncer e enfrenta eleições gerais em 2012, completou ontem 57 anos.
Seu estado de saúde agrega um motivo de preocupação aos vizinhos do bairro. Com uma Europa em queda e os Estados Unidos abalados pela crise financeira – situação que costumam prejudicar as nações menos desenvolvidas – qualquer mudança no tabuleiro sulamericano aparece agigantada por uma enorme lupa.
Os presidentes da Unasul felicitaram o novo presidente peruano Ollanta Humala e resolveram convocar uma cúpula de funcionários e especialistas em temas sociais este ano, em Cuzco. A necessidade de inclusão social e coesão do Peru multicultural foram alguns dos temas abordados por Humala em seu discurso de posse no Congresso. “Renovamos nossa plena confiança na capacidade criadora da Unasul para enfrentar com êxito aos desafios do presidente na certeza de que, juntos, conseguiremos forjar um futuro de justiça social, igualdade e bem-estar para nossos povos”, diz o documento final da cúpula.
Fonte: Carta Maior