O governo brasileiro comprometeu-se a fornecer apoio logístico para a libertação de 10 reféns políticos em poder das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), confirmaram ontem o Itamaraty e o vice-presidente colombiano, Angelino Garzón. Militares brasileiros transportarão ao local determinado pela guerrilha os representantes da organização humanitária Colombianos e Colombianas pela Paz, acompanhados de pessoal do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV). No último domingo, a guerrilha reconheceu o Brasil como "avalista" da operação, que ainda não tem data prevista. O anúncio da libertação dos reféns e a promessa de não cometer mais sequestros, no entanto, ainda são vistos com cautela por analistas que observam as decisões das Farc.
No fim de semana, a organização anunciou a soltura dos últimos "prisioneiros de guerra" e o fim dos sequestros extorsivos, usados para financiar o movimento. Há, segundo o secretariado (alto comando) das Farc, 10 "reféns políticos" em seu poder — militares ou policiais, quase todos em cativeiro há mais de uma década. O Ministério da Defesa brasileiro disponibilizará dois helicópteros e um avião cargueiro, que já estão em uma base militar em Manaus. Cerca de 20 homens do Exército devem participar da operação. Na data escolhida, eles seguirão para São Miguel da Cachoeira, na fronteira com a Colômbia, e de lá para os locais onde os reféns serão entregues. "O governo colombiano está trabalhando em um plano logístico com o governo do Brasil", disse o vice-presidente Angelino Garzón a jornalistas, em Bruxelas. A assessoria de imprensa do Itamaraty confirmou que vai ajudar a Colômbia "nesse assunto humanitário", mas disse ainda não ter recebido um pedido oficial.
Será a quarta vez que o Brasil atua nesse tipo de operação. "Essa relação de confiança foi construída ao longo dos últimos 15 anos. Tanto o governo colombiano confia no Brasil como as Farc se sentem seguras, porque sabem que não estamos trabalhando para o serviço secreto dos Estados Unidos", explica o professor Francisco Teixeira da Silva, especialista em história contemporânea na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Isso, no entanto, não torna o processo simples. "É bastante delicado. Os reféns estão nas zonas mais profundas da selva colombiana, onde qualquer coisa pode acontecer", reconhece Javier Ciurlizza, do International Crisis Group, em entrevista ao Correio. Nas outras três vezes em que o Brasil esteve envolvido, tudo correu sem maiores problemas. Em novembro passado, no entanto, uma tentativa de resgate militar acabou em tragédia: diante da aproximação do Exército, a guerrilha assassinou quatro reféns que pretendia libertar.
Incertezas
A imprevisibilidade do comportamento das Farc também coloca muita gente em dúvida sobre se a organização vai mesmo interromper os sequestros por motivos econômicos. Nem sequer há um número determinado de reféns civis. São empresários, fazendeiros, trabalhadores, estudantes e donas de casa, capturados em troca de resgate e, em muitos casos, mortos em cativeiro. "Em vários episódios, não há informação sobre o desaparecimento dessas pessoas. As empresas, em algumas situações, preferem tentar resolver o problema diretamente com os guerrilheiros", afirma Javier Ciurlizza.
Olga Lucia Gómez, diretora de Fundación País Libre, uma entidade de representa vítimas das Farc, está bastante cautelosa em relação ao anúncio. "Precisamos ver um respaldo desses pronunciamentos em termos práticos", disse ela ao Correio. Segundo a fundação, há atualmente 405 civis em cativeiro. Olga também lembra que as dificuldades de comando nas Farc podem prejudicar. "Eles estão em muitos lugares do país e nem sempre o pensamento do secretariado pode ser cumprido por todas as frentes da guerrilha." O Departamento de Estados dos EUA também fez ressalvas. "Essas promessas não são confiáveis até que sejam levadas adiante realmente", disse a porta-voz Neda Brown.
"Lei 002" revogada
Os sequestros "econômicos", que as Farc preferem chamar de "retenção", chegaram a ser "normatizados" em abril de 2000, durante as negociações de paz com o governo de Andrés Pastrana. A "lei 002", anunciada pela guerrilha, previa um "imposto para a paz" a ser pago pelos titulares (pessoas físicas ou jurídicas) de patrimônio superior a US$ 1 milhão. Na ocasião, a cúpula da organização apresentou a decisão como uma versão "civilizada" para a chamada "pesca milagrosa", em que os rebeldes bloqueavam estradas e eventualmente "retiam" cidadãos abastados. Com a "002", a ocorrência de sequestros caiu: enquanto tiveram forças para operar perto de Bogotá, as Farc estabeleceram um acampamento aonde representantes dos "contribuintes" eram levados para o acerto de contas. A prática da extorsão retornou com intensidade nos últimos anos, voltada contra setores mais vulneráveis, como o de transportes. O anúncio feito no fim de semana pelo secretariado (alto comando) equivale a uma "revogação" da "002".
Fonte: Correio Braziliense