Elon Musk, o gênio por trás de empresas
revolucionárias como Space X e a Tesla, não é estranho às polêmicas. A última
delas, pelo menos no que se refere a tecnologias militares, foi em um discurso realizado
em 28 de fevereiro de 2020, no Air Force Academy Air Warfare Symposium, em Orlando,
Florida.
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Elon Musk falando no AFAAW Symposium
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Naquela ocasião, ele afirmou,
categoricamente, que “a era dos caças a jato tripulados chegou ao fim”. Como
era de se esperar, tal afirmação gerou polêmicas, com especialistas dizendo
tanto que ele está certo, como que ele está errado, ou no mínimo precipitado ou
sendo exagerado.
Até que ponto a afirmação de Musk se sustenta
no mundo real? Neste artigo vamos analisar, brevemente, vários aspectos
referentes aos VANT (em inglês UAV / RPA e em português ARP, aeronaves
remotamente pilotadas, drones) e UCAV (“drones armados de combate”), e mostrar
porque, na nossa opinião, a afirmação de Musk, embora precipitada e exagerada,
tem sim fundamentos sólidos na realidade, mas não é tão abrangente como ele
parece aceditar.
UAV E
UCAV NO CAMPO DE BATALHA
General
Atomics MQ-9 Reaper, um dos UCAV mais avançados em serviço, e a provável
aeronave que disparou os mísseis (provavelmente do tipo AGM-114 Hellfire, como
os da foto, ao lado das GBU-12 Paveway) que mataram o general iraniano Qassem Soleimani
em 03/Jan/2020
Embora possa parecer surpreendente, os drones
são usados no campo de batalha há mais tempo do que as aeronaves mais pesadas
que o ar, conforme explicado em outro artigo deste articulista: “Drones e mísseis de cruzeiro – equilibrando o jogo”.
Apesar disso, foi apenas com os avanços na eletrônica e em outros campos do
conhecimento, que permitiram que os drones fossem realmente importantes em
combate a partir da Guerra do Vietnã, onde os EUA usaram centenas de drones,
principalmente em funções ISRT (inteligência, vigilância, reconhecimento e
aquisição de alvos).
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Drones foram largamente empregados no Vietnâ |
Ao longo dos anos, os drones evoluíram,
assumindo outras funções além de IRST. No começo do Século XXI, com a
combinação MQ-1 Predator/Hellfire, os UCAV passaram a ser usados com grande
frequência, a tal ponto que o Presidente Obama autorizou mais de 500 ataques
com drones.
Além dos EUA, Reino Unido, Israel, Paquistão
e Turquia já usaram UCAV em ações reais, e vários países adquiriram UCAV destes
países ou buscam desenvolver seus próprios UCAV; pelo menos 95 países já fazem
uso de drones militares, armados ou não.
VANTAGENS
E LIMITAÇÕES DOS DRONES
Missões IRST ainda são a função principal dos
drones, por quatro razões principais:
- Drones tem grande persistência, ou seja,
podem permanecer em voo por longas horas sem perder eficiência, ao contrário
das aeronaves tripuladas por humanos
- Drones podem ser enviados para missões em
ambientes arriscados demais para humanos
- Via de regra, os drones apresentam custos
menores de aquisição e/ou operação do que aeronaves tripuladas
- A combinação destes fatores significa que, em
muitos casos, pode-se enviar drones para missões em quantidades maiores do que
aeronaves tripuladas
Os UCAV aumentam ainda mais o leque de
opções, principalmente para lidar com ‘alvos de oportunidade’, ou seja, aqueles
que aparecem inesperadamente durante uma missão e que podem não dar
oportunidade de um ataque posterior.
Entretanto, apesar dos incríveis avanços dos
últimos tempos, os drones ainda enfrentam limitações importantes para seu uso
em substituição ás aeronaves tripuladas, ou até mesmo como “caças
descartáveis”, apesar do interesse de muitos países nestas capacidades.
Listaremos aqui algumas destas áreas e limitações, e os possíveis contrapontos
a cada uma. Mais adiante, falaremos de alguns projetos que já estão em fase de
desenvolvimento.
TÉCNICAS
AVANÇADAS DE PROJETO E CONSTRUÇÃO
O
Northrop Grumman RQ-4 Global Hawk é um dos drones mais avançados do mundo, mas
também um dos mais caros, cerca de US$ 120 milhões, tão ou mais caro que
aeronaves como o F-35 e o F-15EX
É inegável que as tecnologias de engenharia
para projetar e construir aeronaves evoluíram consideravelmente, mas ainda é
preciso evoluir bastante, especialmente no sentido de se produzir um UCAV que
seja realmente descartável, especialmente se forem “stealth” (VLO, muito pouco
observáveis), cujas exigências de produção e operação são, notoriamente, muito
maiores do que as de aeronaves “convencionais”.
Tecnologias avançadas, como a “impressão 3D”
(manufatura aditiva) também podem ajudar bastante a reduzir os custos e os
prazos de projeto e construção.
AUTONOMIA
TOTAL
O
Northrop Grumman X-47B, apesar de avançado o bastante para conduzir
automaticamente operações como reabastecimento em voo, ainda depende de
operadores humanos para várias funções
Na fala de Musk, seu enfoque maior foi neste
ponto - ele acredita que os drones estão muito próximos de serem autônomos, ou
seja, operarem mesmo sem interferência humana. Mas a realidade ainda é bem
diferente e distante disso.
Ainda hoje, os drones são altamente
dependentes de operadores humanos, o que pode ser um grande problema,
especialmente em ambientes onde os operadores já estão sobrecarregados (como os
pilotos em aeronaves monoposto), ou em que as comunicações forem insuficientes
ou falharem, seja por questões técnicas ou por ações inimigas. Tal dependência
deve durar ainda vários anos.
Novas tecnologias surgem a todo tempo para
lidar com problemas como a largura de banda. Mas outras tecnologias ainda
precisam avançar mais para que os drones possam operar com autonomia em
situações inesperadas e/ou quando não for possível a intervenção direta de operadores
humanos, e os computadores quânticos podem ser essenciais nesta “corrida” pela
“Força Aérea Autônoma”.
MOTORES
A JATO MAIS BARATOS
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O "Okhotnik" é propulsado pelo "caro" Saturn AL-31F que impulsiona os Su-35
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Os motores a jato são provavelmente o
componente individual mais caro de uma aeronave, chegando em alguns casos a representar
25% do custo total da aeronave.
Para complicar mais ainda, poucos países no
mundo são capazes de desenvolver e produzir motores avançados: EUA, Inglaterra
e França são os países com as capacidades mais avançadas nesta área.
Dificuldades com motores avançados tem atrasado projetos até mesmo de potências
como Rússia e China.
Na prática, isto significa que é impossível
pensar em drones baratos sem antes pensar em motores baratos, e muitas das
técnicas avançadas usadas para a construção das aeronaves em si, também podem
ser usadas na produção de motores. Mas, apesar da busca por motores a jato de
baixo custo terem pelo menos meio século, e progressos feitos nesta jornada,
ainda há muito trabalho até que motores realmente “descartáveis” estejam
disponíveis.
SISTEMAS
DE MISSÃO MAIS BARATOS
Um dos
motivos para os elevados custos do Global Hawk são seus avançados sensores,
como os SLAR (radares de varredura lateral), cujos painéis planos são visíveis
entre as asas e trem de pouso dianteiro na foto acima
Embora o motor seja o componente individual
mais caro da aeronave, o conjunto mais caro é, via de regra, o de sistemas,
principalmente os aviônicos. O treinador KAI T-50, por exemplo custa em torno
de 20 milhões de dólares, enquanto que sua versão mais avançada FA-50, cuja
diferença principal está na suíte de aviônicos, custa em torno de 50% a mais,
ou seja, em torno de,30 milhões de dólares! Um radar avançado como o AN/APG-83
SABR pode custar mais de 3 milhões de dólares por unidade, sem contar outros
aviônicos e sensores como o pod Sniper ATP custando mais de 1 milhão.
Uma forma de reduzir os custos destes
sistemas é a utilização de redes em que vários veículos compartilham
informações entre si, como o CEC (Capacidade de Engajamento Cooperativo) da US
Navy. Avanços recentes incluem, por exemplo, a possibilidade de artilharia do
US Army atacar alvos detectados por um F-35 da USAF, e fazer com que tais
avanços possam ser empregados em drones é crucial para reduzir seus custos.
SISTEMA AVANÇADO DE RECUPERAÇÃO DE DRONES
Embora alguns drones sejam, por design,
descartáveis, outros não são, e a recuperação de tais drones pode ser um problema
sério em zonas de conflito. Sistemas que permitem a recuperação de drones por
veículos em movimento, compensação de fatores ambientais no uso de paraquedas
de recuperação ou até mesmo por aeronaves em voo, são essenciais para reduzir
ao máximo os custos de drones.
AVANÇOS
NA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL (AI)
O
‘cenário Exterminador do Futuro’ é algo que assombra a AI
Embora a AI (inteligência artificial) seja,
evidentemente, importante na questão da autonomia dos drones, conforme
especificado anteriormente, cuidados estão sendo tomados para evitar que a AI
acabe por se tornar um problema, com ‘armas inteligentes’ decidindo tomar ações
que possam ser prejudiciais a raça humana.
MENOR
CAPACIDADE DE ARMAS
Esta talvez seja a principal desvantagem dos
drones atuais, e não parece que vai desaparecer tão cedo. Enquanto caças como o
F-15 possam levar bombas enormes como as GBU-28 de 5 mil libras (cerca de 2.270
kg), não há informações sobre drones carregando armas mais pesadas que as
derivadas da Mk.82 de 500 libras (cerca de 227 kg).
Entretanto, a combinação de maior
persistência e menor custo dos drones significa que, em muitos cenários, é
possível substituir um caça por vários drones, além de possuir um custo muito
menor em caso de perdas, significando a ausência de perda humana ou da necessidade
de uma arriscada operação C-SAR.
ALTERNATIVAS
A UMA FORÇA AÉREA NÃO TRIPULADA
Embora uma força aérea “100% não tripulada”
não seja viável num futuro próximo, conforme apontado anteriormente, outras
alternativas são mais viáveis, e inclusive já estão em andamento.
Concepção
artística da Boeing mostrando o seu conceito de UCAV Airpower Teaming System,
apelidado ‘Loyal Wingman’, voando lado a lado com uma aeronave tripulada Boeing
F/A-18 Super Hornet
Uma delas está na forma de programas como o “Skyborg”
da USAF, que quer colocar drones com elevado grau de autonomia voando em
formação com caças tripulados já em 2023, e o “Gremlin”, que pretende usar
aeronaves como o C-130 Hercules como “porta aviões voadores”, lançando drones
baratos o suficiente para serem descartáveis, mas autônomos o suficiente para
serem recuperados em pleno voo pela “nave mãe” caso sobrevivam à missão.
Uma coisa é quase certa, a próxima geração de
caças, a chamada 6ª geração, deve contar com caças “opcionalmente tripulados”,
ou seja, capaz de fazer boa parte das missões sem a necessidade de um piloto a
bordo, mas também de operar com piloto em situações que o exijam. Junto com
programas como o Skyborg, que deve ajudar a USAF a resolver a crônica falta de
pilotos, e orçamentos militares que tendem a diminuir, ainda que a vida útil do
F-35 ultrapasse o ano 2070.
Aliás, a longa vida útil de sistemas
militares é um dos maiores motivos pelos quais as forças armadas atuais não
estão com tanta pressa em “aposentar” suas aeronaves atuais, como o venerável
B-52, por exemplo, que deve continuar em operação quase 100 anos após entrar em
serviço.
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UCAV Kratos XQ-58A Valkyrie, programa Skyborg da USAF
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CONCLUSÃO
Visionário como é, Musk pensou muitos anos à
frente, como de costume. A realidade, entretanto, é que os caças tripulados
continuarão conosco por muito tempo ainda, mesmo que acompanhados por drones,
com estes podendo operar como alas de aeronaves tripuladas.
Além disso, a nova geração de caças já estava
em desenvolvimento quando a tecnologia permitiu programas como o Skyborg, o que
significa que, talvez, a “7ª geração” seja aquela que, de fato, vá concretizar
a visão de futuro apresentada por Musk, mas provavelmente nem estará vivo para
testemunhar isso, já que é pouco provável que a 7ª geração voe antes de 2050 ou
2060!
Por Renato Marçal
Revisão do Texto: Angelo Nicolaci
REFERÊNCIAS