É surpreendente como a mídia em geral insiste em ignorar o verdadeiro papel do jornalismo – informar o público de maneira imparcial, para que cada um tire suas próprias conclusões – e tenta politizar absolutamente toda e qualquer situação que ocorre no Brasil, tentando culpar diretamente o atual Governo e ignorando questões importantes na equação.
Este é o caso de matéria publicada pelo jornal “O Globo”, que trata do desastre ambiental ocorrido em agosto de 2019, quando um derramamento de óleo no mar atingiu diversas praias do litoral nordeste, chegando a atingir algumas praias na região sudeste (ES e RJ).
A manchete "Governo não multou ninguém por vazamento de óleo ocorrido há quase um ano e ainda deve R$ 43 milhões à Petrobras", chama a atenção do leitor, mas seu conteúdo omite ou desconsidera muitos pontos importantes sobre o ocorrido, transformando a situação ocorrida em mais um de vários ataques infundados ao governo.
Como deixamos claro em outras ocasiões, o GBN Defense mantém imparcialidade quando se trata de questões políticas inerentes a ideologias ou disputas partidárias, mas quando se trata de difundir informações incompletas ou propositalmente “vender” pontos de vista obviamente míopes ou deturpados, nos cabe defender os valores do bom jornalismo, que é trazer o máximo de informação ao nosso público, da maneira mais clara, objetiva e imparcial possível, possibilitando que nosso leitor tenha a sua disposição a capacidade de analisar os fatos e tomar seu posicionamento sem que o mesmo seja direcionado por tendências de determinados canais.
Antes de tentar imputar culpa a qualquer um dos atores envolvidos no desastre em voga, ou cobrar respostas das instituições responsáveis por fiscalizar e fazer com que a lei se cumpra, é preciso compreender que o ocorrido foi algo inédito; esse ineditismo gerou um grande desafio aos atores envolvidos em conceber uma resposta ao ato.
Isso nos faz lembrar que o setor da Defesa sofre, por décadas, com ausência de investimentos consistentes, o que impactou sobremaneira nas capacidades de nossas FFAA (Forças Armadas) de atuar com maior eficiência, tendo que se desdobrar com orçamentos muito aquém das necessidades de investimento para que disponhamos de tecnologia e meios adequados ao cumprimento de todas as atribuições que cabem às nossas FFAA e outros setores, como a Inteligência e órgãos de fiscalização.
É muito fácil dar uma de “engenheiro de obra pronta” e cobrar nossas instituições por conta da demora em apresentar à Justiça o responsável pelo ato criminoso – sim, criminoso – pois o navio responsável se evadiu e não tomou qualquer medida para evitar os danos ambientais provenientes do vazamento (acidental ou não).
A pergunta aos nossos leitores é: vocês tem ideia dos desafios tecnológicos que estão envolvidos em manter um adequado monitoramento dos mais de 3 milhões de km² nossa "Amazônia Azul", a qual exige um mix bastante complexo (e caro) de sistemas, sensores e meios para obter uma efetiva capacidade de monitoramento e controle, além dos recursos humanos para extrair o máximo de tais meios?
SisGAAz
A MB (Marinha do Brasil) tem um programa de grande importância neste sentido, o SisGAAz (Sistema de Gerenciamento da Amazônia Azul), que tem por missão monitorar e controlar, de forma integrada, as Águas Jurisdicionais Brasileiras (AJB) e as áreas internacionais de responsabilidade para operações de Socorro e Salvamento (SAR – Search and Rescue), a fim de contribuir para a mobilidade estratégica, representada pela capacidade de responder prontamente a qualquer ameaça, emergência, agressão ou ilegalidade.
Os benefícios associados ao SisGAAz compreendem vários pontos estratégicos desde inteligência, socioeconômicos e militares. Os benefícios socioeconômicos são relacionados a minimização da evasão de riquezas por vias marítimas, a maximização da proteção contra o narcotráfico e do controle de danos ambientais. Finalmente, os benefícios militares serão observados no aperfeiçoamento do emprego racional, eficiente e eficaz dos meios navais na vigilância da Amazônia Azul e na redução do risco de interrupção da exploração dos recursos minerais por ameaças diversas
A Fase I é composta por um centro de Comando e Controle instalado no Comando de Operações Navais, na Capitania dos Portos do Rio de Janeiro e no Comando do 1º Distrito Naval. Estes Centros receberão em tempo real as informações dos Sensores fixos instalados na Baia da Guanabara e farão a fusão dos dados e apresentarão um quadro único e coerente.
A Fase II consiste na instalação de sensores fixos para monitorar a área marítima entre a Ilha Grande e Cabo Frio, além de dez Navios da Marinha, cinco Centros de Operações em Distritos Navais, duas unidades de vigilância submarina e o Combatente do Futuro para o Corpo de Fuzileiros Navais. Esta Fase tem previsão de conclusão até 2023.
Os benefícios associados ao SisGAAz compreendem vários pontos estratégicos desde inteligência, socioeconômicos e militares. Os benefícios socioeconômicos são relacionados a minimização da evasão de riquezas por vias marítimas, a maximização da proteção contra o narcotráfico e do controle de danos ambientais. Finalmente, os benefícios militares serão observados no aperfeiçoamento do emprego racional, eficiente e eficaz dos meios navais na vigilância da Amazônia Azul e na redução do risco de interrupção da exploração dos recursos minerais por ameaças diversas.
DESAFIOS
Como se pode imaginar, o SisGAAz demanda um pesado e sério investimento, ao longo de muitos anos, e se executado conforme planejado resultará numa efetividade inédita de monitoramento e controle das AJB. Outros ramos das FFAA também tem programas de importância vital para o Brasil.
Apesar de sua importância, e como é um infeliz costume em programas relacionados à Defesa no Brasil, o SisGAAz já se arrasta por muitos anos, ao longo de vários Governos, sem ter obtido a devida atenção e investimento. Pode-se constatar esse triste fato pela obsolescência em bloco (ou seja, vários sistemas entrando em estado de obsolescência mais ou menos ao mesmo tempo) dos meios da MB, afetada pela omissão de décadas na obtenção de novos navios, criando um gap em nossa capacidade naval, atingindo desde os meios mais simples, de patrulha, chegando aos meios de escolta e navios de apoio de suma importância para que tenhamos a devida capacidade de controle marítimo nas AJB.
Esta importante missão de controle tem sido feita, exaustivamente, pelos poucos meios ainda operacionais, os quais já ultrapassaram seu ciclo de vida original e são mantidos em serviço capazes graças aos imensos esforços de nosso Almirantado e das tripulações, que conseguem “tirar leite de pedra” e prover uma capacidade mínima de defender nossa soberania.
Desafios parecidos podem ser observados nos outros ramos das FFAA e seus respectivos programas.
COBRANÇAS
Aonde estavam essas tantas pessoas que hoje exigem respostas, quando se foram apresentadas inúmeras vezes as necessidades de investimento em Defesa, preocupação que tem sido apontada há mais de duas décadas pelos comandos de nossas FFAA, e repetidamente ignoradas pelo Congresso, Senado e diversos ocupantes do Planalto. Sempre negando investimentos de suma importância a nossa segurança e soberania, usando a enganosa justificativa “somos um país pacífico e sem inimigos no horizonte”?
Como temos visto na última década, o “inimigo” tem muitas faces; não pode ser encarado apenas como uma velada ameaça militar direta de um estado-nação. Temos vivido uma mudança vertiginosa no cenário geopolítico; surgiram novas ameaças, em sua grande maioria assimétrica e sem bandeira.
No Brasil em particular, temos acompanhado um aumento exponencial no emprego de nossas FFAA em missões como Garantia da lei e da ordem (GLO), atuação em desastres naturais e ambientais – como é o caso de transportar suprimentos médicos aos quatro cantos do País para ajudar no combate ao surto do novo coronavírus – além de lidar com ameaças como tráfico internacional e suas mais diversas faces. Tudo isso por si só, seria mais que o suficiente para justificar um adequado investimento em tecnologias e meios para que possamos garantir nossa soberania em qualquer que seja o cenário e contra qualquer ameaça que surja no horizonte, desde um derramamento criminoso de óleo, como ocorrido em agosto passado, ou mesmo a ameaça velada de uma força militar estrangeira.
Temos que abrir nossos olhos, raciocinar e interpretar o que tem ocorrido no cenário internacional, entender que precisamos parar de brigar internamente por ideologias falidas e que em nada nos acrescenta, deixar de encarar política como torcedores de clube de futebol e ter visão e posicionamento responsável como parte de um estado-nação, o qual deve ser forte e com instituições firmes e comprometidas com o interesse do Brasil, não interesses partidários ou de grupos e elites.
Listamos a seguir pontos importantes apresentados pela Nota de Esclarecimento emitida pela MB em resposta a matéria veiculada pelo jornal "O Globo":
MARINHA DO BRASIL
CENTRO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL DA MARINHA
NOTA DE ESCLARECIMENTO
Brasília - DF.
Em 18 de julho de 2020.
Como a matéria do Jornal O Globo, intitulada “Governo não multou ninguém por vazamento de óleo ocorrido há quase um ano e ainda deve R$ 43 milhões à Petrobras”, contém inverdades, a Marinha do Brasil (MB) apresenta as seguintes considerações:
a) O crime ambiental que afetou a costa brasileira do Nordeste e Sudeste, desde 30 de agosto de 2019, é inédito e sem precedentes na nossa história, por ter ocorrido sem que o responsável tenha se apresentado voluntariamente e, também, prestado apoio para conter o derramamento de óleo.
b) Desde o início da identificação das primeiras manchas de óleo, o Grupo de Acompanhamento e Avaliação (GAA), composto pela MB, IBAMA e ANP, juntamente com instituições governamentais (federais, estaduais e municipais), demais Forças Armadas, comunidade científica, universidades, além da valorosa participação de voluntários, uniram esforços para mitigar os efeitos do óleo, com êxito.
c) Da mesma forma, a MB iniciou uma investigação complexa, contando com a participação de diversas instituições, técnicas, científicas e especializadas, brasileiras e estrangeiras, exigindo conhecimento em várias áreas de estudo: oceanografia, meteorologia, química do petróleo e seus derivados, modelagem matemática, estatística e criminalística. A MB tem trabalhado de forma cooperativa com o inquérito criminal instaurado pela Polícia Federal e realizado reuniões com representantes da CPI do Óleo, de modo a mantê-los a par da complexidade do trabalho e da evolução sobre a apuração desse inédito incidente.
d) Sob coordenação do GAA, entre setembro de 2019 e fevereiro de 2020, foram recolhidos mais de 5.000 toneladas de óleo e resíduos oleosos, entre os estados do Maranhão e Rio de Janeiro, devidamente destinados, observando protocolos ambientais. No mesmo período, a MB realizou a Operação “Amazônia Azul – Mar Limpo é Vida”, em três fases, com emprego maciço de meios e pessoal, em coordenação com os entes supramencionados.
e) Em junho deste ano, vestígios de óleo foram identificados em algumas praias do litoral brasileiro, sendo cumprido procedimentos de limpeza e análise de amostras pela MB, autoridades ambientais e universidades. Dos cerca de 100kg de vestígios recolhidos, estima-se que somente 30% sejam efetivamente óleo relacionado ao derramamento do ano passado.
f) O derramamento de óleo ocorrido ano passado traz ensinamentos para evitar que tal crime ambiental volte a acontecer. Há necessidade premente de investir no aprimoramento do monitoramento dos navios que transitam nas AJB e nas suas proximidades, especificamente o Sistema de Gerenciamento da Amazônia Azul (SisGAAz), com a melhoria de sistemas de apoio à decisão e a aquisição/instalação de radares de médio/longo alcance. O SisGAAz é um Programa estratégico da MB e, como reconhecimento de sua importância, foi incorporado ao Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (CENSIPAM), órgão da estrutura do Ministério da Defesa.
g) Adicionalmente, a MB está atuando junto a organismos internacionais para aperfeiçoar dispositivos e normas jurídicas, notadamente a Carta das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM) e a Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição por Navios (MARPOL). No âmbito nacional, alterações nas Normas da Autoridade Marítima (NORMAM) foram efetuadas, como as de "Embarcações Empregadas na Navegação em Mar Aberto" e do "Tráfego e da Permanência das Embarcações nas Águas sob Jurisdição Nacional", tornando obrigatório que não somente os navios nacionais, mas também os estrangeiros, em trânsito, operação e permanência na Amazônia Azul e na Área de Busca e Salvamento Marítimo (Área SAR) brasileira, operem continuamente os seus equipamentos de identificação automática.
h) Ressalta-se também que a chamada pública do CNPq\MCTI para apoio financeiro a projetos que contribuam para a geração de conhecimentos sobre o derramamento de óleo teve a contribuição direta da Coordenação Científica criada no âmbito do GAA, demonstrando que as ações estabelecidas na esfera governamental estão em curso.
i) Por fim, comentários infundados e sem respaldo na realidade agridem, injustamente, os cientistas, profissionais da área ambiental e militares, que permanecem trabalhando para elucidar um complexo crime impetrado contra nossa Pátria e, assim, apresentar o devido indiciamento que, certamente, ocorrerá; bem como, todas as organizações federais, estaduais, municipais e os voluntários que trabalharam, diuturnamente, para mitigar os efeitos dessa agressão sofrida pelo País, não contribuindo para a busca de soluções a tão relevante questão.
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Espero que tenhamos mais discernimento quanto as nossas posições. É preciso que tenhamos a responsabilidade de nos aprofundar em relação ao que (des)conhecemos e as informações que dispomos antes de tomar determinada posição, não adianta tirar o corpo fora e dizer “eu não gosto de política”, é preciso cobrar que os governantes cumpram o que está previsto na Lei.
Infelizmente, enquanto cada um não tomar uma posição, veremos o país afundar diante de nossos olhos, dominado por interesses que não são os nossos.
Encerro este artigo com dois pensadores:
“Para que o mal triunfe basta que os bons fiquem de braços cruzados”. Edmund Burke (1729 - 1797), estadista, político e escritor irlandês.
“O castigo dos bons que não fazem política é serem governados pelos maus”. Platão, filósofo grego.
Por Angelo Nicolaci - Jornalista, editor do GBN Defense, graduando em Relações Internacionais pela UCAM, especialista em geopolítica do oriente médio, leste europeu e América Latina, especialista em defesa e segurança, membro da Associação de Veteranos do Corpo de Fuzileiros Navais (AVCFN), Sociedade de Amigos da Marinha (SOAMAR), Clube de Veículos Militares Antigos do Rio de Janeiro (CVMARJ) e Associação de Amigos do Museu Aeroespacial (AMAERO).
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