Durante a
Guerra Fria, os Estados Unidos procuravam obter o máximo possível de
informações sobre a evolução do poderio militar e da defesa aérea da União
Soviética. Para isso eram executadas várias missões de reconhecimento partindo
de países aliados dos EUA próximos da URSS, como a Turquia, a Noruega, Taiwan e
o Irã, por exemplo. No caso desse último, várias missões de Inteligência de Sinais
(ELINT) foram lançadas a partir do território iraniano, principalmente após o
estreitamento das relações entre os EUA e o Irã nos anos 1960, na época
governada pelo Xá (Shah) Reza Pahlevi. Essas missões fizeram parte do chamado “Projeto
Dark Gene” (“Gene Sombrio”, em tradução livre).
O Projeto
Dark Gene foi um programa de reconhecimento aéreo coordenado pela Agência
Central de Inteligência dos EUA (CIA) e executado pela Imperial Força Aérea do Irã (IIAF)
a partir de bases dentro do Irã contra a União Soviética. O programa foi
executado em conjunto com o “Projeto Ibex”, que era uma missão ELINT mais
tradicional, usando bases em território iraniano, próximo a fronteira soviética. Aeronaves e pessoal norte-americano especializados foram
estacionados em bases aéreas situadas em vários locais do Irã e voavam
regularmente através da fronteira para a URSS através de possíveis buracos na
cobertura do radar. A clara intenção do programa era testar a eficácia da
defesa aérea e a interceptação soviética e resultaram pelo menos em uma perda
confirmada e provavelmente mais aeronaves em combates contra aeronaves
soviéticas.
Detalhes do
projeto
O
confronto direto entre os EUA e a URSS ocorreu ou estava ocorrendo em lugares
como a Coreia, Taiwan e a Indochina. O confronto era geralmente limitado a pequenos
conflitos, geralmente envolvendo o uso de conselheiros, instrutores e pessoal
especializado dos dois países. Após a Guerra da Coreia, os EUA realizaram uma
série de voos diretos de reconhecimento sobre a União Soviética, alguns
secretos e altamente bem-sucedidos e outros que resultaram em abates e
diplomacia tensa, como o incidente do U-2 de Francis Gary Powers em 1960. Para
continuar reunindo informações, os EUA precisavam desenvolver métodos cada vez
mais sofisticados à medida que a defesa aérea soviética se tornava mais
avançada. Aeronaves como o Lockheed SR-71A Blackbird e modernos satélites de vigilância
foram desenvolvidos para tais missões.
O Xá do
Irã, um fiel aliado dos EUA que chegou ao poder com a ajuda de um Golpe de
Estado organizado pela CIA nos anos 50, ofereceu-se para financiar operações de
vigilância e inteligência militar contra a URSS como parte de ajudar os
esforços norte-americanos na Guerra Fria. O Xá temia a União Soviética, em
particular o relacionamento com o vizinho (e rival) Iraque. A CIA, a empresa
aeronáutica Rockwell International e o empresário iraniano Albert Hakim (mais
tarde envolvidos no “Caso Irã-Contras”) pagaram diversos subornos a membros influentes
do governo do Xá, na área de Defesa, para obter o sinal verde do governo iraniano
para facilitar o estabelecimento das operações no país contra a URSS.
A
Operação Dark Gene e a Operação Ibex foram duas maneiras pelas quais os
iranianos poderiam ajudar devido à sua localização estratégica, entre a URSS e
o Golfo Pérsico. A geografia do território iraniano, repleto de grandes
montanhas e vales profundos, ofereceu ao programa uma vantagem única, pois a
cobertura do radar soviético tinha grandes buracos. A princípio, pilotos
norte-americanos que pilotavam aeronaves iranianas operavam independentemente,
mas com o tempo o pessoal iraniano se envolveu mais e começaram a realizar suas
próprias operações.
Em um determinado
ponto durante as operações, devido ao risco de os pilotos ejetarem sobre a
URSS, foram criadas diferentes desculpas para explicar por que os pilotos norte-americanos
seriam encontrados voando em aviões de combate com marcas iranianas sobre a
União Soviética. A desculpa que eles usariam foi que os pilotos da Força Aérea
dos Estados Unidos (USAF) estavam treinando os pilotos da IIAF em suas novas
aeronaves e simplesmente se perderam. Normalmente, nesse estágio, um iraniano
pilotava enquanto um oficial da USAF sentava no assento do navegador.
Como as
operações continuaram, os EUA forneceram à Imperial Força Aérea Iraniana
aeronaves avançadas no estado-da-arte, que não foram oferecidas a mais nenhum outro
país na época, como o McDonnell Douglas RF-4C Phantom II (recheado com uma sofisticada
e exclusiva suíte ELINT, sendo considerado os F-4 mais caros do mundo) e o Grumman
F-14 Tomcat, que além de ter sido enviado para o Irã para combater os MiG-25 de
reconhecimento que ocasionalmente sobrevoavam o território iraniano em alta velocidade, também provavelmente
foram equipados com uma moderna suíte de reconhecimento eletrônico, superior até
do que os caças da Marinha dos Estados Unidos (USN) eram equipados. Essas
operações terminaram com a Revolução Iraniana em 1979 e supõe-se que o equipamento
ELINT tenha sido tomado pela sucessora Força Aérea da República Islâmica do Irã
(IRIAF).
Os RF-4C/E iranianos eram os F-4 mais avançados do mundo, com equipamentos que nem as versões norte-americanas possuíram. |
O "Projeto
Ibex"
O Projeto
Ibex estava intimamente ligado ao Projeto Dark Gene. Os mesmos aeródromos foram
utilizados e as operações foram realizadas em conjunto. Em essência, eles podem
ser considerados a mesma operação, cada um com objetivos separados e
sobrepostos. Uma das vantagens de operá-los juntos foram os dados dos sistemas
ELINT que poderiam ser coletados quando as defesas aéreas soviéticas fossem
ativadas por uma aeronave do Projeto Dark Gene que foi detectada. As emissões e
atividades resultantes seriam registradas pelas aeronaves do Projeto Ibex no
lado iraniano da fronteira.
Financiados
pelo Xá, os postos de escuta foram construídos no norte do Irã pela CIA. Após a
Revolução Iraniana, o Irã manteve as instalações em “condição impecável”,
apesar de ter pouco ou nenhum conhecimento sobre como operá-las, devido a fuga
dos especialistas norte-americanos e iranianos fiéis ao antigo regime. Com o
potencial de fornecer informações sobre movimentos de tropas iraquianas, antes
e no início da Guerra Irã-Iraque, um ex-funcionário da CIA, chamado George
Cave, aconselhou o governo interino do Irã a usar o sistema.
Em combate
Cerca de
quatro a seis aeronaves envolvidas no projeto podem ter sido derrubadas por
interceptadores soviéticos. Duas das aeronaves não confirmadas, mas
reivindicadas pelos soviéticos, foram um RF-5B pilotado por pilotos
norte-americanos e um RF-5A, pilotado por pessoal da IIAF, em missões de
reconhecimento pela União Soviética adentro.
O Northrop RF-5B da IIAF também participou do Projeto Dark Gene (na foto, um F-5F iraniano). |
No dia 28
de novembro de 1973 houve um engajamento entre uma aeronave RF-4C pilotada pelo
major Shokouhnia da IIAF e o coronel da USAF John Saunders, no banco traseiro,
e um Mikoyan MiG-21 Fishbed soviético pilotado pelo capitão Gennadii N.
Eliseev. O piloto soviético disparou dois mísseis Vympel K-13 na aeronave
iraniana, não conseguindo atingí-la. Ele recebeu ordens do
controle de solo para continuar seu ataque a qualquer custo e, com o canhão
emperrado e sem mísseis, resolveu colidir com a aeronave iraniana. Ele atingiu
a cauda do RF-4C com sua asa (o momento do abalroamento está representado na imagem que abre esse artigo) e depois, após perder o controle, chocou-se em velocidade supersônica contra uma montanha, não conseguindo ejetar-se a tempo. Foi o
primeiro abalroamento de jato a jato por uma aeronave soviética durante uma
interceptação, uma prática comum durante a Segunda Guerra Mundial. O capitão Eliseev foi condecorado
postumamente como um Herói da União Soviética. A tripulação da aeronave RF-4C
ejetou com sucesso, mas foi capturada pelas forças terrestres soviéticas e
liberada após 16 dias.
Em 1978, quatro
Boeing CH-47C Chinook iranianos entraram na União Soviética enquanto supostamente
efetuavam uma missão de treinamento (os soviéticos posteriormente acusaram os helicópteros
de estarem efetuando uma missão ELINT). Um foi abatido e outro danificado por
um Mikoyan MiG-23 Flogger soviético. A interceptação possivelmente ocorreu
devido ao Projeto Dark Gene, pois os soviéticos haviam aumentado suas defesas
aéreas na fronteira iraniana em resposta a incursões anteriores.
Um Boeing CH-47C Chinook da IIAF. |
Equipamento
As bases
aéreas envolvidas foram operadas em conjunto pela CIA e pela IIAF e protegidas
por minas terrestres e arame farpado. Como parte da conexão com o Projeto Ibex,
haviam cinco instalações em locais isolados para monitorar as comunicações na
União Soviética. O contato deles com o mundo exterior foi mantido pelo ressuprimento
aéreo apenas através de aeronaves de Havilland Canada DHC-4 Caribou. O
equipamento especial foi fornecido pela Rockwell International e o
financiamento foi amplamente fornecido pelo governo iraniano.
Outras
aeronaves utilizadas durante o projeto, todas com marcas da IIAF mas operadas
por pessoal norte-americano e iraniano: McDonnell Douglas RF-4C/E Phantom II, Northrop
RF-5A/B Freedom Fighter, Boeing 707, Lockheed C-130H Hercules e o de Havilland
Canada DHC-4 Caribou (apoio logístico).
A maioria
das aeronaves a seguir tinha pacotes de guerra eletrônica personalizados
instalados para suas missões. O Boeing 707, por exemplo, tinha treze
tripulantes operando equipamentos de vigilância interna. Foram utilizados
receptores de banda larga e banda estreita. Os RF-5A/B possuíam um equipamento de reconhecimento mais simples, enquanto os RF-4C/E possuíam equipamento bem mais sofisticado.
Os Boeing 707 da IIAF também participaram do Projeto Dark Gene, sendo equipados com sofisticados equipamentos eletrônicos. |
Por Luiz Reis,
Professor de História da Rede Oficial de Ensino do Estado do Ceará e da
Prefeitura de Fortaleza, Historiador Militar, entusiasta da Aviação Civil e
Militar, fotógrafo amador. Brasiliense com alma paulista, reside em
Fortaleza-CE. Luiz colaborou com o Canal Arte da Guerra e atua esporadicamente nos blogs da Trilogia
Forças de Defesa e no Blog Velho General, também fazendo parte da equipe do GBN Defense.
Presta consultoria sobre História da Aviação. Contato: [email protected]
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