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domingo, 7 de junho de 2020

"Operação Ópera" - O ousado ataque israelense à usina nuclear iraquiana

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Há exatos 39 anos, Israel lançara o mais ousado e impensável ataque contra as instalações nucleares do Iraque de Saddam Hussein, e você vai conhecer um pouco sobre esta incrível operação executada no dia 7 de junho de 1981, contra a usina nuclear de Osirak, sepultando os sonhos de Saddam em obter sua arma nuclear, conhecida como “Operação Ópera”.

A “Operação Opera”, também conhecida pelo seu codinome “Babilônia”, envolvendo um grande esforço de planejamento, e o alto nível de secretismo que envolvia a operação, representava o divisor entre o sucesso e o fracasso daquela missão.

Antes de falar do ataque, é preciso entender o cenário que levou Israel a optar por esta solução contra uma potencial ameaça à sua integridade. Algo que Israel assimilou após os confrontos contra seus vizinhos nos anos 60 e 70, era que a melhor defesa era o ataque preventivo, neutralizando as ameaças antes que as mesmas se tornassem efetivas.

Tudo começou em 1976, quando Saddam Hussein assinou um acordo de cooperação nuclear com a França, o que incluía a construção de um reator nuclear classe Osíris, alegadamente para fins pacíficos, e esse acordo envolveria a venda de urânio enriquecido ao governo de Bagdá, declarado inimigo de Israel.

Diante do cenário complexo, Israel ainda tentou dissuadir a França à cancelar o programa de cooperação nuclear, mas o mesmo não teve efeito. E a opção de lançar um ataque ao reator foi colocada na mesa como uma opção em 1979. Era consenso no alto comando israelense que uma ação deveria ser realizada antes que o reator entrasse de fato em operação, eliminando os riscos de gerar uma catástrofe nuclear, a qual poderia liberar uma onda de radiação que poderia se espalhar por uma grande área, afetando milhares de pessoas e podendo atingir outros Estados, o que poderia desencadear uma retaliação conjunta contra Israel, isso sem contar a imagem negativa que a ação teria mundialmente.

Segundo dados de inteligência coletados pelo Mossad, o reator deveria estar pronto para operação entre julho e setembro de 1981. Israel se valeu de diversos meios não convencionais para lidar com a situação, e há indícios que a morte do físico egípcio Yehia El-Mashad, responsável pelo programa iraquiano, encontrado morto a pauladas em Paris em junho de 1980 tenha haver com uma ação do Mossad. Além da morte do físico egípcio, outros fatos estranhos envolvendo empresas ligadas ao programa iraquiano ocorreram, como as explosões que danificaram as instalações de empresas italianas e francesas suspeitas de participação no programa. Tais ações não obtiveram sucesso, a última alternativa antes de optar pelo ataque era uma mudança do governo francês, porém, ao assumir a presidência, em 1981, François Mitterrand jogou uma pá de cal nas esperanças de uma solução política para o impasse, anunciando que novas transferências de tecnologia nuclear não seriam realizadas, mas que os contratos em curso seriam respeitados. Não havia outra saída à Israel senão atacar a Usina de Osirak.

O ataque surpresa que teve seu planejamento iniciado quase um ano antes de ser executado com grande precisão, colocou tal ação na história como um dos mais ousados e eficazes ataques aéreos já lançados, marcando o bem-sucedido emprego de uma das melhores e mais vendida aeronave projetada no final dos anos 70, o General Dynamics F-16A Fighting Falcon, sendo considerado seu batismo de fogo, apesar de ter abatido com seu canhão um helicóptero Mil Mi-8 sírio dois meses antes do ataque à Osirak.

O bombardeio cirúrgico surpreendeu o mundo, mostrando a perícia e grande capacidade da Hel HaAvir, a Força Aérea de Israel, e seus recém incorporados F-16A, batizados “Netz” por Israel (Falcão em hebraico). Mostrando que não havia objetivo que Israel não pudesse atacar, nem mesmo dentro do fortemente protegido território iraquiano.

Os Desafios da Hel HaAvir

A operação apresentava uma série de desafios que fariam o mais sensato estrategista repensar muitas vezes seus planos, a começar pela grande distância que envolvia o "raid" israelense, eram mais de 2.000 km entre o ponto de partida e retorno à Usina de Osirak, o que envolvia ainda ter de sobrevoar território de nações hostis, como Jordânia e Arábia Saudita, sem mensurar as modernas defesas aéreas do Iraque no início dos anos 80, era a típica missão suicida.


Além do desafiador trajeto até o bem defendido espaço aéreo iraquiano, que contava com aeronaves modernas como os MiG-23, Osirak era muito bem defendida, como não poderia deixar de ser, contando com uma defesa aérea em camadas, capaz de neutralizar alvos voando a baixas altitudes, bem como aeronaves voando aos 40 mil pés de altitude. A defesa de Osirak era composta por baterias antiaéreas quádruplas ZSU-23-4 Shilka de 23 mm, duas baterias compostas pelo sistema ZSU-57-2 Obyekt 500 de 57 mm e cinco SAM SA-6 com 60 mísseis. Não havia espaço para falhas, qualquer erro poderia resultar no fracasso da missão e na perda não só de suas aeronaves, como também na perda de experientes pilotos de combate.

Os estrategistas da Hel HaAvir receberam muitos dados de inteligência coletados pelo Mossad, sem os quais não teria sido possível lançar tal ataque. A definição do pacote de ataque não foi algo simples, houve um criterioso estudo antes de se definir os recém adquiridos F-16A “Netz” como componente da força de ataque.

A Hel HaAvir possuía ao seu dispor um inventário que dispunha de diversas aeronaves, as quais possuíam distintas capacidades e qualidades que poderiam ser o fiel da balança naquela importante missão. Dentre as cartas que dispunha em suas mãos, Israel contava com uma vasta frota de caças-bombardeiros subsônicos McDonnell Douglas A-4 Skyhawk, além de sua variante localmente desenvolvida do Mirage III, o “Kfir”, ainda no leque de opções figuravam o famoso McDonnell Douglas F-4E Phanton II e o poderoso F-15 Eagle do mesmo fabricante.

Analisando as opções disponíveis e o perfil da missão a ser executada, logo foram descartados o emprego dos “Skyhawk” e “Kfir”, que apesar de boas características para realizar missões de ataque ao solo, possuíam uma “perna muito curta”, sem considerar também algumas limitações em seus aviônicos e sistemas de missão, o que os tornaria um alvo potencial as defesas inimigas.

A dupla da McDonnell Douglas composta pelo F-15 Eagle e o F-4E Phanton II, também apresentavam lacunas com relação as capacidades exigidas para aquela missão em específico. Tendo contra o F-4E Phanton II o seu alto consumo de combustível, somado ao fato de possuir uma tripulação composta por dois pilotos, o que iria representar o risco de perder não apenas um de seus experientes homens, mas sim dois, um custo considerado muito alto, levando em conta que, caso uma destas aeronaves fosse abatida sobre território hostil, uma missão de resgate seria algo muito arriscado e as chances de sucesso seriam muito remotas. Sendo assim, apesar de ser uma aeronave que havia recebido um extenso pacote de modernização, o qual conferiu capacidade de empregar bombas inteligentes, e possuía um moderno sistema de EW e aviônica moderna, o “Phanton II” foi retirado do leque de opções.

O F-15 Eagle no início dos anos 80, era apontado como caça mais moderno do mundo. Capaz de conferir superioridade aérea, o “Eagle” também contava com significativa capacidade realizar missões de ataque ao solo, equipado com radar doppler Raytheon AN/APG-63, o qual não sofria interferência do solo em voos ultrabaixos. Mas os “Eagles” de Israel não contavam com tanques suplementares de combustível, os quais não foram vendidos à Israel, o que seria um fator limitante, somado ao consumo de combustível no perfil de voo que seria realizado naquela missão. Foi então que despontou como opção o F-16A “Netz”.

O F-16A “Netz” se mostrava uma boa alternativa, apesar de nunca ter sido empregado até então numa missão daquela envergadura, e sendo monomotor, o “Netz” tinha a seu favor a reduzida assinatura radar (RCS), a moderna aviônica, capacidade de bombardeio com precisão, empregando variados tipos de bombas, desde as convencionais (burras), até bombas inteligentes, sendo muito manobrável e ágil, apresentando um baixo consumo em relação as demais opções, sendo a opção adotada pela Hel HaAvir.

O “Netz” curiosamente foi fruto de uma compra de oportunidade, originalmente encomendados pelo Irã antes da revolução que colocou os Aiatolás no poder, o que resultou numa abrupta mudança nas relações entre os EUA e o Irã. Assim, os F-16A deixaram de ser entregues ao Irã, representando 75 aeronaves do tipo produzidas e que se encontravam prontas e paradas a espera de um novo comprador.

As aeronaves já haviam sido pintadas no esquema de deserto, quando durante uma visita do então comandante da Hel HaAvir, David Ivri, a Base Aérea de Edwards, os mesmos foram oferecidos à Israel, grande aliado de Washington na região.  O F-16A impressionava por suas qualidades e capacidades de combate, e Israel não perdeu a oportunidade de reforçar suas capacidades com a moderna aeronave, como resultado da negociação, em julho de 1980 chegavam os “Netz” à Israel, compondo três esquadrões.

Outro fato muito curioso, é que, apesar de contar em seu inventário com bombas inteligentes, para o ataque a usina de Osirak foi escolhido o emprego de bombas de queda livre Mk 84 de 2.039 lb, tendo sido justificado seu uso como precaução, pois ainda estavam começando a empregar as novas bombas, e ainda não possuíam confiança suficiente para determinar seu uso naquela missão, mesmo com “Netz” tendo ampla capacidade de empregar tais armas. Uma das alegações que justificam tal opção, é que os pilotos estavam acostumados a empregar a Mk.84, somando a este fator a aviônica avançada do F-16A, capaz de lançar com precisão bombas convencionais, pois seu computador de missão era capaz de realizar em fração de segundos os cálculos para liberar com precisão quase cirúrgica sua carga mortal.

Para missão foi estabelecido que o pacote de ataque seria composto por oito F-16A “Netz”, cada qual dotado de duas bombas Mk.84, o que representava 16 bombas disponíveis para o ataque, o dobro do previsto para que a missão fosse cumprida. Os “Netz” não estariam sozinhos, receberiam cobertura dos F-15 “Eagle”, que se encarregariam de escoltar o elemento de ataque e eliminar qualquer oposição aérea que hipoteticamente surgisse.


O Treinamento

Em outubro de 1980, quando Israel optou pelo ataque à Usina de Osirak, Hel HaAvir já havia definido o perfil do ataque e os meios que seriam empregados na ação. Os “Netz” e suas tripulações foram mobilizados afim de ser preparados para executar a missão.

Todo processo de preparação da missão era mantido em completo sigilo, Israel chegou a construir em escala reduzida a Usina de Osirak para melhor preparar seus pilotos. Diversos estudos foram realizados afim de determinar o melhor perfil de lançamento das bombas. Segundo tais estudos, o ataque deveria ser lançado em voo rasante, conforme já determinado, porém, a liberação das bombas Mk-84 seria realizada em ângulos entre 30 e 40 graus, para que o impacto tivesse melhor resultado contra a estrutura da cúpula do reator, com as espoletas programadas para detonar após a passagem da última aeronave, evitando assim que destroços atingissem uma das aeronaves, levando em consideração o perfil de voo extremamente baixo no ataque.

Hora de fazer história

Era domingo, 7 de junho de 1981, após os últimos preparativos era dada partida nos motores dos F-16 baseados em Etzion. Após a ignição das turbinas e o acerto nos sistemas de navegação, houve um novo abastecimento com motores ligados para complementar os cerca de 140 litros de combustível gastos em solo, só então às 15h55 os “Netz” decolavam rumo à Osirak, decolando com 1.100 kg acima de seu peso máximo de decolagem!

Armados com duas bombas Mk.84 sob suas asas, o “Netz” recebeu ainda um par de AIM-9 Sidewinder para sua defesa nos trilhos na ponta de suas asas. Além de sua reserva interna, as aeronaves receberam um tanque suplementar de 370 galões sob cada asa e no pilone ventral levavam mais um tanque de 300 galões, somando 1.040 galões de combustível extra!

Sob condições normais, o F-16A necessitava de apenas 600 metros para decolar, mas devido ao peso extra que o “Netz” levava nesta missão, os mesmos necessitaram percorrer os 1.700 metros de extensão da pista de Etzion para alçar voo.

Após decolar, o pacote de ataque foi dividido em dois elementos, distanciados cerca de 4km e lateralmente 600m, a escolta era feita por seis F-15 “Eagle”, os quais voavam em três pares, um par cobrindo cada flanco e o terceiro par na retaguarda. A tripulação dos “Eagle” estavam atentas aos seus radares, pois a qualquer momento poderia surgir uma ameaça, e esta teria de ser prontamente neutralizada.

Dentre as hipotéticas ameaças aéreas, figuravam além dos MIG-23, os temíveis F-15 sauditas. Para encobrir tal operação, a Hel HaAvir mobilizou vários meios aéreos, monitorando as comunicações com um de seus 707 AEW&C e um Northrop Grumman Hawkeye E-2C, além destas, Israel mobilizou um KC-130 para manter um par de seus helicópteros Sikorsky CH-53 em alerta para necessidade de lançar uma missão de resgate caso uma de suas aeronaves fossem abatidas.

Afim de distrair as defesas sauditas, um F-15B fora empregado como piquete radar, atraindo a atenção das defesas sauditas para outro setor, o que foi realizado com sucesso, com pacote de ataque passando pelo território saudita sem ser detectado.


O plano de ataque foi traçado levando em consideração as elevações do terreno, uma forma de evitar que fossem detectados pelos radares jordanianos e sauditas. Os israelenses consideraram muitos fatores e situações que poderia ocorrer durante a missão, o que levou a estabelecer uma série de protocolos que deveriam ser seguidos a risca no caso de uma contingência ocorrer, dentre estas hipóteses, foi considerada a possibilidade de uma falha nos motores, assim, os pilotos envolvidos na operação tinham como opção para não comprometer o pacote de ataque e toda operação, realizar uma subida brusca até 150 metros para realizar a ejeção de forma segura. Isso diminuiria a chance de perda do elemento surpresa, uma vez que se a aeronave em pane fosse captada neste momento pelos radares antes de cair, a mesma iria aparecer apenas uma vez nas telas e consequentemente seria interpretado apenas como um eco.

O silêncio de rádio era completo. O grupo se reagrupou pouco antes de entrar em território saudita, seguindo a 90 metros do solo até o Golfo de Ácaba. O trajeto incluiu voar por 40 quilômetros de desfiladeiros, realizando uma grande perícia dos pilotos, um perigoso trajeto de aproximadamente sete minutos até chegarem ao deserto. Neste momento a grande ameaça eram os F-15 “Eagle” sauditas baseados em Tabuk.

Ao cruzar a fronteira do Iraque, o coronel Ze’ev Raz emitiu o código: “Zebra”. O grupo de ataque passava pelas referências até seu objetivo, os “Netz” que até então voavam em baixa velocidade afim de economizar combustível, deram potência em suas manetes e elevaram sua velocidade rumo ao alvo, seus radares foram acionados e os “Netz” agora se agrupavam em quatro elementos.

Os F-15 que escoltavam o grupo de ataque acionam seus pós-combustores, e mudam seu perfil de voo, ascendendo para 6.600 metros passando a adotar um perfil de voo CAP (Combat Air Patrol – Patrulha Aérea de Combate), passando a acompanhar as atividades nas bases aéreas iraquianas.

Os “Netz” estão prontos para o ataque, voando aproximadamente 20km do alvo, às 18h35 avistam o domo de concreto da Usina de Osirak, é chegada a hora da verdade, os pilotos em seus F-16 acionam os pós-combustores, e iniciam uma subida vertiginosa até alcançar os 2.100m. Agora a potência é reduziu no manete, e o “Netz” mergulha com ângulo de 35 graus a cerca de 1.100km/h, o domo do reator de Osirak está travado na mira. Chegando a cerca de 1.100m de altitude o ataque é realizado com lançamento de suas bombas Mk.84, o intervalo é de cinco segundos entre cada bomba.

O tempo de resposta da defesa aérea foi muito grande, e apenas alguns disparos foram feitos durante a passagem do último elemento, o ataque pegou os iraquianos desprevenidos e não houve tempo para reação, os temíveis SAM SA-6 não tiveram como reagir, muito menos os MiG-23 de receber o alerta em tempo hábil para decolar e interceptar a força atacante.

O ataque preciso levou menos de dois minutos para pôr fim aos planos de Saddam Hussein. Foram despejadas dezesseis bombas, das quais, oito atingiram com sucesso a cúpula do reator, as demais atingiram o pátio e instalações próximas.


A após o bem-sucedido ataque, todas aeronaves retornaram inteiras para “casa”, ao chegar a Base Aérea de Etzion, os pilotos foram recebidos com muita comemoração pelo sucesso da ousada missão. Os “Netz” pousaram com muito pouco combustível, e entraram para história com uma das mais ousadas missões de ataque já realizadas. Após a “Operação Ópera”, nunca mais o Iraque retomou seus esforços nucleares.

Por Angelo Nicolaci - Jornalista, editor do GBN News, graduando em Relações Internacionais pela UCAM, especialista em geopolítica do oriente médio, leste europeu e América Latina, especialista em assuntos de defesa e segurança, membro da Associação de Veteranos do Corpo de Fuzileiros Navais (AVCFN), Sociedade de Amigos da Marinha (SOAMAR), Clube de Veículos Militares Antigos do Rio de Janeiro (CVMARJ) e Associação de Amigos do Museu Aeroespacial (AMAERO).

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sexta-feira, 5 de junho de 2020

CVMARJ - 18 anos preservando a memória militar brasileira: Entrevista exclusiva

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No próximo dia 6 de junho, o Clube de Veículos Militares Antigos do Rio de Janeiro (CVMARJ) completa 18 anos de muitas histórias e desafios na sua missão de propagar e preservar uma importante faceta da história militar brasileira. 

O clube surgiu em 6 de junho de 2002, com sua ATA de Fundação sendo assinada no capot de um Jeep de 1942, a data Magna do CVMARJ coincide com a comemoração do "Dia D", dia da invasão da Normandia pelas Tropas Aliadas na II GM. Desde então, o dia 6 de junho marca o inicio de uma trajetória de muito trabalho e desafios para preservar a história da motomecanização das nossas Forças Armadas. Tendo como objetivo resgatar o valor histórico dos veículos militares antigos, focando na rigorosa manutenção da originalidade dos veículos, tendo se tornando uma referência nacional quando se trata de restauração e preservação de veículos militares antigos.

Os desafios são enormes, e principalmente pelo fato de só há pouco tempo as autoridades passaram a dar alguma atenção a esta importante faceta de nossa história militar, embora ainda estejamos muito distantes do ideal, os esforços e a união de civis e militares que fazem parte de clubes como o CVMARJ, tem tomado para si a responsabilidade de manter viva nossa história, não apenas com o acervo de seus sócios, os quais possuem verdadeiras relíquias, e que na sua grande maioria ainda em condições de cruzar nossas estradas e trazer a áurea dos tempos que estes veículos equiparam diversas unidades de nossas Forças Armadas, em especial as viaturas baixadas do Exército Brasileiro tem grande destaque nas coleções, como o consagrado JEEP em suas diversas variantes, mas também resgatando peças históricas no acervo de nossas Forças Armadas e auxiliando na recuperação das mesmas, realizando um minucioso trabalho de pesquisa e restauração de diversos veículos e acessórios do acervo histórico militar brasileiro. 
Nicolaci com nosso entrevistado, Sergio Capella - Presidente do CVMARJ
Ás vésperas de atingir a maior idade, procuramos nosso amigo Sérgio Capella, um ativo defensor da preservação histórica de nossa motomecanização, o qual é membro do CVMARJ desde de 2005, é integrante da diretoria, ocupando a presidência do clube, e é uma das figuras mais emblemáticas quando o assunto são veículos militares antigos, e vamos apresentar a você um pouco melhor a história e a missão desse que é um dos mais famosos e prestigiados clubes de veículos militares antigos do Brasil, o qual teve como um dos fundadores e primeiro presidente, o músico João Alberto Barone, que além de músico já conduziu importantes trabalhos de pesquisa histórica, resultando em livros e documentários sobre a atuação brasileira na IIGM.


Nicolaci (GBN Defense): Como surgiu a ideia de criar o CVMARJ? Qual foi a principal inspiração que levou ao ponta pé inicial?

Capella: Surgiu de iniciativa de um grupo de amigos, os quais possuíam viaturas militares antigas, aqui na cidade do Rio de Janeiro. A força motriz foi a preservação histórica e reunir os apaixonados por estes veículos, possibilitando uma troca de experiências. Os fundadores do CVMARJ usaram a MVPA – Military Vehicles Preservation Association, entidade americana de preservação de viaturas militares antigas, como referência e ponto de partida.

Nicolaci (GBN Defense): Quem foram os fundadores do Clube, e como se conheceram?

Capella: Foram seis amigos que lançaram a pedra angular do CVMARJ, o João Barone, José Delatorre,  Roberto Maués, Rubens Riet, Clélio Galvão e o Humberto Cordeiro, eles fundaram o CVMARJ e constituíram a primeira diretoria, não esquecendo o Geraldo da oficina Mônaco, que ficava em Botafogo, e outros entusiastas. 

Eles se conheceram nas ruas e bares da cidade do Rio de Janeiro, pois quando identificavam alguém, com outra viatura, logo surgia uma conversa e iniciavam uma amizade, pois coadunavam dos mesmos gostos. E a partir daí, resolveram marcar encontros todas as quartas feiras, na orla de Ipanema e Leblon, assim como na Lagoa Rodrigo de Freitas.

Nicolaci (GBN Defense): Qual foi inicialmente o principal foco de vocês ao criar o Clube que agora completa 18 anos?

Capella: O principal foco, inicialmente foi criar uma amizade maior entre os entusiastas da preservação das viaturas militares, estimulando a troca de informações e conhecimentos, promovendo passeios e encontros sociais. 

Nicolaci: Uma instituição como o CVMARJ demanda uma série de requisitos, quais foram os principais desafios e obstáculos enfrentados para criação do Clube?

Capella: Com o crescimento das atividades e aparecimento de outros proprietários de viaturas e entusiastas da causa, formalizar oficialmente o Clube, assinando a ATA de Fundação, o que aconteceu no dia 6 de junho de 2002 sobre o capot de um Jeep de 1942, e isso demandou a criação de uma entidade civil sem fins lucrativos, e lógico, tudo que envolve a criação de algo no Brasil, como um clube, traz consigo burocracia e uma série de normas e exigências, mas nós conseguimos superar todos e estamos completando 18 anos de existência, com muita atividade e fôlego para muito trabalho e novos desafios.

Nicolaci: Quando se fala em preservação da história no Brasil, tudo é muito complicado, quando se trata de história militar então..., sabemos que boa parte de nossa população e mesmo de nosso governo, desconhecem a nossa história e sua importância. Diante disso, como o CVMARJ tem avançado e conquistado tantos adeptos e admiradores no meio civil e militar?

Capella: Com o passar dos anos, o Clube começou a participar de eventos e solenidades cívicas e militares, ganhando confiança e respeito por onde se apresentava. Vivemos em um pais que não preserva sua história, nem seus verdadeiros heróis, então temos que fazer um trabalho de formiguinha, levando a nossa bandeira. 

Com o passar do tempo ganhamos espaço quando mostramos a importância da Motomecanização do Exército Brasileiro (EB), assim como a Participação do Brasil na II Guerra Mundial. Ao longo dos anos vimos que as Forças Armadas, iniciaram atividades de resgate dessa história, com nossa participação  nessa terrível guerra, ligando as Unidades Febianas, mostrando suas participações nos conflitos. A Marinha do Brasil e a Força Aérea Brasileira, também fizeram isso, sendo assim, hoje temos estreita relação com essas Forças e com Associações de Veteranos. 

Somos idealizadores do projeto do Museu Vivo de Viaturas Militares Antigas, levado para a ABPVM – Associação Brasileira de Preservadores de Veículos Antigos, da qual somos um dos fundadores, e que assinou com o Exército esse protocolo, que tinha como finalidade, estreitar relações entre as duas entidades, e trabalhar para identificar, recuperar, apresentar viaturas históricas do Exército Brasileiro, fazer apresentações conjuntas das nossas viaturas com as do Exército, trocar conhecimentos técnicos e informações, entre outros. Esse projeto encontra-se aguardando atualização, pois é de importância estratégica para a preservação dessas viaturas do EB. 

Hoje várias Unidades tem viaturas nos seus acervos históricos, que contam com apoio do CVMARJ. Fazemos atividades, cívicas, militares, sociais e humanitárias, conquistando com isso admiração e respeito, pela nossa postura e conduta, assim como divulgação nas mídias sociais. Hoje temos 80 Sócios ativos no Clube, tanto no Brasil, como no Exterior. Participamos de encenações como a da Rendição de Fornovo, trajando uniformes da II Guerra Mundial, assim como Viaturas da época.

Nicolaci: Quais os principais desafios para se obter, restaurar e manter um acervo de veículos tão diversificado, e que além de tudo desfilam por vários cantos do Rio de Janeiro e muitas vezes fora até do Brasil, como foi o caso da Coluna da Vitória na Itália há alguns anos?

Capella: Temos um universo de viaturas no Clube de mais de 180 veículos, espalhados por todo o Brasil, temos vários grupos de debates e troca de informações, com auxilio da internet, manuais antigos e o trabalho do Diretor Técnico e fundador do Clube, José Delatorre, o qual a maioria das nossas viaturas, já passaram por suas mãos. A Coluna da Vitória de 2015, infelizmente, só teve viaturas europeias, pois as 30 viaturas que preparamos para levar de navio para Itália, não puderam embarcar, por problemas alfandegários, quando já se encontravam no porto de Santos/SP.


Nicolaci: Como é a relação do Clube com as instituições militares? Há apoio e cooperação por parte de nossas Forças Armadas? E como é a atuação do Clube na preservação de peças históricas dos acervos em posse das Unidades?

Capella: Nossa relação é muito boa, já ajudamos a restaurar o JIPANF, do Corpo de Fuzileiros Navais (CFN), uma Dodge Comando do MUSAL, viaturas de Unidades do Exército, como do Regimento Sampaio, do ResI, do 11º GAC, do 21º GAC, do CPOR/RJ, do Esqd Tenente Amaro, 15º R C Mec, assim como informações, manuais e peças para outras Unidades, com objetivo de recuperar, identificar ou melhorar suas apresentações, pois estando inertes, paradas, representam a história da Força. Temos ótima relação com os Grandes Comandos, assim como com a DPHCEX e DECEX.


Nicolaci: Com relação ao Projeto Museu Vivo? Qual seu objetivo e como está sendo o processo de criação deste interessante e ousado projeto?

Assinatura do Projeto Museu Vivo com Exército Brasileiro em 2007
Capella: O projeto do MUSEU VIVO, aguarda sua reativação, com melhorias de fluxos e processos, que visam aumentar a sua eficiência. Como já disse é um projeto de interesse estratégico para a preservação de viaturas históricas do Exército, evitando que tenhamos perda de exemplares, já utilizados pela Força, e que não encontramos mais no Brasil, havendo alguns em mãos de particulares...

Nicolaci: Com relação a identificação de viaturas e peças históricas raras do acervo nacional, como tem sido o desafio de conscientizar autoridades e mesmo cidadãos de sua importância?

Capella: Em 2020, comemoramos os 75 anos da Vitória dos Aliados na II Guerra Mundial, infelizmente essa pandemia, somada por interesses políticos, vem prejudicando as grandes comemorações que estavam previstas em todo o mundo. Como disse esse tema vem ganhando ao longo dos últimos anos, uma grande importância, com maior reverência aos poucos combatentes que participaram do conflito, Unidades utilizando uniformes da II GM, toques para Ex Combatentes, solenidades em Associações de Veteranos, exposições fora de Unidades Militares e etc. 

Sempre que identificamos uma viatura histórica em unidades militares que demandem uma atenção especial e mesmo um trabalho de restauração, entramos em contato com os comandos e informamos sobre a importância dessa viatura para preservação de nossa história e nos disponibilizamos em ajudar na recuperação da mesma. 

Nicolaci: Capella, gostaria que nos contasse um pouco sobre o CVMARJ:

Capella: Sempre lembramos dos fundadores do Clube, que com certeza, nunca imaginariam que o CVMARJ chegasse no atual patamar em que se encontra. Nosso primeiro, e eterno Presidente de Honra, João Barone, é uma referência nacional e mundial sobre os temas que norteiam o modus operandi do Clube, sempre divulgando nosso Clube, sendo um amigo que mesmo afastado por motivos profissionais, sempre nos apoia com sua larga experiência e conhecimentos. 

Outros fundadores continuam conosco, e são tratados com a merecida reverência e respeito. Hoje temos uma marca forte, conhecida no Brasil e no exterior, em breve teremos eleição da nova diretoria e conselho, e com certeza buscaremos melhorias de benefícios para nossos associados, assim como maior divulgação na mídia em geral. Temos atividade mensais, com diversas opções para sócios e familiares, buscando sempre unir os membros do Clube, em eventos diversos. 
Somos uma entidade civil, sem fins lucrativos, que hoje tem uma gestão moderna e objetiva, dentro da finalidade que hoje vivenciamos, com uma evolução constante, junto à sociedade, e as Forças Armadas, tendo muito orgulho de pertencer à um Grupo, que hoje é uma referência nacional.

Nicolaci: Dentre tantos momentos vividos nestes 18 anos de história, qual você consideraria os mais importantes e emblemáticos?

Capella: Vou informar alguns:
  • Assinatura do Projeto do Museu Vivo.
  • Criação da ABPVM.
  • Realização do Encontro Nacional de Veículos Militares Antigos no Forte de Copacabana.
  • Ações Humanitárias, nas tragédias em Itaipava, e no Morro do Bumba, em Niterói.
  • Coluna da Vitória no Brasil  e no Rio de Janeiro.
  • Participação das Comemorações dos 70 anos da Vitória da FEB, na Itália.


Nicolaci:  Hoje como é a composição do CVMARJ? Quantos sócios e viaturas compõe essa grande família?

Capella: Hoje temos a seguinte composição: Presidente, Vice Presidente, Diretor Secretário, Diretor Financeiro, Diretor de Relações Públicas, Diretor Técnico e o Conselho Fiscal com 5 membros.

Temos 80 Sócios, sendo que todos com anuidade de 2019, em dia e mais de 25% com a anuidade de 2020 quitada. Como disse temos mais de 180 veículos militares antigos em diversos estágios de funcionamento, distribuídas em várias cidades do Brasil.


Nicolaci: Sabemos que por todo Brasil temos vários clubes de preservação de veículos militares antigos, qual a principal característica que diferencia o CVMARJ dos demais? E como é a relação entre os diversos clubes? Pois sabemos que há uma associação que congrega esses clubes.

Capella: Além da ABPVM, que congrega 14 Clubes em vária regiões do Brasil, ainda temos Clubes independentes e outros em processo de oficialização, já que praticam os nosso conceitos, mas não estão devidamente organizado. Mantemos contato por telefone, aplicativos, redes sociais e e-mails, assim trocamos informações e conhecimentos, que nos ajudam a evoluir sempre. 

Importante ressaltar  que somos um Clube de Veículos Militares Antigos, não um Clube de carros antigos, nem um Jeep Clube, preservamos a originalidade das nossas viaturas, assim como zelamos pela postura dos nossos Associados em todos os momentos, pois nossas viaturas representam o Exército Brasileiro, não participamos de eventos políticos ou religiosos, pois somos o único Clube do Brasil, que tem autorização para utilizar as identificações antigas das viaturas do Exército Brasileiro, utilizadas até os anos 70.

Nicolaci: Diante dos desafios com a pandemia do COVID-19, quarentena e diversas medidas que tem sido executadas pelos governos estaduais e Federal, como o CVMARJ e seus associados tem enfrentado esse momento? Há alguma ação sendo realizada pelo clube?

Capella: A pandemia, realmente está sendo terrível, sob todos os aspectos, e com certeza está nos causando várias dificuldades, mas com certeza, em breve voltaremos as atividades normais, com certeza o mundo será outro, coisas boas e ruins irão ocorrer, temos que esperar e colocar tudo nas mãos de Deus. Temos trabalhado via e-mails, telefone, aplicativos e redes sociais, mantendo a chapa quente, como diz o João Barone.  Recomendamos aos nossos associados, que mantenham suas viaturas prontas, pois em breve teremos muitas atividades, ainda em 2020

Nicolaci: A Pandemia levou ao cancelamento de todos eventos previstos neste primeiro semestre, como estão os planos do CVMARJ para as atividades públicas após a pandemia?

Capella: Temos previsão do Encontro Nacional em Campinas, Coluna da Vitória em São Paulo, e no Rio de Janeiro, Desfile de 7 de Setembro, Acampamento de Veteranos, Viagens à AMAN, Esqd Tenente Amaro, Exposição em Friburgo, churrasco de confraternização, eleições da nova diretoria e conselho, entre outros eventos.

Nicolaci
: Capella, são 18 anos de atividade, como resumiria o saldo da missão do CVMARJ até aqui, e quais as perspectivas futuras?

Capella: Muito positivo, os fundadores do Clube e Sócios mais antigos, nunca poderiam imaginar que hoje, 18 anos depois daquela assinatura no capot de um Jeep da II Guerra Mundial, na Lagoa Rodrigo de Freitas, iria se tornar uma referência no seu segmento, com toda a humildade que podemos ter, criamos o que chamamos de “FAMÍLIA CVMARJ”, e temos um brado que diz: “VAMOS EM FRENTE”.

Nicolaci: Para fechar, gostaria de agradecer mais uma vez pelo apoio que sempre temos dos nossos amigos do CVMARJ em nossa missão, e quero em nome de todo público que acompanha o GBN Defense, parabenizar os membros do CVMARJ, e dizer que é uma imensa honra ser amigo destes verdadeiros guardiões da história da motomecanização de nossas Forças Armadas, e nada mais justo que abrir aqui espaço para que você deixe uma palavra ao nossos leitores. 

Capella: Eu que agradeço em nome do CVMARJ, principalmente pelo carinho que recebemos de parceiros estratégicos como seu site, nos permitindo contar quem somos e o que fazemos para a sociedade em geral.



Fotos: Acervo CVMARJ /Acervo Rafael Sayão / Acervo Nicolaci

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domingo, 3 de maio de 2020

Advanced Vertical Strike - O projeto V/STOL germano/americano dos anos 60

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Advanced Vertical Strike (AVS) foi um projeto conjunto de desenvolvimento entre os Estados Unidos e a Alemanha Ocidental em meados dos anos 60. O objetivo era desenvolver uma aeronave V/STOL com asa de geometria variável, a qual teria uma concepção bastante avançada para seu tempo, impulsionada por dois motores principais de empuxo vetoriais na parte traseira da fuselagem. 

O desenho da aeronave apresentava algumas soluções atípicas, como as duas entradas de ar no dorso da fuselagem, contando com dois motores a jato de cada lado da fuselagem, posicionados logo após o cockpit, os quais despejariam sua potencia possibilitando a decolagem vertical, os quais seriam empregados durante as operações de decolagem e pouso. 

De acordo com algumas publicações de aviação desse período, os amplos requisitos do AVS eram entendidos como uma aeronave biplace em tandem, com capacidade V/STOL. Deveria atingir a velocidade de Mach 2.2 a 50.000 pés e ter 4-6 motores auxiliares para decolagem montados verticalmente e dois motores com bocal giratório (com propostas da GE, Curtiss-Wright, Continental e Pratt e Whitney). 

De acordo com Cecil Brownlow, na Aviation Week & Space Technology, em maio de 1967, as duas empresas envolvidas no desenvolvimento tiveram algumas diferenças com seu projeto, a proposta da EWR pedia uma estrutura menor e o posicionamento das entradas do motor deveria estar no topo da fuselagem, a Fairchild, por outro lado, propôs que eles estivessem em ambos os lados da fuselagem sob as asas. No momento do referido artigo, foi acordado que os modelos de produção da aeronave por qualquer país seriam conduzidos de maneira unilateral, e esperava-se que a decisão de dar o passo para a fase de protótipo fosse tomada até o final de 1967, porém não haviam fundos disponíveis para o programa.

O projeto foi considerado uma tarefa excessivamente complicada e onerosa para continuar o desenvolvimento. Com a chegada do Panavia Tornado em 1968, um programa multinacional entre o Reino Unido, Alemanha e Itália, o programa  AVS acabou sendo encerrado.


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com Aviation Week & Space Tecnology

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quarta-feira, 11 de março de 2020

As mulheres brasileiras na Segunda Guerra Mundial

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A Segunda Guerra Mundial envolveu o Brasil. Após os navios torpedeados e as grandes manifestações populares, o governo criou um destacamento militar, a Força Expedicionária Brasileira (FEB), que partiu para os campos de batalha da Itália em 1944 (1).
O modelo social de então revelava um mundo essencialmente masculino, onde a mulher estava totalmente voltada para o âmbito familiar.
Por solicitação das enfermeiras norte-americanas, já há três anos em guerra, foi requerido o engajamento de enfermeiras na FEB, permitindo a inserção feminina no campo militar, desencadeando procura significativa pelas escolas de formação por mulheres que emergiram de um mundo familiar, protegido e limitado, e se dispuseram a enfrentar um mundo heterogêneo convivendo com homens militares e mulheres estrangeiras.
As norte-americanas, já detentoras de capital cultural institucionalizado e habitus militar incorporado, estavam adaptadas às rotinas hospitalares desenvolvidas no cenário de guerra, com maior poder de decisão e segurança do que as enfermeiras brasileiras, que foram enfrentar um universo novo e desconhecido.
As brasileiras praticaram um ato ousado, já que a aceitação desse grupamento foi vista com resistência e crítica pela sociedade.
Para atuar no cenário da guerra, foi criado o Decreto-Lei nº 6097, de 13 de dezembro de 1943 (2), com o Quadro de Enfermeiras de Emergência da Reserva do Exército (QEERE), cujas candidatas deveriam ser brasileiras natas, solteiras ou viúvas, ter entre 22 e 45 anos de idade e alguma formação prévia em enfermagem.
Deste modo, 67 enfermeiras, sendo 61 hospitalares e 6 no transporte aéreo, foram integradas ao Serviço de Saúde da FEB, além de cerca de mil e trezentos médicos, dentistas, enfermeiros, farmacêuticos e padioleiros. No mesmo voluntariado, mas em situação administrativa diferente, foram incluídas na Força Aérea Brasileira outras seis enfermeiras.
A maior parte dos diplomas apresentados era de “voluntária socorrista”, curso de três meses ministrado pela Cruz Vermelha Brasileira. Carregando bagagens acadêmicas, experiências e condições econômicas diversificadas, muitas enfermeiras compartilhavam o passado militar no sangue: eram filhas, netas ou sobrinhas de militares.
Algumas descendiam de heróis da Guerra do Paraguai, como Aracy Sampaio, Virgínia Portocarrero e Lúcia Osório (5).
As enfermeiras brasileiras foram selecionadas após iniciarem seu voluntariado em 9 de outubro de 1943, com chamada publicada no jornal “O Globo” (6), quando ingressaram no Curso de Emergência de Enfermeiras da Reserva do Exército (CEERE), que comportou três módulos: parte teórica, preparação física e instrução militar.
O treinamento oferecido representou uma estratégia de homogeneização do comportamento das candidatas, mediante a absorção de um habitus militar e possibilitando-lhes enfrentar um cenário simulado, com as implicações que pudessem advir de uma zona de conflito.
Essa preparação de guerra provavelmente gerou uma mudança significativa nessas jovens, ao demandar grandes esforços para adaptarem-se à Força Armada que passaram a pertencer e à função que deveriam exercer.
Inseridas inicialmente no QEERE como enfermeiras de 3º classe do Círculo de Oficiais Subalternos, foram “arvoradas” Tenentes-Enfermeiras, já no Teatro de Operações, pelo General Mascarenhas de Moraes. Dessa maneira tiveram sua situação profissional e militar regularizadas, reconhecidas legalmente como integrantes do Exército Brasileiro.
As enfermeiras serviram nos hospitais militares, comandados pelos norte-americanos. A proximidade com a linha de fogo variava de acordo com o tipo de hospital (estacionamento, campanha, evacuação).
Isso não as livrou dos perigos da guerra, já que as áreas hospitalares também foram atingidas por bombardeios, incêndios, alagamentos e explosões de minas. Algumas enfermeiras sofreram ferimentos graves em serviço, como Graziela Afonso de Carvalho, evacuada de volta ao Rio de Janeiro, onde passou meses internada no Hospital Central do Exército, com uma fratura na coluna.
Ao todo, 13,43% das sessenta e sete enfermeiras da FEB, nove mulheres, adoeceram ou se feriram e foram evacuadas de volta para o Brasil ou para tratamento mais sofisticado nos Estados Unidos da América (8).
As mulheres militares brasileiras foram obrigadas a absorver outras culturas e novas tecnologias para desenvolver seu trabalho de profissionais de enfermagem, integrando-se à equipe norte-americana, melhor preparada e organizada, num tempo recordista.
A entrada das enfermeiras nesta guerra foi importante para a afirmação da enfermagem moderna, conforme o sistema Nigthingale. Abriram um espaço no campo profissional para a mulher brasileira.
Acredita-se que o primeiro sinal de vida que os soldados feridos identificavam, ao recuperarem a consciência nos hospitais, era a visão das enfermeiras com seus típicos uniformes, sempre exaustas e ocupadas, encarnando a imagem da pátria-mãe cuidando dos seus filhos no front de guerra.
Prestar assistência a pacientes jovens com ferimentos complexos, atuando em equipes mistas com outros profissionais, foi, sem dúvida alguma, uma das lutas que enfrentaram.
Pode-se dizer que as integrantes deste grupamento feminino do Exército Brasileiro travaram inúmeras lutas no sentido de se fazerem ver e se fazerem crer como enfermeiras militares, desde a sua mobilização até o retorno da guerra e a posterior reinclusão no serviço ativo em 1957, respondendo a diversos conflitos nos campos militar, político e social.

Estas enfermeiras foram além dos limites pré-estabelecidos para o universo feminino, acumulando capital simbólico pela atuação nos hospitais do front italiano (9).
Michele Perrot, enfatizando a profissionalização da mulher, citou as enfermeiras, subvertendo o descuido imerecido à memória delas, e deu significado a sua presença e ação, além de revelar a existência de seus poderes.
Sob este aspecto, Perrot afirma que a palavra “poder” está afeita historicamente ao universo masculino, mas usada no plural – poderes – pode ser entendida como “influências difusas e periféricas em que as mulheres têm sua grande parcela”.
Isto significa dizer que as representações dos poderes das mulheres são um vasto tema a ser estudado e, muitas vezes, são “representações antigas, numerosas e recorrentes”, mas que fazem funcionar na prática e de forma secreta o “mecanismo das coisas”.
Ela observou, ainda, que a “guerra iria recolocar dramaticamente cada sexo em seu lugar, sendo o efeito das guerras sobre as relações entre os sexos, na maioria das vezes, conservador e até retrógrado”.
Mas é desta forma, por vezes conservadora e retrógrada, que se pode apreender as investidas dessas mulheres que, mesmo inscritas no universo simbólico masculino, se conectam e ratificam a luta das enfermeiras militares, provando a possibilidade da mulher ser militar e desempenhar as funções que lhe sejam atribuídas.
Outros significados se acumulam e revelam a luta pela profissionalização feminina, bem como a ideologia e a identidade deste grupo de mulheres militares brasileiras, cujo exemplo recai hoje sobre as centenárias Capitão Virginia Maria de Niemeyer Portocarrero e 1º Tenente Carlota Mello, pioneiras enfermeiras do Brasil na Segunda Guerra Mundial.

Por Dra Margarida Maria Rocha Bernardes - Bióloga, enfermeira, especialista, Mestre e Doutora pela UERJ. Pós doutora pela UNIRIO. Membro  da Academia Brasileira de Medicina Militar (ABMM). Professora do Corpo Permanente da Escola Superior de Guerra (ESG/MD).

Coautores:
  Daniel Mata Roque
  Dra Sonia Helena da Costa Kaminitz

Fonte: EBlog

O GBN Defense agradece a autora, Dra Margarida Maria Rocha Bernardes, por compartilhar conosco tão enriquecedor conteúdo, deixando o convite para publicação de seus artigos, partilhando precioso conhecimento histórico com nosso público.

REFERÊNCIAS
(1) SILVEIRA, Joaquim Xavier da. A FEB por um soldado. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 2000.
(2) Exército Brasileiro. Estado-Maior. Estatuto dos militares: Lei nº 6880. Brasília: EGGCF, 1997.
(3) OLIVEIRA, Alexandre Barbosa de. Enfermeiras da Força Expedicionária Brasileira no front do pós-guerra. Tese de Doutorado. Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2010.
(4) MEDEIROS, Elza Cansanção. Eu estava lá. Rio de Janeiro: Ágora da Ilha, 2001.
(5) ROQUE, Daniel Mata; BERNARDES, Margarida Maria Rocha; OLIVEIRA, Alexandre Barbosa de; BLAJBERG, Israel (orgs). Práticas e representações fotográficas do Serviço de Saúde brasileiro na II Guerra Mundial. Rio de Janeiro: AHIMTB, 2019.
(6) MOTTA & SILVA, GLN. Tomo 6. In: MOTTA, AM. História oral do Exército na Segunda Guerra Mundial. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 2001.
(7) ROQUE, Daniel Mata (org). A Veterana: perfil biográfico da 2º Tenente Helena Ramos, enfermeira da Força Expedicionária Brasileira durante a Segunda Guerra Mundial. Rio de Janeiro: AHIMTB, 2019.
(8) BERNARDES, Margarida Maria Rocha. O Grupamento Feminino de Enfermagem do Exército na Força Expedicionária Brasileira durante a Segunda Guerra Mundial. Dissertação de Mestrado. Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2003.
(9) BERNARDES, Margarida Maria Rocha; OLIVEIRA, Alexandre Barbosa de. Enfermeiras brasileiras na Segunda Guerra Mundial. In: GONZÁLEZ, José Siles; OGUISSO, Taka; FREITAS, Genival Fernandes de. (orgs). Enfermagem: história, cultura dos cuidados e métodos. Rio de Janeiro: Águia Dourada, 2016.
(10) PERROT, Michele. Minha história das mulheres. São Paulo, 2016.
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