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sexta-feira, 2 de abril de 2021

Malvinas - 39 anos da Operação Rosário, inicio da Guerra das Malvinas

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Hoje a Argentina relembra a "aventura bélica" que completa 39 anos, estamos falando da "Guerra das Malvinas" ou "Falklands", o confronto entre as forças Argentina e o poderio britânico pela posse das Ilhas no sul do Atlântico que levou ao maior conflito bélico no atlântico após a Segunda Guerra Mundial.

As reivindicações pela soberania sobre as Ilhas Falklands, ou Malvinas, levou ao confronto sangrento que deixou 649 mortos e muitos feridos no lado Argentino e cerca de 255 britânicos mortos.

A disputa não é recente, são mais de 180 anos de reivindicações pelo domínio das ilhas, território que esta no poder dos britânicos desde 1833, mas na visão da Junta Militar que governava a Argentina nos anos 80, a retomada a força do território seria uma boa propaganda para o regime em declínio e garantiria alguma sobrevida, diante do cenário de crescente rejeição popular, com a oposição ganhando cada vez mais força, a ação militar foi encarada como uma saída vital para manutenir o poder.

Denominada "Operação Rosário", a ação consistia numa ação militar coordenada para recuperar o controle sobre as ilhas Malvinas, Geórgia do Sul e Sandwich do Sul que compõe o arquipélago, com uma operação rápida de tomada das ilhas, onde não se esperava uma reação de Londres, conforme se desencadeou.

No dia 2 de abril de 1982, há 39 anos atrás, foi lançada a "Operação Rosário", com as forças argentinas realizando desembarques anfíbios em Port Stanley, capital do arquipélago, iniciando o curto porém sangrento conflito do qual as forças argentinas jamais se recuperaram, a "Guerra das Malvinas".

O primeiro tiro

Logo pela primeiras horas da manhã, ás 5h45, o primeiro grupo das forças argentinas abre fogo contra uma posição dos Royal Marines, destacamento responsável pela defesa das ilhas, a ação não teve uma resposta imediata, e o segundo grupo de ataque avança contra a casa do governador Hunt, major Norman, que a essa altura já havia ouvido os disparos e se preparava para resistir ao ataque. 

selo em homenagem ao CC Pedro E. Giachino

O segundo grupo comandado por Pedro Giachino se dirigiu diretamente à residência do Governador, com intenção de atacá-la pela porta dos fundos. Porém, cometeram um erro e entram no anexo da área de serviço, onde três 
royal marines aguardavam o ataque argentino, e assim que se depararam com o avanço da força argentina abriram fogo. Giachino foi atingido pelos britânicos, e caiu gravemente ferido, enquanto teve inicio um intenso tiroteio entre seus homens e a guarnição britânica. Ali o ataque argentino registrava sua primeira baixa naquele conflito, o Capitão de Corveta Pedro Edgardo Giachino não resistiu aos ferimento, tornando-se assim a primeira baixa da Guerra das Malvinas.

O desembarque prossegue e às 6h20, a companhia E composta por veículos anfíbios LVTP-7 do 2º Batalhão de Fuzileiros Navais, chega em solo e ruma em direção do aeroporto, um dos pontos estratégicos da ilha. A companhia D desembarca pouco depois para tomar o farol.


Quando a companhia E chega às proximidades do antigo aeroporto, enfrenta a reação dos Royal Marines (fuzileiros navais britânicos). Um dos anfíbios LVTP-7 foi atingido por um míssil anti-carro Carl Gustav, apesar de avariado, a tripulação saiu ilesa. A resistência maior que se previa levou a algumas mudanças na operação de desembarque, com  1º Batalhão e uma companhia de lança-foguetes de 105 mm sendo transportados por helicópteros à costa afim de aumentar o poder de fogo e a resposta a resistência oferecida pelos britânicos.

Rendição e Resistência

Diante do cenário totalmente desfavorável, o governador Hunt que contava apenas com 68 Royal Marines e 11 marinheiros decide que a única saída é negociar a rendição frente aos invasores, onde convocou o argentino Héctor Gilobert, argentino residente nas ilhas que foi encarregado de negociar o cessar-fogo. Às 9h30, o governador Hunt se rende, sendo embarcado numa aeronave que o levou para Montevidéu no Uruguai, de onde regressaria à Londres.

Apesar do Governador Hunt ter entregue as Ilhas após um acordo com as forças Argentinas em Port Stanley, nas ilhas Geórgia do Sul, os britânicos mantiveram uma feroz resistência. Na manhã do dia 3, as forças argentinas avançaram para tomar Grytviken, mas enfrentaram a resistência dos 22 fuzileiros britânicos, durante o confronto aguerrido, um helicóptero "Puma" argentino foi abatido pelos Royal Marines, além dos danos causados pelo disparo de misseis anti-carro Carl Gustav contra corveta Guerrico que navegava bem próximo a costa em apoio as forças em terra. 



A feroz resistência da guarnição britânica consegue tirar a corveta de combate, avariando seriamente o navio, deixando inoperante sua arma de 105mm, com a Corveta mantendo fogo apenas com seu canhão de 40mm contra a posição britânica. Após a rendição britânica os argentinos contabilizaram mais três baixas com a morte do cabo Guanca e os soldados Mario Almonacid e Jorge Águila morreram e outros ficaram feridos. 

As forças empregadas pela Argentina:

Cerca de 50 operadores do “Grupo de comandos anfíbios”, aproximadamente 15 mergulhadores de combate dos “Buzos Tácticos” (“Grupo de Mergulhadores Táticos”): a bordo do submarino ARA Santa Fe (S-21), 500 homens do “Batalhão de Infantaria Marinha Nº 2 (BIM-2)”, Vinte veículos anfíbios LVTP-7 e cinco veículos anfíbios LARC-V e helicópteros SH-3 Sea King e Puma.

O passo seguinte

Após a rendição completa dos britânicos, os argentinos prosseguiram com plano, consolidando a ocupação com envio da “25ª Companhia de Regimento de Infantaria (Exército Argentino)”, transportados por aeronaves Lockheed C-130H Hercules da Fuerza Aerea Argentina (FAA).

O clima gerado pela vitória inicial sobre os britânicos passava uma falsa sensação de sucesso, não se esperava uma resposta militar de Londres, dada a grande distância e os desafios que envolveriam uma operação de retomada das ilhas. Assim, os argentinos trataram de renomear as capital, rebatizando Port Stanley como “Puerto Argentino”.

Mas o Reino Unido não demorou na resposta, e ainda no dia 3 de abril de 1982, o Conselho de Segurança das Nações Unidas aprovou a Resolução 502, a qual exigia a retirada imediata de todas as forças argentinas das ilhas e exortando os governos da Argentina e do Reino Unido a procurar uma solução diplomática e pacífica para a situação. Mas ambos não estavam dispostos de ceder, e o pavio queimava rápido, com Reino Unido preparando uma resposta a altura. 

Como aconteceu no ano passado devido à pandemia do Covid-19, muitos argentinos penduraram a bandeira azul e branca nas varandas e janelas das casas como um símbolo de homenagem aos falecidos e a esperança na contínua reivindicação do arquipélago.



Por Angelo Nicolaci - Jornalista, editor do GBN News, graduando em Relações Internacionais pela UCAM, especialista em geopolítica do oriente médio, leste europeu e América Latina, especialista em assuntos de defesa e segurança.


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segunda-feira, 27 de julho de 2020

Índia e China concordam com retirada antecipada e completa do leste de Ladakh em meio a relatos de impasse

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Índia e China concordaram na última sexta-feira (24) com o desengajamento "precoce e completo" das tropas dos pontos de atrito no leste de Ladakh, sustentando que a restauração completa da paz e tranquilidade nas zonas de fronteira era essencial para o desenvolvimento geral das relações bilaterais.

Os dois países analisaram a situação na região durante uma nova rodada de negociações no âmbito do Working Mechanism for Consultation and Coordination (WMCC- traduzindo Mecanismo de Trabalho para Consulta e Coordenação) sobre assuntos de fronteira.

As negociações ocorreram sob contexto de relatos de que as negociações de nível militar entre Índia e China estão diante de um impasse sobre a questão em Ladakh, mesmo quando um consenso foi alcançado durante a quarta reunião no nível de comandante em 14 de julho.

O Ministério das Relações Exteriores (MEA) disse que os dois lados concordaram nas negociações de sexta-feira (24) que outra reunião com seus comandantes do exército poderá ser realizada em breve para definir outras medidas para garantir o desengajamento completo "rapidamente".

“Eles concordaram que o desengajamento precoce e completo das tropas ao longo da Linha de Controle Real (ALC) e a retirada das zonas de fronteira Índia-China de acordo com acordos e protocolos bilaterais e a restauração completa da paz e tranquilidade eram essenciais para o desenvolvimento geral das relações bilaterais ”, afirmou em comunicado.

O MEA disse que os dois lados observaram que isso esta de acordo com o acordo alcançado entre os dois Representantes Especiais durante sua conversa telefônica em 5 de julho. Nas negociações de sexta-feira, o MEA disse que ambos os lados concordaram que era necessário "sinceramente" implementar os entendimentos alcançados entre os comandantes em suas reuniões até a data.

“Os dois lados concordaram que outra reunião dos Comandantes poderá ser realizada em breve, a fim de elaborar outras medidas para garantir o desengajamento e fim da escalada, com a restauração da paz e tranquilidade nas zonas de fronteira com rapidez”, acrescentou o MEA.


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com agências
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segunda-feira, 8 de junho de 2020

China - Tratado Estratégico nos moldes do INF, tiraria 95% de seu arsenal, confira a análise.

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Na manhã desta segunda-feira (8), me chamou atenção um artigo publicado no site Defense News, o qual estava intitulado "China pode perder 95% dos mísseis balísticos de cruzeiro sob pacto de controle estratégico de armas, diz nova análise", o qual traz uma análise sobre um hipotético tratado entre China e EUA, tendo como objeto as capacidades de dissuasão.
Segundo a análise publicada no referido site, tal tratado poderia levar a China a perder quase todo seu arsenal de mísseis balísticos e de cruzeiro, conforme essa avaliação, o que ao meu ver torna inviável qualquer chance de se tornar real um novo tratado estratégico de controle de armas.
A análise sob a qual se debruça o artigo, é intitulada "O fim do Tratado das Forças Nucleares de Alcance Intermediário: Implicações para a Ásia", é um dos capítulos da avaliação anual de segurança regional da Ásia-Pacífico publicada pelo think tank do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos. O relatório do IISS foi divulgado no último dia 5 de junho e aborda tópicos de segurança regional, como relações sino-americanas, Coreia do Norte e política japonesa.
De acordo com as informações dispostas na análise publicada, caso a China assinasse um tratado nos moldes do Tratado das Forças Nucleares de Alcance Intermediário (INF) assinado entre EUA e União Soviética nos anos 80, poderia perder 95% de seu arsenal de mísseis balísticos e de cruzeiro, de acordo com os co-autores do capítulo Douglas Barrie, um membro sênior focado no poder aéreo militar; Michael Elleman, diretor do Programa de Não Proliferação e Política Nuclear; e Meia Nouwens, pesquisador focado na política de defesa chinesa e na modernização militar.
Gorbachev e Reagan assinaram em 1987 o Tratado INF
O tratado firmado entre os Estados Unidos e a União Soviética em 1987, proibiu todos os sistemas de mísseis balísticos e de cruzeiro lançados no solo com alcance entre 500 e 5.500 quilômetros (310 a 3.420 milhas). Os EUA se retirou do Tratado INF que era mantido junto a Rússia, herdeira do poderio soviético, em agosto de 2019, alegando violações russas do acordo, como desenvolvimento e a implantação do míssil 9M279, embora tal violação seja negada pela Rússia, que aponta que o alcance do míssil não viola as restrições de alcance previstas no INF.
O desenvolvimento do míssil de cruzeiro 9M279 pela Rússia é a justificativa dos EUA para ter abandonado o INF
Porém, conforme já sugerimos em alguns debates acerca da saída norte-americana do Tratado INF, nossa posição é confirmada pelo relatório do IISS, o qual na mesma linha de análise que o GBN Defense tem apresentado, a decisão dos EUA de abandonar o Tratado, tem mais haver com o aumento das capacidades chinesa na faixa de alcance que o INF limita as capacidades de proliferação do arsenal norte-americano, o que claramente coloca os EUA em uma posição bastante incomoda e estrategicamente desvantajosa, com a China sendo detentora do maior estoque mundial de mísseis balísticos de curto e médio alcance. Os números do IISS estimam que a China possui mais de 2.200 mísseis que estariam sujeitos às restrições do Tratado INF.
Esses mísseis de curto e médio alcance são importantes na política chinesa de manter pressão sobre Taiwan, que é vista como uma província "rebelde" pelo governo chinês. Tal arsenal apesar de ser descrito como dissuasório com fins defensivos, apresenta grande potencial ofensivo, o que coloca a China numa posição vantajosa no cenário regional. O alcance dessas armas, influência diretamente no equilíbrio de forças na Ásia, além de representar uma grande ameaça aos interesses dos EUA na região, vendo sua hegemonia ameaçada pelo avanço chinês.
Por sua vez, Washington não assiste de braços cruzados o avanço chinês que começa a confrontar a posição hegemônica dos EUA na região da Ásia-Pacífico. Como resposta aos intentos chineses, os EUA já começaram o desenvolvimento e testes com mísseis que possuem alcance e características antes proibidos pelo tratado INF, os quais devem ser implantados na região em resposta ao avanço chinês, sendo uma forma reequilibrar o tabuleiro geoestratégico na Ásia-Pacífico. 
O relatório divulgado ainda alerta que há um risco duplo de enviar essas armas para a Ásia-Pacífico. A principal delas é aumentar as tensões com a China, elevando as preocupações chinesas com relação aos objetivos de se implantar tais mísseis na região, sendo encarados como uma postura agressiva, uma vez que são interpretados como sendo posicionados contra a China, aumentando o potencial de uma resposta da China que possa levar a um "ciclo de ação-reação no desenvolvimento e implantação de novas armas" e um contínuo aumento na instabilidade regional.
Os EUA tem que avaliar outro importante ponto, onde seria implantado tais armas, uma vez que o apoio de parceiros regionais a iniciativa, cedendo seu território para implantação do sistema de mísseis dos EUA, resultaria em uma reposta política e econômica de Pequim, a qual poderia trazer grande prejuízo á economia do país, além de tornar o mesmo um potencial alvo diante de uma remota e hipotética resposta militar chinesa no caso de uma crise ou conflito futuro com os EUA, cenário muito remoto e descartado por muitos especialistas e análises, inclusive a nossa. Quanto ao território norte-americano de Guam, os mísseis teriam limitada utilidade devido às distâncias envolvidas.
O relatório do IISS também levantou questões sobre se a posição adotada pelos EUA de desenvolver e implantar armas anteriormente proibidas pelo Tratado INF levarão ou não a China à mesa de negociação para se estabelecer um tratado de controle de armas. No entanto, acredito que a China dificilmente se voltaria para possibilidade de assinar qualquer acordo ou tratado que venha a frear seu avanço na disputa pela hegemonia regional, e os intentos de posicionar o país como um player que possa contestar de igual para igual a posição norte americana no cenário mundial.

Por Angelo Nicolaci - A análise aqui publicada conta com informações e dados fornecidos pelo site Defense News, os quais se mostram dentro do escopo das análises e estudos realizadas ao longo de anos de trabalho e pesquisa à frente do GBN Defense no que se refere ao cenário que se desenvolve na Ásia-Pacífico.

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sexta-feira, 27 de março de 2020

Vitória ou derrota? A Doutrina Powell em ação

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O que é a vitória numa guerra? O simples fato de haver dúvidas, em vários casos, sobre quem venceu determinada guerra, já é um indicativo de que não é fácil responder a essa pergunta. Entre os exemplos que vêm à mente estão os EUA na Guerra do Vietnã e Israel na Segunda Guerra do Líbano de 2006.

Aliás, foi justamente o desempenho, digamos, questionável dos EUA no Vietnã que inspirou o Gen Powell - Chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas dos EUA durante a Guerra do Golfo (1990-1991) - a pensar num conjunto de doutrinas que foi apelidado por jornalistas como “Doutrina Powell”.




O TRAUMA PÓS VIETNÃ

Até hoje a pergunta “Os EUA venceram a Guerra do Vietnã?” suscita grandes debates. E as razões são várias.

A primeira delas é que a segurança imediata dos EUA não estava ameaçada pelo avanço do comunismo no Vietnã. Muitos vão invocar a famosa observação que “é fácil ser engenheiro de obra pronta”, e de fato o pensamento de hoje é diferente do que era na época, mas o fato é que a segurança direta dos EUA nunca esteve sob perigo por ação vietnamita.

Talvez por esse motivo, o apoio da população americana à guerra nunca foi grande, especialmente em relação às convocações. O clima anti-guerra teve no Vietnã o seu auge, justamente porque muitos não entendiam, ou não aceitavam, as justificativas dadas pelos governantes para enviar os jovens para lutar “do outro lado do mundo” sem que a segurança nacional estivesse ameaçada.

Outro ponto importante naquela guerra foi a enorme ingerência política sobre as decisões militares, sendo frequentes os casos em que até mesmo situações táticas, por exemplo fornecer apoio de fogo a tropas em contato, exigiam aprovações por instâncias superiores e até mesmo de políticos, com várias missões dependendo de aprovação pessoal do Presidente. Com o processo decisório demorando tanto, e com a decisão muitas vezes tomada por pessoas com pouco ou nenhum conhecimento militar, a eficiência das FA (Forças Armadas) americanas era consideravelmente reduzida, a despeito dos meios disponíveis. O receio de que a China ou a URSS entrassem diretamente no conflito foi um dos principais motivos por trás desse nível de ingerência.

Uma “irmã gêmea” da ingerência política foi a relutância em comprometer os recursos humanos e materiais necessários. Não foram raras as ocasiões em que foram utilizadas forças insuficientes para atingir determinados objetivos, ou que planos que envolvessem grandes forças fossem adiados, rejeitados ou tivessem seu poder diminuído em face de considerações políticas.

Vários países viam a guerra como ilegítima ou desnecessária. Essa falta de consenso internacional era outro motivo que levou à ingerência política, e o receio de evitar cenas como a devastação das cidades causadas pela Segunda Guerra Mundial, eram grandes motivadores da ingerência política e da relutância em comprometer os recursos necessários.

A junção de todos estes fatores levou os EUA a adotarem, por longo tempo, ações de guerra limitada: alguns políticos acreditavam que ações pontuais, sem recorrer a uma grande invasão (como o Dia D) ou ações de destruição das principais cidades norte-vietnaminas (como aconteceu nas “tempestades de fogo” sobre Dresden e Tóquio), ou pelo menos a destruição de alvos estratégicos em Hanói e Haiphong, seriam suficientes para conter o Viet Cong.

Todos sabem a história - a “guerra limitada” levou a um imenso número de baixas entre civis e militares vietnamitas, e também entre militares americanos, além da devastação do país. Ou seja, os efeitos limitados pretendidos não foram alcançados. Ademais, e apesar do tratado de paz assinado por Ho Chi Minh em 1973 (o que é visto como vitória americana, dependendo do ponto de vista), o Vietnã do Sul acabou por ser conquistado pelo Vietnã do Norte em 1975 (o que é visto como derrota americana, dependendo do ponto de vista).

O grande número de baixas americanas, a oposição da população americana à guerra, os grandes custos financeiros do conflito não conseguiram impedir o avanço do comunismo na região - que era, ostensivamente, o que os EUA quiseram evitar com a guerra.




A “DOUTRINA WEINBERGER”

Nos anos 1980, algumas ações militares dos EUA foram duramente criticadas pela população e por especialistas, como a presença dos Marines no Líbano (que terminou com o trágico atentado contra os quartéis americanos em Beirute, em 1983, com a morte de mais de 200 fuzileiros) e a invasão de Granada (um pequeno país no Caribe).

O então Secretário de Defesa, Casper Weinberger, proferiu, durante uma palestra na renomada Academia Militar de West Point em 1984 (ou seja, cerca de 10 anos depois do Vietnã), alguns princípios que deveriam nortear as ações militares americanas. Estes princípios foram depois chamados de “Doutrina Weinberger”, e nortearam as ações militares americanas na segunda metade dos anos 1980.

Resumidamente, a “Doutrina Weinberger” postula:

1. Os EUA não devem enviar tropas, a menos que interesses vitais dos EUA ou de um aliado estejam diretamente ameaçados.

2. Caso se decida por enviar tropas, o apoio deve ser total, ou seja, devem ser garantidos os recursos materiais e humanos para cumprir a missão.

3. Caso se decida por enviar tropas, os objetivos políticos e militares devem ser claramente definidos, e os recursos alocados devem ser grandes o bastante para se atingir estes objetivos.

4. O comprometimento e a capacidade das tropas americanas devem ser avaliadas continuamente, e eventuais ajustes devem ser implementados sempre que necessário.

5. Antes de comprometer as tropas americanas, o povo americano e seus representantes eleitos devem ser assegurados da necessidade e da solidez de tal comprometimento.

6. Este comprometimento deve ser o último recurso, a ser utilizado apenas quando alternativas diplomáticas forem esgotadas.

Com estes princípios em mente, a invasão americana ao Panamá, entre dezembro/1989 e janeiro/1990, foi bastante rápida e com poucas baixas entre os militares americanos. Da mesma forma, os EUA não enviaram tropas ao Afeganistão na sua guerra contra a URSS, mas enviaram dinheiro e armas, emulando o que os soviéticos fizeram contra os EUA nas décadas anteriores.

Mas o maior teste à Doutrina Weinberger viria na década de 1990.




DOUTRINA POWELL

O Gen Powell, Chefe do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas dos EUA durante o governo “Bush Pai”, aprofundou ainda mais os princípios estabelecidos por Weinberger, e os princípios da “Doutrina Powell” ou “Doutrina Weinberger-Powell” nortearam a esmagadora vitória sobre o Iraque na Guerra do Golfo (1990-1991).

Nas palavras do próprio Powell, constantes no documento “Estratégia Militar Nacional dos EUA”, publicado cerca de 1 ano depois da Guerra do Golfo:

Uma vez tomada a decisão pela ação militar, meias medidas e objetivos confusos cobram um preço elevado na forma de um conflito prolongado que pode causar desperdício desnecessário de vidas humanas e recursos materiais, uma nação dividida em casa e derrota. Portanto, um dos elementos essenciais de nossa estratégia militar nacional é a capacidade de reunir rapidamente as forças necessárias para vencer - o conceito de aplicar força decisiva para subjugar nossos adversários e, assim, encerrar conflitos rapidamente com perda mínima de vidas.

Powell dizia que o alto comando civil e militar deveria responder a 8 perguntas antes de se comprometer com o envio de tropas:

1 Algum interesse vital está ameaçado?

2 Há um objetivo claro e alcançável?

3 Os riscos e custos foram analisados com franqueza?

4 Os meios não violentos já foram totalmente esgotados?

5 Há uma estratégia de saída plausível para evitar que a guerra se arraste indefinidamente?

6 As consequências de nossas ações foram cuidadosamente avaliadas?

7 A guerra é apoiada pelo povo americano?

8 Há um apoio internacional amplo e genuíno?

Comparando-se a Doutrina Powell com a Doutrina Weinberger, além das grandes semelhanças, observa-se também um cuidado essencial - não entrar em conflitos que se arrastem indefinidamente. A Guerra do Vietnã tinha sido, até aquele momento, o conflito mais prolongado em que os EUA estiveram envolvidos com o envio de tropas, e esses estrategistas queriam, a todo custo, evitar um “novo Vietnã”.

Outro exemplo claro da aplicação destes princípios foi a Guerra dos Bálcãs , mais especificamente a Guerra de Kosovo de 1999, em que a OTAN se limitou a praticamente usar o poder aéreo, com pouco envolvimento de tropas em terra.




ABANDONO DA DOUTRINA POWELL

O Século 21 trouxe consigo o 911 (ataques terroristas do 9 de setembro de 2001) e a GWOT (guerra mundial contra o terrorismo), que levariam a um abandono dos princípios delineados por Powell. O resultado foram guerras bastante prolongadas no Afeganistão (2001) e no Iraque (2003), que se arrastam até hoje; cada uma delas ultrapassou o Vietnã, e a Guerra do Afeganistão já é a mais prolongada da história americana.

Um dos principais fatores que levaram à derrota dos EUA na GWOT - o terrorismo não foi erradicado, afinal - é justamente o fato de o objetivo ser vago e inatingível. Como o terrorismo é causado por diversos fatores, não é uma guerra, ou várias, que vai eliminar o problema. Junte-se a isso o fato que  nem o Presidente “Bush Filho” nem o Presidente Obama deram aos militares todos os recursos que foram pedidos, complicando ainda mais a situação.

Aliás, cabe aqui um parêntese interessante - da mesma forma que a URSS na década de 1980, os EUA se prepararam mal contra o Afeganistão, fazendo valer, outra vez, o apelido “Cemitério de Impérios”.

Obama complicou ainda mais a situação ao anunciar unilateralmente a saída do Iraque, sem alcançar com isso nenhum resultado tangível dos insurgentes, e ao enviar tropas, ainda que em quantidades reduzidas, para a Síria - e isso depois de não cumprir a promessa de atacar a Síria caso o país usasse armas químicas.




RETORNO À DOUTRINA POWELL

O Presidente Trump, por sua vez, parece determinado a voltar à Doutrina Powell. Além de retirar as tropas da Síria e anunciar o fim da Guerra do Afeganistão (depois de costurar um acordo com os Taleban), já prepara a saída do Iraque, condicionando-a a obter vantagens financeiras do país.

É digno de nota que o Presidente Trump também não começou nenhuma guerra, mas não deixou de atacar o Irã depois de um ataque à embaixada americana em Bagdá, um total contraste com o Presidente Obama, que nada fez em relação a 4 americanos mortos na embaixada da Líbia.

O Presidente Trump também realizou alguns ataques contra a Síria e o Irã, mas tem sido cauteloso o bastante para não começar uma guerra aberta com estes países.

Duas ferramentas tem sido essenciais para esses 3 últimos Presidentes dos EUA - ataques com mísseis de cruzeiro (como o BGM-109 Tomahawk) e com drones (como o MQ-9 Reaper). Apesar das críticas pelo uso destes meios, ficou evidente que nenhum país está disposto a começar uma guerra aberta contra os EUA devido a tais ataques de escopo limitado, o que está de acordo com a Doutrina Powell - usar os meios necessários para atingir os objetivos em mente. É provável que, se tais meios não estivessem disponíveis, os EUA teriam que recorrer a ataques mais expressivos, como os da Operação El Dorado Canyon de 1986 contra a Líbia.

Outra ferramenta bastante utilizada, desde a Segunda Guerra Mundial, são as operações de forças especiais, seja em ataques diretos, seja através de insurgentes.




ISRAEL E A DOUTRINA POWELL

Não é segredo pra ninguém que Israel se inspira militarmente nos EUA. Tanto é assim que as IDF (Forças Israelenses de Defesa) tentaram imitar a postura americana na Guerra de Kosovo de 1999, com o objetivo de derrotar o Hizballah sem enviar tropas ao Líbano em 2006. O assunto é tratado com mais detalhes no artigo Segunda Guerra do Líbano (2006).

Embora o Hizballah fosse, e continue sendo, uma grande ameaça aos interesses vitais de Israel e não seja muito aberto a negociações diplomáticas, dando poucas alternativas à intervenção militar, o Primeiro Ministro Ehud Olmert não foi capaz de articular objetivos claros e alcançáveis (o objetivo de erradicar o Hizballah era, e é, inatingível por meios puramente militares) e nem se propôs a dar às IDF os meios necessários para atingir os objetivos - o envio de tropas terrestres foi postergado várias vezes, um sinal claro de que o governo israelense não estava comprometido com a guerra que começou.

Entretanto, o Hizballah seguiu atacando o norte de Israel a um ritmo de mais de 100 foguetes por dia, levando a um colapso econômico na região, e vários protestos populares contra o governo e às IDF. O fato que as próprias IDF relutavam em enviar tropas, apesar de a situação claramente exigir tal atitude, complicou ainda mais a situação, e a guerra se arrastou por 33 dias, terminando após ambos os lados aceitarem a intermediação da ONU.

A vitória israelense no Líbano, assim como a vitória americana no Vietnã, não foi inquestionável. A destruição no Líbano foi muito grande e o Hizballah praticamente parou os ataques contra Israel, situação que se mantém até hoje, 14 anos depois, e isso claramente conta a favor de Israel. Entretanto, o alto comando do Hizballah permaneceu praticamente intocado, e seu poder, tanto militar quanto na política interna do Líbano, são maiores do que em 2006, o que conta como derrota para Israel.

Após a guerra, e como é de costume em Israel, foi estabelecido um Comitê para fazer uma investigação, que em vários aspectos se assemelha a uma CPI, liderada pelo Ministro da Suprema Corte Israelense (aposentado) Eliyahu Winograd. O relatório deste Comitê, geralmente chamado Relatório Winograd, foi bastante duro com o alto comando militar e político do país, e suas conclusões e recomendações lembram vários pontos da Doutrina Powell.

As IDF aprenderam as lições do Relatório Winograd. Já no final de 2008, pouco mais de 2 anos após a performance questionável no Líbano, Israel atacou o Hamas em Gaza, a chamada Operação Chumbo Fundido, uma das várias campanhas contra o regime no poder na Faixa de Gaza. Desta vez, os objetivos israelenses foram muito bem definidos (principalmente reduzir a escala dos lançamentos de foguetes e morteiros contra a região sul de Israel) e as tropas em terra foram enviadas tão logo os ataques aéreos “amaciaram” as defesas do Hamas.

O resultado foi uma guerra muito mais rápida, durando apenas 21 dias, e durante esse tempo o Hamas causou poucos danos a Israel. A guerra terminou através de uma decisão unilateral do Alto Comando israelense, e os graves danos ao alto comando do Hamas, e à infraestrutura da Faixa de Gaza, impediram que o Hamas pudesse clamar alguma vitória.

Depois da Chumbo Fundido, porém, Israel teve que enfrentar o Hamas outras vezes, em 2012 (Operação Pilar de Defesa) e 2014 (Operação Margem Protetora), mas da mesma forma que em 2008-2009, a vitória israelense foi incontestável.

Depois de 2014, apesar das tensões com o Hamas e principalmente o Irã, Israel não se envolveu em conflitos maiores. Até mesmo ataques vindos da Síria, provavelmente “balas perdidas” da sangrenta guerra civil que assola o país desde 2011, não levaram a uma guerra aberta contra o país, com Israel se limitando a fazer ataques pontuais.

Aliás, novamente “imitando” os EUA, as IDF também usam bastante dos mísseis de cruzeiro (como o Delilah) e drones (como o Eitan) para realizar boa parte dos ataques limitados. Israel também é grande usuário das forças especiais, e através delas realizam ataques diretos ou com apoio de insurgentes.




CONCLUSÃO

A Doutrina Powell, de certa forma, não é mais que usar o bom senso antes de uma operação militar, seja ela grande ou pequena.

Objetivos claramente definidos, estratégia de saída claramente definida, comprometimento dos recursos humanos e materiais necessários, apoio interno e externo assegurado - pode parecer óbvio que tudo isso é essencial, mas qualquer um que estude a história dos conflitos da humanidade ficará chocado ao ver quantas vezes algum, ou até mesmo todos estes pontos foram tratados com desdém.

Parece que os EUA estão lembrando a lição que aplicaram tão bem em 1991, e Israel claramente aplica a Doutrina ao pé da letra, não sem antes sofrer por ignorar seus preceitos.

Felizmente, o Brasil raramente se envolve em conflitos, mas as lições da Doutrina Powell ainda devem ser incorporadas, especialmente para ações como as GLO (Garantia da Lei e da Ordem), que em vários aspectos é uma guerra: definir objetivos, alocar recursos, comprometer-se com o comando da operação quando houver atrito com a opinião pública - são tão importantes aos envolvidos na execução de uma operação GLO como nos campos de batalha ao redor do mundo.


Por Renato Marçal



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O articulista cedeu gratuitamente o artigo como colaboração na divulgação do conhecimento e arte militar...


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