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sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

Monitorando seu inimigo: O "Projeto Dark Gene"

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Durante a Guerra Fria, os Estados Unidos procuravam obter o máximo possível de informações sobre a evolução do poderio militar e da defesa aérea da União Soviética. Para isso eram executadas várias missões de reconhecimento partindo de países aliados dos EUA próximos da URSS, como a Turquia, a Noruega, Taiwan e o Irã, por exemplo. No caso desse último, várias missões de Inteligência de Sinais (ELINT) foram lançadas a partir do território iraniano, principalmente após o estreitamento das relações entre os EUA e o Irã nos anos 1960, na época governada pelo Xá (Shah) Reza Pahlevi. Essas missões fizeram parte do chamado “Projeto Dark Gene” (“Gene Sombrio”, em tradução livre).

O Projeto Dark Gene foi um programa de reconhecimento aéreo coordenado pela Agência Central de Inteligência dos EUA (CIA) e executado pela Imperial Força Aérea do Irã (IIAF) a partir de bases dentro do Irã contra a União Soviética. O programa foi executado em conjunto com o “Projeto Ibex”, que era uma missão ELINT mais tradicional, usando bases em território iraniano, próximo a fronteira soviética. Aeronaves e pessoal norte-americano especializados foram estacionados em bases aéreas situadas em vários locais do Irã e voavam regularmente através da fronteira para a URSS através de possíveis buracos na cobertura do radar. A clara intenção do programa era testar a eficácia da defesa aérea e a interceptação soviética e resultaram pelo menos em uma perda confirmada e provavelmente mais aeronaves em combates contra aeronaves soviéticas.


Detalhes do projeto

O confronto direto entre os EUA e a URSS ocorreu ou estava ocorrendo em lugares como a Coreia, Taiwan e a Indochina. O confronto era geralmente limitado a pequenos conflitos, geralmente envolvendo o uso de conselheiros, instrutores e pessoal especializado dos dois países. Após a Guerra da Coreia, os EUA realizaram uma série de voos diretos de reconhecimento sobre a União Soviética, alguns secretos e altamente bem-sucedidos e outros que resultaram em abates e diplomacia tensa, como o incidente do U-2 de Francis Gary Powers em 1960. Para continuar reunindo informações, os EUA precisavam desenvolver métodos cada vez mais sofisticados à medida que a defesa aérea soviética se tornava mais avançada. Aeronaves como o Lockheed SR-71A Blackbird e modernos satélites de vigilância foram desenvolvidos para tais missões.

O Xá do Irã, um fiel aliado dos EUA que chegou ao poder com a ajuda de um Golpe de Estado organizado pela CIA nos anos 50, ofereceu-se para financiar operações de vigilância e inteligência militar contra a URSS como parte de ajudar os esforços norte-americanos na Guerra Fria. O Xá temia a União Soviética, em particular o relacionamento com o vizinho (e rival) Iraque. A CIA, a empresa aeronáutica Rockwell International e o empresário iraniano Albert Hakim (mais tarde envolvidos no “Caso Irã-Contras”) pagaram diversos subornos a membros influentes do governo do Xá, na área de Defesa, para obter o sinal verde do governo iraniano para facilitar o estabelecimento das operações no país contra a URSS.

A Operação Dark Gene e a Operação Ibex foram duas maneiras pelas quais os iranianos poderiam ajudar devido à sua localização estratégica, entre a URSS e o Golfo Pérsico. A geografia do território iraniano, repleto de grandes montanhas e vales profundos, ofereceu ao programa uma vantagem única, pois a cobertura do radar soviético tinha grandes buracos. A princípio, pilotos norte-americanos que pilotavam aeronaves iranianas operavam independentemente, mas com o tempo o pessoal iraniano se envolveu mais e começaram a realizar suas próprias operações.

Em um determinado ponto durante as operações, devido ao risco de os pilotos ejetarem sobre a URSS, foram criadas diferentes desculpas para explicar por que os pilotos norte-americanos seriam encontrados voando em aviões de combate com marcas iranianas sobre a União Soviética. A desculpa que eles usariam foi que os pilotos da Força Aérea dos Estados Unidos (USAF) estavam treinando os pilotos da IIAF em suas novas aeronaves e simplesmente se perderam. Normalmente, nesse estágio, um iraniano pilotava enquanto um oficial da USAF sentava no assento do navegador.

Como as operações continuaram, os EUA forneceram à Imperial Força Aérea Iraniana aeronaves avançadas no estado-da-arte, que não foram oferecidas a mais nenhum outro país na época, como o McDonnell Douglas RF-4C Phantom II (recheado com uma sofisticada e exclusiva suíte ELINT, sendo considerado os F-4 mais caros do mundo) e o Grumman F-14 Tomcat, que além de ter sido enviado para o Irã para combater os MiG-25 de reconhecimento que ocasionalmente sobrevoavam o território iraniano em alta velocidade, também provavelmente foram equipados com uma moderna suíte de reconhecimento eletrônico, superior até do que os caças da Marinha dos Estados Unidos (USN) eram equipados. Essas operações terminaram com a Revolução Iraniana em 1979 e supõe-se que o equipamento ELINT tenha sido tomado pela sucessora Força Aérea da República Islâmica do Irã (IRIAF).

Os  RF-4C/E iranianos eram os F-4 mais avançados do mundo, com equipamentos que nem as versões norte-americanas possuíram.
Os F-14A da IIAF também participaram do Projeto Dark Gene, efetuando missões de penetração e reconhecimento eletrônico em território soviético, usando sua alta velocidade para escapar dos interceptadores inimigos.


O "Projeto Ibex"

O Projeto Ibex estava intimamente ligado ao Projeto Dark Gene. Os mesmos aeródromos foram utilizados e as operações foram realizadas em conjunto. Em essência, eles podem ser considerados a mesma operação, cada um com objetivos separados e sobrepostos. Uma das vantagens de operá-los juntos foram os dados dos sistemas ELINT que poderiam ser coletados quando as defesas aéreas soviéticas fossem ativadas por uma aeronave do Projeto Dark Gene que foi detectada. As emissões e atividades resultantes seriam registradas pelas aeronaves do Projeto Ibex no lado iraniano da fronteira.

Financiados pelo Xá, os postos de escuta foram construídos no norte do Irã pela CIA. Após a Revolução Iraniana, o Irã manteve as instalações em “condição impecável”, apesar de ter pouco ou nenhum conhecimento sobre como operá-las, devido a fuga dos especialistas norte-americanos e iranianos fiéis ao antigo regime. Com o potencial de fornecer informações sobre movimentos de tropas iraquianas, antes e no início da Guerra Irã-Iraque, um ex-funcionário da CIA, chamado George Cave, aconselhou o governo interino do Irã a usar o sistema.


Em combate

Cerca de quatro a seis aeronaves envolvidas no projeto podem ter sido derrubadas por interceptadores soviéticos. Duas das aeronaves não confirmadas, mas reivindicadas pelos soviéticos, foram um RF-5B pilotado por pilotos norte-americanos e um RF-5A, pilotado por pessoal da IIAF, em missões de reconhecimento pela União Soviética adentro.


O Northrop RF-5B da IIAF também participou do Projeto Dark Gene (na foto, um F-5F iraniano).
No dia 28 de novembro de 1973 houve um engajamento entre uma aeronave RF-4C pilotada pelo major Shokouhnia da IIAF e o coronel da USAF John Saunders, no banco traseiro, e um Mikoyan MiG-21 Fishbed soviético pilotado pelo capitão Gennadii N. Eliseev. O piloto soviético disparou dois mísseis Vympel K-13 na aeronave iraniana, não conseguindo atingí-la. Ele recebeu ordens do controle de solo para continuar seu ataque a qualquer custo e, com o canhão emperrado e sem mísseis, resolveu colidir com a aeronave iraniana. Ele atingiu a cauda do RF-4C com sua asa (o momento do abalroamento está representado na imagem que abre esse artigo) e depois, após perder o controle, chocou-se em velocidade supersônica contra uma montanha, não conseguindo ejetar-se a tempo. Foi o primeiro abalroamento de jato a jato por uma aeronave soviética durante uma interceptação, uma prática comum durante a Segunda Guerra Mundial. O capitão Eliseev foi condecorado postumamente como um Herói da União Soviética. A tripulação da aeronave RF-4C ejetou com sucesso, mas foi capturada pelas forças terrestres soviéticas e liberada após 16 dias.

Em 1978, quatro Boeing CH-47C Chinook iranianos entraram na União Soviética enquanto supostamente efetuavam uma missão de treinamento (os soviéticos posteriormente acusaram os helicópteros de estarem efetuando uma missão ELINT). Um foi abatido e outro danificado por um Mikoyan MiG-23 Flogger soviético. A interceptação possivelmente ocorreu devido ao Projeto Dark Gene, pois os soviéticos haviam aumentado suas defesas aéreas na fronteira iraniana em resposta a incursões anteriores.


Um Boeing CH-47C Chinook da IIAF.


Equipamento

As bases aéreas envolvidas foram operadas em conjunto pela CIA e pela IIAF e protegidas por minas terrestres e arame farpado. Como parte da conexão com o Projeto Ibex, haviam cinco instalações em locais isolados para monitorar as comunicações na União Soviética. O contato deles com o mundo exterior foi mantido pelo ressuprimento aéreo apenas através de aeronaves de Havilland Canada DHC-4 Caribou. O equipamento especial foi fornecido pela Rockwell International e o financiamento foi amplamente fornecido pelo governo iraniano.

Outras aeronaves utilizadas durante o projeto, todas com marcas da IIAF mas operadas por pessoal norte-americano e iraniano: McDonnell Douglas RF-4C/E Phantom II, Northrop RF-5A/B Freedom Fighter, Boeing 707, Lockheed C-130H Hercules e o de Havilland Canada DHC-4 Caribou (apoio logístico).

A maioria das aeronaves a seguir tinha pacotes de guerra eletrônica personalizados instalados para suas missões. O Boeing 707, por exemplo, tinha treze tripulantes operando equipamentos de vigilância interna. Foram utilizados receptores de banda larga e banda estreita. Os RF-5A/B possuíam um equipamento de reconhecimento mais simples, enquanto os RF-4C/E possuíam equipamento bem mais sofisticado.

Os Boeing 707 da IIAF também participaram do Projeto Dark Gene, sendo equipados com sofisticados equipamentos eletrônicos.

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Por Luiz Reis, Professor de História da Rede Oficial de Ensino do Estado do Ceará e da Prefeitura de Fortaleza, Historiador Militar, entusiasta da Aviação Civil e Militar, fotógrafo amador. Brasiliense com alma paulista, reside em Fortaleza-CE. Luiz colaborou com o Canal Arte da Guerra e atua esporadicamente nos blogs da Trilogia Forças de Defesa e no Blog Velho General, também fazendo parte da equipe do GBN Defense. Presta consultoria sobre História da Aviação. Contato: [email protected]




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sábado, 11 de janeiro de 2020

"Achtung Fulcrum!": O MiG-29 a serviço da Alemanha

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O Mikoyan MiG-29 (nome de relatório da OTAN: Fulcrum) é um avião a jato bimotor projetado na então União Soviética e até hoje construído e operado pela atual Rússia (em versões mais avançadas). Desenvolvido pelo escritório de design Mikoyan como caça de superioridade aérea durante os anos 1970, o MiG-29, juntamente com o maior Sukhoi Su-27 (ambos os primeiros caças de 4ª geração soviéticos), foi desenvolvido para combater os novos caças americanos, também de 4ª geração, como o McDonnell Douglas F-15 Eagle e o General Dynamics F-16 Fighting Falcon. O MiG-29 entrou em serviço em 1982.

Ao longo dos anos, o MiG-29 mostrou sua robustez e versatilidade operacional, sendo desenvolvida uma versão multimissão (MiG-29M), uma versão de operação embarcada (MiG-29K) e uma versão mais moderna e avançada (MiG-35), já considerada de 4,5ª geração. Foi exportada para vários países aliados da União Soviética, muitos desses países o utilizando até os dias de hoje. Mesmo com as mudanças ocorridas com o fim da Guerra Fria, a aeronave foi sempre passando dos antigos países para seus sucessores. O caso mais emblemático foi o da Alemanha, que mesmo após a unificação, a aeronave continuou sendo operada pelo país-membro da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte).

MiG-29A da Força Aérea da Alemanha Oriental
A República Democrática Alemã, também conhecida como Alemanha Oriental, então sob um governo comunista e completamente alinhado com a então União Soviética, adquiriu 24 aeronaves MiG-29 (sendo 20 MiG-29A monoplace e quatro MiG-29UB biplace), que foram recebidos e entraram em serviço entre o final de 1988 e o início de 1989, sendo as células distribuídas à unidade 1./JG3 “Wladimir Komarow”, baseado em Preschen, em Brandenburgo.
 
Após a queda do Muro de Berlim em novembro de 1989 e a reunificação da Alemanha em outubro de 1990, os MiG-29 e outras aeronaves das Forças Aéreas da Alemanha Oriental do Exército Popular Nacional foram integrados à Luftwaffe da República Federal Alemã, também conhecida como Alemanha Ocidental. Inicialmente o 1./JG3 manteve sua antiga designação. Em abril de 1991, os dois esquadrões de MiG-29 do 1./JG3 foram reorganizados na recém-criada “Ala de Teste do MiG-29” (“Erprobungsgeschwader MIG-29”), que se tornou o JG73 “Steinhoff” e foi transferido para a Base Aérea de Laage, perto de Rostock, em junho de 1993.
 
Após análises de técnicos alemães e norte-americanos, que tiveram acesso às aeronaves recém-incorporadas pela Luftwaffe, foi constatado que o MiG-29 é igual ou melhor que o F-15C em algumas áreas, como “dogfights” (curtos combates aéreos, geralmente, ao alcance visual) por causa do Sistema de Visão de Armas Montadas em Capacetes (HMS) e melhor manobrabilidade em baixas velocidades. Isso foi demonstrado quando os MiG-29 alemães participaram de exercícios conjuntos com caças dos EUA.

O HMS era de grande ajuda, permitindo que os alemães conseguissem travar qualquer alvo que o piloto pudesse ver dentro do campo de visão dos mísseis, incluindo aqueles a quase 45 graus de profundidade. No entanto, os pilotos alemães que pilotaram o MiG-29 admitiram que, embora o Fulcrum fosse mais manobrável em baixas velocidades do que o McDonnell Douglas F-15 Eagle, o Lockheed Martin F-16 Fighting Falcon, o Grumman F-14 Tomcat e o McDonnell Douglas F/A-18 Hornet e seu míssil de curto alcance Vympel R-73 foi considerado superior ao AIM-9 Sidewinder da época, todos os caças de fabricação americana possuíam aviônicos, radares e mísseis além do alcance visual (BVR) superiores.

MiG-29A ex-Alemanha Oriental já com as marcas da Luftwaffe.
Em compromissos que entraram na arena além do alcance visual, os pilotos alemães acharam difícil trancar e disparar várias tarefas o míssil Vympel R-27 do MiG-29 (os MiG-29 alemães não tiveram acesso ao míssil BVR Vympel R-77 mais avançado que equipa os MiG-29 de outras nações) enquanto tenta evitar o alcance mais longo e as capacidades avançadas de busca e rastreamento dos radares dos caças americanos e do AIM-120 AMRAAM. Os alemães também declararam que os combatentes americanos tinham a vantagem em condições de combate noturno e com mau tempo. A avaliação da Luftwaffe do MiG-29 foi de que o Fulcrum era melhor usado como interceptador de defesa de pontos sobre cidades e instalações militares; não para caças de caça sobre o espaço aéreo inimigo.
 
Essa avaliação levou a Alemanha a não enviar seus MiG-29 para a Guerra do Kosovo durante a Operação Allied Force, embora os pilotos da Luftwaffe que voaram contra o MiG-29 admitissem que, mesmo que tivessem permissão para voar em missões de combate na ex-Iugoslávia, eles seriam prejudicados pela falta de ferramentas de comunicações seguras específicas da OTAN e modernos sistemas de identificação amigo ou inimigo (IFF), mesmo o MiG-29 tendo sido atualizado para os padrões da OTAN, com o trabalho realizado pelo MiG Aircraft Product Support GmbH (MAPS), uma joint venture formada entre a MiG Moscow Aviation Production Association e a DaimlerChrysler Aerospace em 1993. Após a modernização a aeronave ficou conhecida como “MiG-29G” (monoplace) e “MiG-29GT” (biplace).
O já modernizado MiG-29G "29+21".

Durante o serviço na Luftwaffe, um MiG-29G (“29 + 09”) foi destruído durante um acidente em 25 de junho de 1996 devido a erro do piloto. Em 2003, os pilotos da Luftwaffe haviam voado mais de 30.000 horas no MiG-29. Em setembro de 2003, 22 das 23 máquinas sobreviventes foram vendidas para a Força Aérea Polonesa pelo preço simbólico de € 1 por aeronave. A última aeronave foi transferida para os poloneses em agosto de 2004. Um MiG-29G (“29 + 03”) ficou em Laage e foi preservado. Hoje essas aeronaves ainda continuam operacionais na Força Aérea Polonesa, aguardando uma provável substituição pelo Lockheed Martin F-35A Lightning II, nos quais os poloneses já encomendaram 32 unidades.

Mikoyan MiG-29G da Luftvaffe (1991-2004).

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Por Luiz Reis, Professor de História da Rede Oficial de Ensino do Estado do Ceará e da Prefeitura de Fortaleza, Historiador Militar, entusiasta da Aviação Civil e Militar, fotógrafo amador, brasiliense com alma paulista, reside em Fortaleza/CE. Luiz colaborou com o Canal Arte da Guerra e atuou nos blogs da Trilogia Forças de Defesa e do Blog Velho General, hoje faz parte da equipe do GBN Defense. Presta consultoria sobre História da Aviação.




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