Após uma intensa aproximação entre Brasil e África nos anos
Lula, a presidente Dilma Rousseff inicia nesta semana sua segunda visita ao
continente num momento em que o país redimensiona sua política para nações
africanas e vê empresas brasileiras se envolverem em turbulências e denúncias na
região.
Ao embarcar nesta quinta-feira para a 3ª Cúpula América do Sul–África (Asa),
na Guiné Equatorial, Dilma tentará mostrar a líderes africanos que o continente
mantém, em seu governo, o prestígio que lhe foi conferido durante a gestão
anterior. No sábado, ela estenderá a visita ao maior parceiro comercial do
Brasil no continente, a Nigéria.
No entanto, longe dos microfones, diplomatas e técnicos de estatais que
operam na África relatam que tem havido uma revisão na estratégia do governo no
continente. Segundo eles, embora os recursos para cooperação técnica com a
África tenham crescido nos últimos anos, o número de programas se multiplicou
sem que houvesse capacidade de coordená-los, garantir seu financiamento e
continuidade.
Nas palavras de um técnico, há uma orientação por "menos oba-oba e mais
racionalidade" nas ações na África. Limites orçamentários explicariam parte da
nova postura. Entre 2012 e 2014, a Agência Brasileira de Cooperação (ABC)
planeja gastar cerca de US$ 134 milhões (R$ 263 milhões) com seus projetos no
exterior, dos quais pouco mais da metade (US$ 70,6 milhões, cerca de R$ 138
milhões) se destinará aos 42 países africanos onde atua.
Os valores são tímidos se comparados aos que as principais economias
desenvolvidas reservam à cooperação – o Japão, por exemplo, gastou US$ 1,6
bilhão (cerca de R$ 3,1 bilhões) com sua agência externa em 2012.
Há ainda a compreensão de que muitos dos projetos de cooperação do país no
continente foram gestados às pressas, para serem apresentados em viagens do
então presidente Lula às nações favorecidas.
A prática teria estimulado a criação de uma "diplomacia ministerial", em que
ministérios desenvolveram ações externas de forma descoordenada.
Num reconhecimento de que suas operações na África se expandiram mais rápido
do que deveriam, a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, um dos
principais braços da cooperação do país no continente) também está revendo sua
política para a região.
Em entrevista à BBC Brasil em janeiro, o presidente da estatal, Maurício
Antônio Lopes, afirmou que a companhia passaria a concentrar seus esforços em
alguns países africanos – hoje, atua em 22 –, para evitar a fragmentação de
recursos.
Os ajustes na política do Brasil para a África são ainda atribuídos ao menor
entusiasmo da atual presidente com o continente. Desde que tomou posse, Dilma
tem privilegiado visitas à Europa (onde esteve em dez países) e à América do Sul
(seis).
Ao realizar sua segunda visita à África, ela encerrará um período de um ano e
quatro meses sem pisar no continente – por ora, ela só visitou três nações
africanas (África do Sul, Moçambique e Angola).
Lula, por sua vez, visitou 27 países africanos em seu governo, período em que
o Brasil abriu 19 das 37 embaixadas que mantém no continente. No governo Dilma,
nenhuma nova missão brasileira foi aberta na África.
Desafios internos e externos
O Itamaraty, porém, nega que a África tenha perdido importância no atual
governo. Em entrevista a jornalistas na semana passada, a embaixadora Maria
Edileuza Fontenele Reis, encarregada da subsecretaria que trata das relações com
o continente, atribui o menor número de visitas da presidente ao continente a
"inúmeros desafios internos e externos" vividos pelo Brasil.
Ela diz, porém, que a presença de Dilma na cúpula na Guiné Equatorial, onde
estarão representantes de todas as 54 nações africanas, "equivale a ir a 54
países".
Reis afirma ainda que a presidente voltará ao continente nos próximos meses
para participar da cúpula dos Brics, na África do Sul, em março, e do encontro
da União Africana (UA), na Etiópia, em maio. No ano passado, porém, Dilma também
foi convidada para a reunião da UA, mas cancelou sua visita na última hora.
Na Cúpula Asa, criada em 2006 por Brasil e Nigéria, a brasileira deverá ser
uma das únicas chefes de Estado da América do Sul presentes. O desinteresse da
maioria dos líderes da região reflete os laços ainda tímidos (ainda que
crescentes) que seus países mantêm com o continente africano.
Segundo o Itamaraty, o Brasil é hoje responsável por 70% de todo o comércio
entre a América do Sul e nações africanas, que somou US$ 39,4 bilhões em
2011.
Expansão empresarial
Se a cooperação do Brasil com a África vive tempos de revisão, para empresas
brasileiras, o continente tem ganhando importância cada vez maior.
Desde 2006, houve aumento de 85% no comércio do país com o continente,
alimentado em boa parte pelas vendas de manufaturas brasileiras. Segundo estudo
do centro de pesquisa Chatham House, 42% dos produtos exportados pelo Brasil à
África são industrializados – índice superior à proporção de manufaturas nas
exportações gerais do país (36%).
De acordo com o estudo, diferentemente de nações emergentes como China e
Índia, que buscam na África sobretudo recursos naturais, o principal interesse
econômico do Brasil no continente é seu crescente mercado consumidor. O
envolvimento do Brasil na África, segundo a publicação, também refletiria a
ambição brasileira de se tornar um dos principais atores na política global.
O crescimento das exportações brasileiras para a África é ainda acompanhado
pela expansão de companhias nacionais no continente. O movimento, no entanto, já
provoca resistências.
Em Moçambique, centenas de famílias desalojadas para a instalação, em 2011,
de uma mina de carvão da Vale têm protestado contra a companhia. Eles dizem ter
sido transferidos para terras inférteis e se queixam das condições das novas
habitações.
A Vale também enfrenta resistência na Guiné, onde obteve licença para
explorar uma reserva de minério de ferro. Em julho, moradores ocuparam um
acampamento da empresa, acusando-a de descumprir acordo para a contratação de
funcionários de etnias locais. Seis manifestantes foram mortos por soldados do
governo em ação que, segundo políticos locais, contou com o respaldo da
empresa.
A empresa nega qualquer participação no ocorrido na Guiné e diz buscar
melhorar as condições de moradia das famílias deslocadas por sua operação em
Moçambique.
Em Angola, outra companhia nacional – a construtora Odebrecht – é objeto de
polêmica. Ativistas criticam-na por manter negócios com políticos locais. A
empresa nega ilegalidades.
Em artigo sobre a relação Brasil-África publicado em janeiro, o instituto
Think Africa Press diz que a crescente ação de empresas brasileiras no
continente pode sujar a "marca" do país na região.
"Agentes privados com agendas distintas estão se tornando cada vez mais
visíveis, e há um risco de que isso prejudique o projeto político do Brasil de
se retratar como um parceiro que sempre prioriza o benefício mútuo num espírito
de cooperação e igualdade", diz o texto.
Fonte: BBC Brasil