Na madrugada da última segunda-feira, passageiros do voo JJ8065 da TAM foram despertados por um forte tremor que atingiu a aeronave. Foram apenas dez segundos de turbulência, mas o suficiente para arremessar pessoas em direção ao teto e pelos corredores, deixando quinze feridos com luxações e fraturas. Segundo os pilotos, a equipe foi surpreendida pelo fenômeno, que não apareceu nos radares, e não houve tempo de alertar os passageiros ou pedir para que apertassem os cintos.
Apesar de raro, é realmente possível que uma turbulência surja de modo inesperado no caminho de uma aeronave. Esse tipo de fenômeno é formado a partir de movimentos extremamente complexos, difusos e irregulares das correntes de ar, que criam uma série de curvas e redemoinhos ao se cruzarem na atmosfera. Na maior parte das vezes é possível saber onde um avião pode se encontrar com uma delas, mas a imprevisibilidade das turbulências ainda costuma surpreender pilotos — e cientistas — ao redor do mundo. Na verdade, é justamente sua irregularidade e aparente aleatoriedade que torna o fenômeno uma das áreas mais debatidas da física, considerado um mistério ainda a espera de uma resolução satisfatória.
As turbulências não acontecem apenas na atmosfera terrestre, mas em qualquer fluido que possa escoar em diferentes velocidades e direções, como os oceanos do planeta ou o plasma no centro do Sol. “Também podemos ver a turbulência em escalas muito menores, como quando mexemos o açúcar em um copo de suco ou fervemos uma salsicha em uma panela de vidro. No primeiro caso, a colher cria diversas correntes no interior do líquido, dando origem ao movimento turbulento que dissolve o açúcar. No segundo, é o aquecimento da água que cria o movimento extremamente revoltoso que chacoalha a salsicha.”, afirma Ricardo de Camargo professor do Departamento de Ciências Atmosféricas da USP.
Esse movimento caótico formado a partir da interação entre as correntes no interior dos fluidos é considerado imprevisível pelos cientistas. O fluxo tumultuado que surge durante as turbulências é, aparentemente, aleatório, criando uma impressão de desordem na ordem que os físicos tentam impor à natureza. “Há muito tempo se discute se é possível compreender por inteiro esse fenômeno; se é possível criar uma equação capaz de prever todos os movimentos em seu interior. Existe uma característica não linear nas turbulências, que complica muito a resolução matemática do problema”, afirma Ricardo de Camargo. Avanços recentes na física e na capacidade de processamento dos computadores apontam alguns resultados promissores, mas ainda não se chegou a uma teoria ou equação definitiva sobre o assunto.
Céu claro e escuro — São esses movimentos complexos nas correntes de ar que fazem o avião tremer como uma salsicha em uma panela cheia de água fervente. A aeronave consegue manter o voo graças a uma força de sustentação criada pela passagem rápida do ar por suas asas. Quando acontece uma mudança nessa velocidade, a força de sustentação e a altitude do avião também variam. Se essa variação acontece diversas vezes seguidas, na forma de redemoinhos e vácuos instantâneos, o resultado são os chacoalhões, quedas livres e embalos súbitos típicos das turbulências.
Uma das formas mais comuns do fenômeno é a que acontece no interior e na proximidade das grandes nuvens, como as Cumulus Nimbus — que podem atingir quilômetros de altura. Cheias de ar quente, elas sobem em altas velocidades até atingir grandes altitudes na atmosfera. Ali, elas se encontram com correntes de ar frio, interagindo de maneira extremamente instável. Dentro das nuvens, as correntes de ar frio e quente também se movimentam em altas velocidades. “Foi esse tipo de nuvem que contribuiu para a queda do avião da Air France em 2009. Ali dentro, existe uma enorme bagunça, correntes de vento jogam a nave pra cima enquanto outras correntes arremessam para baixo”, afirma Ricardo de Camargo.
Normalmente, esse tipo de nuvem é detectado pelos radares das aeronaves, permitindo aos pilotos desviarem das turbulências ou, pelos menos, alertarem os passageiros para as condições que irão encontrar. Mas existe um tipo que é impossível de detectar, não aparece nos radares e não deixam nenhuma marca visual no céu — por isso, são conhecidas como turbulência de céu claro.
Elas costumam acontecer em regiões altas do céu, localizadas entre oito e dez quilômetros da superfície, onde existem ventos muito intensos, que atingem grandes velocidades tanto na vertical quanto na horizontal. Esses fortes ventos são chamados de correntes de jato, e são formações características da atmosfera, com rotas ao redor da Terra já traçadas pelos pesquisadores. “As turbulências de céu claro têm localizações típicas no planeta. Os pilotos normalmente estudam se suas rotas de voo vão passar por uma dessas regiões, e tomam as devidas providências para evitá-las”, diz Ricardo de Camargo.
Às vezes, as turbulências de céu claro também acontecem em regiões mais baixas da atmosfera, em locais próximos a montanhas ou com grandes variações de temperatura. “Existe uma diretriz na comunidade aeronáutica alertando o piloto que, se ele estiver em um dia claro, em uma região montanhosa, ele pode se deparar com esse tipo de fenômeno. A orientação é diminuir a velocidade do avião, pois quanto mais rápido estiver a aeronave, piores podem ser os danos de uma turbulência", afirma Fernando Martini Catalano, pesquisador do curso de Engenharia Aeronáutica da Escola de Engenharia de São Carlos da USP.
Fonte: VEJA