No dia 29/02/2020, os EUA assinaram um acordo com o Taleban, que na prática põe fim ao conflito que iniciou-se pouco após o 9/11 (atentados terroristas ao World Trade Center em 11/09/2001). Muitas pessoas criticam os EUA por saírem desta forma do conflito, com o Afeganistão mais destruído que em 2001, e com o Taleban mais forte do que nunca. Mas o que poucos se perguntam é o que levou o Presidente Trump não apenas decidir sair do Afeganistão, mas também da Síria (outubro/2019), assim como o Presidente Obama tinha feito em relação ao Iraque (outubro/2011).
Uma pergunta recorrente da população americana em relação às ações militares do seu país é: “O que nossos meninos estão fazendo naquele fim de mundo?” Em anos como 2012 e 2020, em que há eleições presidenciais, ou também em épocas quando mais soldados americanos morrem em combate, esta pergunta se repete com mais frequência. As respostas variam, e os historiadores e analistas militares debatem estas respostas o tempo todo, pois o apoio popular é crucial em relação às decisões militares.
Victor Davis Hanson é um dos historiadores militares americanos mais respeitados dos últimos anos, e escreveu para o National Review um longo artigo intitulado “Must America Be in the Middle East?” (Os EUA tem a obrigação de permanecer no Oriente Médio?). É um artigo excelente, de leitura agradável, mas longo e de acesso limitado.
Neste post vamos debater alguns pontos do artigo de Hanson, que traça as origens históricas de tal mudança de postura.
HISTÓRICO
Devido a diversos problemas de ordem religiosa, social e geopolítica, o OM (Oriente Médio) sempre foi uma região instável. Como boa parte da produção mundial de petróleo e gás natural, inclusive os consumidos pelos EUA, vinha do OM, fazia muito sentido aos EUA se fazerem presentes na região, especialmente quando a presença britânica se reduziu após a Segunda Guerra Mundial, especialmente nos anos 1950.
Em 1956, os EUA tiveram sua atenção voltada para o OM pela primeira vez após a Segunda Guerra, com a Crise de Suez; o Egito chegou a fechar a navegação pelo Canal de Suez.
E em 1973, Egito e Síria invadiram Israel no Dia da Expiação (Yom Kippur), considerado por muitos o dia mais sagrado do judaísmo. Apesar dos reveses iniciais, Israel conseguiu resistir aos avanços árabes, e dentro de poucos dias já estava se aproximando das capitais dos invasores.
Temerosos dos resultados das ações israelenses, e através da OPAEP (Organização dos Países Árabes Exportadores de Petróleo), a Liga Árabe lançou um boicote contra os EUA, Europa Ocidental e Japão, na expectativa de que estes países forçassem Israel a concordar com um cessar fogo. A tática deu certo, e a partir daí os EUA começaram a investir maciçamente na região, com um grande aumento na presença militar.
Na esteira do boicote árabe, a OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) forçou um grande aumento nos preços do petróleo, no intuito de arrecadar mais dinheiro para seus governos. Esta junção de fatores ficou conhecida como Crise do Petróleo de 1973.
Por fim, mas não menos importante, a Guerra Irã-Iraque (1980-1988) levou a dificuldades de navegação no Estreito de Ormuz, o que complicou bastante não só os EUA mas também seus aliados na Europa, Japão e Coreia do Sul.
MUDANÇA DE PRIORIDADES
Os EUA foram, gradualmente, aumentando sua produção de petróleo, até que em setembro de 2019 conseguiram, pela primeira vez, exportar mais óleo e derivados do que importam. As projeções são de que, ao final de 2020 ou começo de 2021, tal capacidade se torne permanente, colocando os EUA como um dos maiores fornecedores mundiais de tais produtos.
Esta mudança de paradigma, por sua vez, também leva a uma mudança de atitude do americano comum em relação à presença militar americana no OM.
Ao mesmo tempo em que se torna cada vez mais difícil justificar a presença americana no OM em relação ao petróleo face à grande produção americana, os ataques de 9/11 trouxeram aos olhos do público americano a realidade dos diversos grupos terroristas de ação global sediados no OM.
A presença militar americana na região aumentou consideravelmente na chamada GWOT (Guerra Mundial contra o Terror), e em 2020 os EUA ainda tem mais de 65 mil militares no OM, número que já foi consideravelmente maior durante algumas fases da Guerra do Iraque e da Guerra do Afeganistão.
Entretanto, e para a surpresa de muitos americanos, a hostilidade do OM aos EUA não diminuiu - pelo contrário, até aumentou. Mas é inegável que a GWOT atingiu seus objetivos, e nenhum ataque terrorista de grande escala acabou acontecendo nos EUA pós 9/11.
Outro fator a se levar em consideração é que Israel se tornou cada vez mais capaz militarmente, conforme demonstrado nos ataques aos reatores nucleares no Iraque (1981) e Síria (2007), feitos sem apoio direto dos americanos. A crença geral é que Israel está prestes a fazer o mesmo contra o Irã, e a tendência é que, ao contrário de Obama, Trump não impeça tal ação.
Há de se considerar também que os países do Oriente Distante, como Japão e Coreia do Sul, tiveram suas rotas de fornecimento de petróleo relativamente seguras desde 1988, e a maior ameaça a eles, no momento, é a expansão militar chinesa, que tem pouco a ver com a situação do OM. A própria expansão chinesa já chama bastante a atenção dos EUA, e é bem provável que boa parte dos recursos militares sejam redirecionados para essa questão.
Junte-se a isso a crescente hostilidade da Europa aos EUA, inclusive devido à crescente presença de imigrantes do OM e de militares americanos nos países europeus, e o público sente que o custo em dinheiro e sangue americanos não devem ser gastos no OM, a não ser no contexto de apoio militar a Israel e de combater grupos terroristas.
Além destes fatores externos, questões internas acabam por preocupar muito mais os americanos de hoje: imigração ilegal, tensões sociais, crescimento econômico relativamente baixo… Um dos motivos de Trump ser eleito em 2016 foi exatamente levar tais questões em conta.
CONCLUSÃO
Hanson chega à conclusão de que sim, os EUA devem permanecer no OM, mas sua presença deve ser muito menor do que é hoje, bem como sua influência. A fala de Trump após anunciar a saída americana da Síria - “Outros que resolvam o problema” - resume perfeitamente o raciocínio do seu magistral artigo.
Um artigo¹ de 05/03/2020 no New York Times reforça as conclusões de Hanson: “Nossos soldados estão cansados de lutar nesta guerra, sem objetivos claros e sem um término em vista”.
Muitos líderes ao redor do mundo pediram, por décadas, que os EUA não se intrometam no OM. Ao que parece, vão conseguir o que pediram.
REFERÊNCIAS
https://www.nationalreview.com/magazine/2020/02/10/must-america-be-in-the-middle-east/
https://www.belfercenter.org/publication/what-role-should-us-play-middle-east
https://www.ft.com/content/9cbba7b0-12dd-11ea-a7e6-62bf4f9e548a
https://www.statista.com/chart/9727/where-us-troops-are-based-in-the-middle-east/
https://www.newamerica.org/in-depth/terrorism-in-america/what-threat-united-states-today/
Renato Henrique Marçal de Oliveira é químico e trabalha na Embrapa com pesquisas sobre gases de efeito estufa. Entusiasta e estudioso de assuntos militares desde os 10 anos de idade, escreve principalmente sobre armas leves, aviação militar e as IDF (Forças de Defesa de Israel).