O ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergey Lavrov, concedeu no fim de semana uma entrevista ao vivo, com mais de três horas de duração, para três emissoras de rádio do país:Voz da Rússia, Rádio Rússia e Eco de Moscou.
As perguntas foram feitas por jornalistas e ouvintes. O Ministro Lavrov falou sobre vários aspectos da política internacional e do posicionamento do governo russo acerca desses fatos.
Pergunta – Ministro Sergey Lavrov, a opinião pública internacional ainda comenta a morte do ex-líder líbio, Muammar Kadhafi. Como a Rússia se posiciona diante dos recentes acontecimentos na Líbia?
Sergey Lavrov – Para o governo russo, há muito tempo estava claro que o governo de Muammar Kadhafi havia perdido a sua legitimidade. Entretanto, a Rússia sempre sustentou que a solução dos problemas internos da Líbia competia exclusivamente à sociedade líbia e aos seus novos governantes. A Rússia sempre se opôs a intervenções militares externas na Líbia, ainda mais porque elas excederam o que havia sido acordado pelo Conselho de Segurança da ONU, ou seja, o fato de que essa intervenção militar externa só seria admitida, única e exclusivamente, para a defesa da população civil. Infelizmente, não foi isso o que aconteceu, e o mundo pôde assistir a uma série de excessos militares na Líbia. Agora, o governo da Rússia está solicitando esclarecimentos sobre as circunstâncias da morte de Muammar Kadhafi. Essas circunstâncias exigem investigação com base no Direito Internacional.
P – Os fatos ocorridos este ano na Líbia e em outros países da África do Norte e do Oriente Médio demonstram que a sociedade está mais atenta às atitudes dos seus governantes. O que a Rússia tem a dizer desses fatos?
SL – Nossos parceiros ocidentais têm declarado que a forma como foi realizada a revolução na Líbia é um modelo para o futuro. Nós não queremos que futuros conflitos dessa natureza, se vierem a acontecer, adquiram tal forma. Nós não queremos, sobretudo, que a ingerência de forças externas aconteça como aconteceu, violando grosseiramente o Direito Internacional, inclusive as resoluções do Conselho de Segurança da ONU, dedicada a esses casos concretos.
P – Voltando à questão específica da Líbia, como será o relacionamento da Rússia com o novo governo do país?
SL – A Rússia vai desenvolver as suas relações com o novo governo da Líbia na base dos tratados e acordos que já foram concluídos entre os dois países. A Rússia foi informada que a governança da Líbia seguirá a política e a lógica das vantagens mútuas.
P – A questão do abastecimento de gás russo para a Europa também tem suscitado muitos comentários internacionais. Da parte da Rússia, existe alguma questão polêmica em torno do gás que deva ser resolvida de imediato em prol da normalidade das relações internacionais?
SL – Do ponto de vista do governo russo, consideramos que a questão está sob pleno controle do Presidente Dmitri Medvedev e do Primeiro-Ministro Vladimir Putin, que mantêm acompanhamento permanente das vendas internacionais da empresa Gazprom. Portanto, a sua pergunta é plenamente pertinente ao se referir ao aspecto do relacionamento internacional da Rússia em relação ao fornecimento externo de gás. A Rússia se considera parceira próxima da União Europeia na questão energética e entende que cabe aos países-membros dessa entidade a harmonização do seu pensamento em relação à compra do gás russo. O nosso ponto de vista é que dúvidas e pendências devem ser resolvidas por meio de acordos e negociações diplomáticas. A possibilidade de recurso ao Poder Judiciário para a solução de dúvidas não nos entusiasma porque esta atitude prenuncia a existência de litígio. Posso lhe assegurar que o governo russo não possui qualquer interesse em alimentar litígios internacionais.
P – Rússia e Estados Unidos têm manifestado opiniões divergentes sobre a instalação do escudo antimísseis da Europa. O que o senhor tem a dizer sobre essas divergências?
SL – Antes de qualquer comentário sobre o enfoque específico da sua pergunta, é preciso dizer que os Presidentes Barack Obama e Dmitri Medvedev souberam construir um diálogo construtivo e de interação entre Estados Unidos e Rússia. Dito isto, devemos dizer que temos algumas divergências radicais em torno de alguns assuntos. Um deles é exatamente a questão da defesa antimísseis da Europa. A Rússia não aceita, categoricamente, o jogo do faz de conta de que a sua posição não é compreendida. Aceitamos as tentativas de fazer de conta que não nos entendem. Nós sabemos que somos muito bem compreendidos quando exigimos nosso direito de obter garantias formais de que as nossas fronteiras e a nossa integridade física não serão ameaçadas pelo escudo antimísseis da Europa montado pelos Estados Unidos e pela OTAN. Até 2020, será criada uma infraestrutura ramificada em todo o espaço euro-atlântico, de norte a sul, em volta de nossas fronteiras. Isto gera preocupações legítimas e o consequente direito de nos defendermos desde já contra uma realidade altamente perigosa para a Rússia.
P – Ministro, há pouco o senhor falou do relacionamento Rússia-Europa. Fala-se muito em abolição de vistos entre a Rússia e os países da União Europeia. Como estão esses entendimentos?
SL – Do nosso ponto de vista, temos tudo para acreditar que em pouquíssimos meses essa questão estará resolvida. Portanto, cidadãos russos e europeus podem estar certos de que brevemente sua circulação será livre e absolutamente mais fácil pelos territórios de cada país da Europa e da própria Rússia.
P – O Ministério dos Negócios Estrangeiros da Rússia está atuando ativamente no repatriamento dos compatriotas, cidadãos russos ou de origem russa que vivem em outros países. Como se dá a atuação do Ministério nesse setor?
SL – Esta é uma iniciativa muito feliz para o nosso Ministério. A Rússia precisa dos seus cidadãos em nosso país, porque aqui é o seu verdadeiro e originário lar. É claro que a questão demográfica nos preocupa, mas trabalhamos junto com vários outros órgãos do governo no sentido de incentivar a reacomodação, no território da Rússia, de cidadãos russos, ou, como você diz, de cidadãos de origem russa. O papel do Ministério dos Negócios Estrangeiros nesse aspecto é incentivar e facilitar o retorno dos russos à Rússia.
P – Ministro, vamos falar de outra importantíssima questão, a expectativa da Rússia de ter o seu ingresso na Organização Mundial do Comércio, algo que vem postulando desde 1993 e 1994. Pode-se esperar para este ano de 2011 a admissão da Rússia na OMC?
SL – A Rússia entende que já cumpriu todas as exigências da Organização Mundial do Comércio para obter a sua admissão. Neste momento, temos conversações com a Geórgia, e a intermediação está sendo feita pela Suíça. Para a Rússia, não creio que possam existir dificuldades adicionais. Nossos parceiros (Estados Unidos e Europa) dizem que falta muito pouco para a entrada da Rússia na OMC. O Ministério dos Negócios Estrangeiros não tem faltado com o seu empenho para que isso aconteça ainda este ano.
P – Ministro Sergey Lavrov, vamos encerrar esta entrevista falando do relacionamento da Rússia com o Japão em torno da soberania sobre as ilhas Curilas exercida pela Rússia como sucessora direta da União Soviética, já que a soberania russa foi adquirida ao fim da Segunda Guerra Mundial. O senhor entende que o Japão, ao reivindicar a devolução das Curilas, está exercendo um direito ilegítimo?
SL – De acordo com as decisões tomadas ao fim da Segunda Guerra Mundial e firmadas na Carta das Nações Unidas, as ilhas Curilas sempre foram, são e serão um território do nosso país. A Rússia gostaria de desenvolver todo um potencial de relações com o Japão, com quem o nosso país tem um crescente diálogo político e uma veloz ampliação da colaboração econômica.
Fonte: Diário da Rússia