Seis meses após a primavera árabe derrubar o seu primeiro ditador, as principais praças do Cairo e de Túnis foram novamente palco de protestos, gás lacrimogêneo e fúria contra a resistência à mudança demonstrada pelas autoridades interinas nestes países. Na Síria, ativistas disseram que pelo menos 19 pessoas foram mortas na última repressão contra os protestos que têm convulsionado o país há mais de quatro meses. Pelo menos sete pessoas morreram no Iêmen em meio a um limbo político que parece não estar perto de uma solução.
As revoluções históricas que abalaram o mundo árabe ao longo deste ano estavam correndo o risco de colapsar quando, na noite de sexta-feira, os manifestantes voltaram às ruas para professar a sua repulsa à forma como o movimento está sendo bloqueado por regimes antigos e novos.
Seis meses após a primavera árabe derrubar o seu primeiro ditador, as principais praças do Cairo e de Túnis foram novamente palco de protestos, gás lacrimogêneo e fúria contra a resistência à mudança demonstrada pelas autoridades interinas nestes países. Na Síria, ativistas disseram que pelo menos 19 pessoas foram mortas na última repressão contra os protestos que têm convulsionado o país há mais de quatro meses. Pelo menos sete pessoas morreram no Iêmen em meio a um limbo político que parece não estar perto de uma solução. E na Jordânia um forte esquema de segurança policial acompanhou manifestações pró e anti-reforma que acabaram se tornando violentas.
As cenas serviram como um lembrete de que, após a euforia da primavera árabe, poucos avanços concretos na direção das reformas pretendidas ocorreram. As eleições na Tunísia e no Egito foram adiadas. As propostas de reforma no Iêmen e na Síria têm sido rejeitadas como inadequadas.
Egito
Milhares de manifestantes foram para praças públicas de todo o país, em uma "sexta-feira de advertência final" para a junta militar, em meio a temores de que a revolução que derrubou Hosni Mubarak está sendo traída por forças conservadoras.
Manifestações e greves de fome foram registradas desde Alexandria, na costa do Mediterrâneo, até Luxor no sul e Suez, no leste, com o foco principal, mais uma vez na praça Tahrir, no Cairo, onde um grande acampamento já dura mais de uma semana e não mostra sinais de acabar.
Os manifestantes acusam o Conselho Supremo das Forças Armadas (SCAF), que assumiu o poder após a queda de Mubarak e prometeu abrir caminho para um governo civil democraticamente eleito no final deste ano, de sufocar as demandas revolucionárias, trabalhando para proteger os elementos do velho regime de uma mudança política.
"Como muitos têm dito no Facebook, a relação entre o população e o SCAF é o mesmo que o relacionamento entre uma mulher e um marido que ela sabe que está sendo infiel", disse Alaa El Shady Din, um manifestante na praça Tahrir.
"Ela tolera a infidelidade em um primeiro momento, em um esforço para não destruir a família e machucar as crianças, mas logo percebe que o marido não se importa nem um pouco com a família", acrescentou.
"No começo nós mentimos para nós mesmos, nós queríamos acreditar que eles estavam conosco. Mas agora as ruas estão acordando e dizendo ao conselho “nós somos os governantes e vocês seguem as nossas ordens; não o contrário. Nós somos a maldita linha vermelha e vocês não devem atravessá-la”.
Assim como a maioria dos manifestantes, El Din estava furioso esta semana por um comunicado do porta-voz da SCAF, Mohsen El-Fangari, que alertou contra aqueles que procuram "perturbar a ordem pública" e adotou um tom que lembrou Mubarak em seus discursos finais à nação. A pressão está aumentando sobre o primeiro-ministro interino, Essam Sharaf, que parece incapaz ou não quer forçar mudanças políticas significativas em face da intransigência dos generais. Muitos de seus apoiadores originais começam agora a pedir sua saída.
Tunísia
Alguém que estivesse visitando a capital da Tunísia pela primeira vez não diria que uma revolta popular ocorrera ali nos últimos seis meses. Policiais armados com cassetetes, gás lacrimogêneo e cães reprimiam uma pequena multidão de manifestantes que se reuniu para expressar um sentimento amplamente difundido na cidade: que a revolução foi construída em cima da areia e acabou bloqueada por um governo que tem feito pouco para implementar as exigências dos revolucionários.
A sede do governo central (Qasbah) foi cercada por rolos de arame farpado e veículos blindados, enquanto os manifestantes com bandeiras tunisinas gritavam "paz, paz". Então o problema começou. A primeira granada de gás vomitou uma espessa fumaça branca e foi rapidamente seguida por muitas outras. Os manifestantes correram para se esconder nas sombras da noite em meio a uma espessa nuvem de fumaça branca.
Dois homens se lançaram ao chão, de joelhos e com o peito nu, enfrentando a polícia. Um terceiro aparou uma boma de gás que passou girando e jogou-a de volta contra os policiais. Assim que a fumaça se dispersou, os manifestantes retornaram com o reforço de algumas centenas de pessoas. Alguns começaram a atirar pequenas pedras contra a polícia.
"As pessoas que me torturaram ainda estão lá", disse Malek Khudaira apontando para o ministério onde foi mantido por 10 dias durante o levante que derrubou o ex-ditador Zine al-Abidine Ben Ali.
"Como eu posso sentir que há mudanças ou que houve uma revolução total, se tudo está a mesma coisa; eu vejo os torturadores andando nas ruas todos os dias."
Por horas, seguiu-se um jogo de ataque e contra-ataque entre manifestantes e policiais. Os manifestantes marchavam e a polícia lançava bombas de gás no meio deles. Um homem de calça preta, camisa branca e óculos de sol estava de frente para a polícia quando um projétil atingiu sua barriga. Ele caiu onde estava e foi socorrido por outros manifestantes.
Os organizadores da manifestação chamaram-na de “Qasbah 3". A número 1 foi o levante que derrubou Ben Ali e forçou-o a fugir. A número 2 foi a mobilização que derrubou o primeiro governo provisório, um mês depois.
Síria
Ativistas relataram pelo menos 19 mortes em toda a Síria e dezenas de feridos quando as pessoas se reuniam para suas orações semanais, que têm sido usadas como um ponto de mobilização para a dissidência há mais de quatro meses.
Pesados conflitos foram relatados em pontos da capital, segundo relatos e contas amplamente divergentes de ativistas e da mídia estatal. Pelo menos sete manifestantes foram mortos a tiros em bairros de Damasco, em mobilizações que reuniram algumas das maiores multidões já registradas desde que os protestos iniciaram.
As forças de segurança têm usado cassetetes e gás lacrimogêneo em Damasco para reprimtir os protestos no coração do poder do regime. Dezenas de pessoas ficaram feridas nas cidades de Aleppo, Deraa, Idleb e Homs.
As autoridades sírias novamente culparam grupos armados pela violência - uma referência indireta aos ativistas islâmicos acusados de tentar inflamar o “caos sectário”. No entanto, ativistas disseram que manifestantes desarmados foram novamente atacados por soldados que dispararam rajadas contra a multidão.
Os atos de violência tem sido imprevisíveis, mudando de local o tempo todo. Em Homs, um morador do bairro abastado de Inshaat disse que as forças de segurança pareciam estar tentando evitar mortes. "Eles foram atirando, mas pareciam estar visando as pernas e não as cabeças".
Dois dos maiores protestos ocorreram em Hama e Deir Ezzor, num dia em que ativistas estimaram que até 1 milhão de pessoas podem ter desafiado abertamente o regime em todo o país.
Jordânia
Dez pessoas, a maioria delas jornalistas, ficaram feridas em Fridaywhen quando a polícia jordaniana intervir em confrontos entre manifestantes pró-reforma e partidários do governo em Amã.
Centenas de manifestantes pedindo mudanças políticas e um fim à corrupção se reuniram no centro da capital. Não ficou claro se eles iriam ignorar os avisos oficiais contra a realização de concentrações do tipos das realizadas no Egito e no Bahrein.
A Jordânia vive tumultos esporádicos desde janeiro, mas apenas em pequena escala. As demandas da oposição - apoiada por grupos de jovens, organizações da sociedade civil e os islâmicos - são para mudanças no quadro da monarquia Hachemita. O rei Abdullah assumiu o compromisso de implementar reformas que permitiriam a formação de futuros governos com base em uma maioria parlamentar eleita, mas não fixou data para cumprir a promessa.
O slogan "o povo quer a reforma do regime" esteve em flagrante contraste com as demandas e revoltas em outros países que pediram a "derrubada" dos governantes.
O protesto em Amã foi realizado com uma forte presença de forças de segurança, com a polícia e forças especiais cercando a área, disse o site Amom News.
Atos em defesa da reforma e contra a "corrupção desenfreada" também atraíram centenas de manifestantes nas cidades do sul de Tafileh, Maan e Karak, e em Irbid e Jerash, no norte.
Fonte: Carta Maior