Recentemente,
analisando uma série de pautas que temos em nossa mesa, uma em especial me
motivou a retomar sua conclusão e publicá-la, algo que tem tomado
constantemente os debates nas redes sociais: Quais as vantagens e deficiências
de operação e emprego de um Navio Aeródromo (NAe)? Essa é uma questão bastante
recorrente, principalmente quando se discute se o Brasil deve ou não investir
futuramente na construção de um navio do tipo.
Todas as questões
que envolvem os "míticos" Navios Aeródromos, ou como são popularmente
conhecidos "Porta-Aviões", estão repletas de informações
desencontradas, mitos, inverdades, alguns fatos e pontos de vista distorcidos
que mais prejudicam do que ajudam essa importante discussão.
Como tem sido
nossa missão, o GBN Defense mais uma vez traz à tona a discussão, oferecendo ao
nosso leitor uma análise objetiva e isenta dos "achismos" comuns em
muitas mídias e canais ditos especialistas no assunto.
Objetivos do Navio Aeródromo (NAe)
Primeiro ponto que
é preciso compreender quando falamos em Navio Aeródromo (NAe) está diretamente
ligado ao objetivo de emprego deste meio, o qual pode ser:
- Projeção de
força,
- Controle marítimo
em suas três dimensões (Superfície, Submarino e Aéreo)
- Defesa de
determinada zona marítima contra um variado leque de ameaças, desde
assimétricas até oposição a uma força naval hostil.
Mais adiante vamos
abordar melhor as missões que podem ser desempenhadas pelo NAe, o qual
basicamente oferece a capacidade de operar diversos meios aéreos, quer sejam
eles de asa-fixa ou rotativas, tripulados ou remotamente pilotados (VANT/SARP)
onde sejam necessários.
Essa flexibilidade
torna mais eficiente o emprego do poder aéreo, ampliando a capacidade de
defesa, conhecido como "guarda-chuvas" da esquadra, dando maior poder
de resposta aos meios envolvidos no teatro de operações (área operacional).
Tal habilidade
possibilita identificar e neutralizar diversas ameaças, mantendo uma zona
segura para os componentes do Grupo Tarefa (GT) e ao próprio NAe, viabilizando
lidar com ameaças de superfície, submarinas e aéreas, através do emprego de
variados sistemas, meios aéreos e armamentos para eliminar a força hostil, o
que definimos como capacidade tridimensional de combate, além da viabilidade de
lançar ataques contra alvos táticos e estratégicos muito além do território de
seu operador.
Sendo um
importante ativo na política externa de nações como os EUA e seus aliados
europeus, e que em anos mais recentes recebeu especial atenção e investimentos
vultosos pela China, a qual planeja uma poderosa capacidade de projeção de
força amparada em Navios Aeródromos que já começa a tomar forma.
A China dispõe de
dois navios do tipo, aos quais deve se juntar um terceiro em curto espaço de
tempo, além de informações que dão conta das ambições de um quarto e um quinto
NAe.
Não é nosso
objetivo aqui abordar a história deste importante expoente do poder naval,
ponto este que será tema de um capítulo posterior desta série, onde pretendemos
aprofundar o conhecimento de nossos leitores quanto a este tipo de embarcação e
sua história ao longo de décadas, com alguns capítulos da história onde este
tipo de navio se mostrou um importante ativo, ou sua ausência representou um
irremediável revés.
Tipos e
características
Temos variados
projetos de Navios Aeródromos e demais tipos voltados as operações aéreas, os
quais podem ser classificados em diversas categorias e empregabilidades, alguns
destinados exclusivamente a operações com asas rotativas (Porta-Helicópteros),
outros com capacidades mistas, operando com asas fixa e rotativas, além de
possuir capacidade de projetar força pelo mar, estes categorizados como LHD/LHA
(Landing Helicopter Dock / Landing Helicopter Atack), que são navios que
possuem um amplo convoo, similar à um porta-aviões, onde a maioria das classes
está destinada a operação de um variado leque de helicópteros, com alguns
destes tipos capazes de operar aeronaves de asa fixa VSTOL (Decolagem Curta e
Pouso Vertical), como os vetustos AV-8 Harrier e o moderno F-35B Lightning II,
além de operar com meios anfíbios e embarcações especiais de desembarque de
pessoal e material, e de certa forma também podemos incluir algumas classes de
navios do tipo LPD (Landing Plataform Dock – Doca Plataforma de Pouso), como o
NDM Bahia (Ex-TCD Siroco francês da classe Foudre) operado pela Marinha do
Brasil. O tipo mais conhecido e famoso, sem sombra de dúvidas, são os super
"porta-aviões", estes um ativo até então exclusivo da US Navy
(Marinha dos Estados Unidos), e porta aviões como a classe britânica “Queen
Elizabeth” e o francês “Charles de Gaulle”, o segundo adotando propulsão
nuclear, o único NAe nuclear fora do inventário da US Navy, não nos esquecendo
de citar que as marinhas da Rússia, Índia e China também operam belonaves de
deslocamento e capacidades dignas de serem aqui relacionadas.
No Brasil tem se
discutido a necessidade de se obter um novo NAe após a desativação do A-12 São
Paulo (Ex-R99 Foch da Marine Nationale francesa), alguns defendem que devemos
investir em outras soluções, como submarinos para prover a capacidade de
negação de mar, usando como justificativa para essa posição o fato de não termos
pretensões de projetar força fora de nosso território, além do argumento
pautado nos custos envolvidos da operação de um NAe, somados as necessidades emergentes
de renovação de nossos meios de escolta, navios essenciais ao emprego de um Grupo
Tarefa (GT) nucleado em Navios Aeródromos e sua segurança no mar. Enquanto isso,
outros tem o entendimento da necessidade de contar com ao menos um navio do
tipo para manter uma real capacidade de prover o pleno controle de nossas águas
jurisdicionais em suas três dimensões.
Uma breve
análise
No momento, apenas
os EUA e França contam em suas esquadras com Navios Aeródromos de propulsão a
energia nuclear, sendo esta a opção mais adequada para navios do tipo que
deslocam acima de 65.000 toneladas, sendo necessária esta solução para suprir a
alta demanda energética a bordo, tendo em vista o amplo emprego de complexos
sistemas de ECM (Contra-medida eletrônica), ESM (medida de suporte eletrônico)
e EMALS (sistema eletromagnético de lançamento de aeronaves), este último tem
substituído os antigos sistemas a vapor nos modernos projetos de NAe.
Outra
particularidade do emprego da propulsão nuclear é o objetivo de emprego destes
meios na projeção do poder naval ao redor do globo, o que nos leva a
classificar como uma solução voltada para capacidade de projeção de poder, o
que é o caso norte americano, mantendo GT nos principais pontos do globo, assim
mantendo sua presença militar e capacidade de pronta resposta onde se faça
necessária em pouco tempo, sendo uma das principais ferramentas da política
intervencionista dos EUA desde a Segunda Guerra Mundial.
Apesar do potencial
de projeção de força, o NAe de menor deslocamento não apresenta a adequada
capacidade de projetar poder em áreas distantes de seu raio de ação inicial
(RAI).
Devido a sua
limitada capacidade de transportar combustível, tais classes de NAe dependem
diretamente de uma rede logística para abastecimento de seus tanques, não
apenas para suprir seu Destacamento Aéreo Embarcado (DAE), mas principalmente
para sua própria operação, o que leva á necessidade do apoio de um navio-tanque
em todo período de operações, além de contar com uma modesta capacidade de
prover superioridade aérea em determinados cenários de conflito, se comparada a
envergadura e capacidade de um “super porta-aviões”, os quais dispõe de um DAE poderoso,
muito superior a muitas forças aéreas pelo mundo.
Os sistemas AEW&C
(Controle Aéreo Antecipado) e ASW (Guerra Antissubmarina) baseados em aeronaves
de asa fixa também são um fator importante, o qual deve ser meticulosamente
estudado, sendo ativos críticos para o eficiente emprego de um NAe, ainda que
possam contar com meios de asas-rotativas.
Lembramos que,
comparados às aeronaves de asa-fixa, os helicópteros possuem restrições de velocidade
e alcance, o que limita a zona que podem escanear, criando áreas seguras
menores que as providas pelas aeronaves de asa-fixa.
Estes sistemas
AEW&C e ASW são mais escassos nas classes de NAe de menor deslocamento,
tendo em vista a necessidade de otimizar ao máximo a capacidade de
superioridade aérea/interdição e ataque. Observando essas limitações e
qualidades, o NAe de menor deslocamento é indicado principalmente para
monitoramento de áreas marítimas, manutenção de presença, defesa de áreas de
interesse próximo e oposição à presença de forças hostis em águas
jurisdicionais.
Conhecendo os
sistemas de lançamento e recuperação
Hoje existem
variados projetos de Navios destinados as operações aéreas, conforme relatamos
no início, porém, para operação com aeronaves de asa-fixa temos dois modelos
básicos de convoo, o convés em ângulo com emprego de sistemas de catapulta
(CATOBAR), ou o convés com Ski-jump (STOBAR), este último em algumas versões
emprega catapultas, sendo modelo comumente adotado por projetos de origem
soviética, como os NAe indianos e chineses. Mas há também o emprego desta
solução por países europeus, como Espanha, Itália e Reino Unido, nos dois
primeiros citados o DAE é composto por aeronaves STOVL/VTOL AV-8B Harrier e
agora o F-35B, este último sendo o meio operado pelos britânicos em seus dois
novos "porta-aviões". Não pretendemos aprofundar sobre estas
características, tendo em vista que em futuros capítulos iremos abordar cada ponto
em profundidade.
Entendendo
os sistemas de lançamento e recuperação
Vamos iniciar pelo
mais conhecido dos sistemas, o "Catapult Assisted Take-Off Barrier
Arrested Recovery" ou CATOBAR, apontado como sistema para o lançamento e
recuperação de aeronaves mais empregado em porta-aviões.
Apesar de ter um
custo significativo, suas características entregam maior segurança nas
operações aéreas e a capacidade de operar um vasto leque de aeronaves de
asa-fixa, não se limitando aos meios STOVL, permitindo operar os meios aéreos
em sua plena capacidade, portando maior carga útil e combustível.
Outro ponto
relevante é a capacidade de lançar aeronaves com uma relação peso/potência mais
modesta, com aeronaves mais pesadas, como é o caso de plataformas AEW&C E-2
Hawkeye e similares, além de meios COD (transporte aéreo embarcado), como o
KC-2 "Trader". O sistema consiste no lançamento de aeronaves com
auxílio de uma catapulta à vapor ou sistema eletromagnético e pouso assistido
por sistema de cabos de parada.
Outro sistema
bastante empregado é o STOBAR (Short Take-Off & Barrier Assisted Recovery)
que consiste no método de decolagem curta sem auxílio de um sistema de
catapulta e recuperação por Arresto, este empregando um sistema de cabos de
parada similar ao empregado no CATOBAR, mas ao invés da catapulta, as aeronaves
decolam com apoio de uma rampa “Ski-jump”.
Em geral este tipo
apresenta inúmeros fatores limitantes se comparado ao CATOBAR, combinando
elementos tanto do sistema de decolagem curta e aterrissagem vertical (STOVL),
quanto de decolagem assistida por catapulta e recuperação por arresto
(CATOBAR).
A diferença entre
o STOVL (ou STOL) e o STOBAR, está diretamente ligada a capacidade de operar
aeronaves "convencionais", mas estas perdem grande parte de sua
capacidade de carga útil e combustível para que seja possível seu lançamento
empregando a potência de seus motores com o auxílio de uma Ski-Jump. Já para
realizar a manobra de pouso embarcado deste tipo de aeronave é imprescindível o
uso do sistema de parada por cabos, diferente do STOVL que pode abrir mão do
sistema de parada por cabos, dada a característica das aeronaves empregadas
neste tipo de navio.
O sistema STOBAR é
mais simples e apresenta menor custo de operação do que o CATOBAR, porém,
entregam uma capacidade muito inferior ao CATOBAR, conforme descrevemos,
limitando não só o leque de aeronaves que podem ser operadas com este sistema,
bem como a limitada carga útil e autonomia das mesmas, principalmente se não
houver uma capacidade REVO (reabastecimento em voo) adequada para atender a
estes vetores após a decolagem.
Existem estudos e
propostas de criar um sistema híbrido STOBAR, utilizando sistema de lançamento
EMALS de baixa potência e Ski-Jump, buscando ampliar a capacidade de carga útil
e combustível das aeronaves embarcadas neste tipo de navio, sem aumentar
demasiadamente a complexidade e custos operacionais dos mesmos.
Podemos citar como
navios que empregam o sistema STOBAR, os tipos soviéticos que foram os
primeiros a apostar nesta configuração, com o "Admiral Kuznetsov"
sendo o primeiro a utilizar este conceito, seguido por outros países como Índia
que conta com o INS Vikramaditya da Classe Kiev e está construindo o INS
Vikrant, além da China que conta com Liaoning (Ex-Varyag – Classe Kuznetsov) e
está finalizando as provas de mar do seu primeiro NAe, o “Shangdong”, este
sendo desenvolvido com base no projeto da classe “Kuznetsov”, mas refinamentos
e apresentando maior deslocamento.
Por último temos
alguns tipos que são capazes de operar aeronaves de asa-fixa, mas só operam
aeronaves STOVL, como o AV-8B Harrier ou F-35B Lightning II, como é o caso do
italiano “Cavour”, o espanhol “Juan Carlos” e outros no mesmo conceito sendo
desenvolvidos pelo Japão, Coréia do Sul e Reino Unido.
Os desafios
de operar um Navio-Aeródromo
Operar um
"Porta-Aviões" requer não apenas um orçamento que comporte os custos
de obtenção, operação e manutenção deste meio, mas o "expertise" no
emprego deste tipo de navio, o que demanda um alto-nível de adestramento e
qualificação de todos envolvidos, desde a tripulação orgânica do NAe, passando
pelos componentes do Destacamento Aéreo Embarcado - DAE (Pilotos, Equipes de
Manutenção dos Esquadrões), Departamento de Aviação e demais departamentos, mas
principalmente a sinergia destes quando embarcados no NAe e os demais meios do
Grupo Tarefa (GT), lembrando que o NAe também fica responsável por coordenar o
espaço aéreo de seu núcleo, o que exige a qualificação de todos envolvidos em
operações aéreas não apenas no NAe, mas nos meios de escolta, apoio e navios
Multipropósito que estejam operando aeronaves. Essa capacidade é restrita à um
grupo muito seleto, do qual o Brasil faz parte.
Embora tenhamos
desativado nosso último NAe há algum tempo, ainda mantemos nossas capacidades,
empregando o recentemente renomeado Porta-Helicópteros Multipropósito
"Atlântico", que passou a ser denominado Navio-Aeródromo
Multipropósito (NAM “Atlântico”), essa mudança se devendo a estudos realizados
mais recentemente, os quais levaram em consideração a capacidade de operar
aeronaves tiltrotor como o V-22 “Osprey” (embora este não seja parte ainda de
nosso inventário), e aeronaves remotamente pilotadas (ARP).
Para além da
capacidade de operar aeronaves Tiltrotor, o NAM “Atlântico” pode coordenar
aeronaves lançadas a partir de bases em terra (AF-1 Skyhawk e meios operados
pela FAB e mesmo EB), as quais passam a ser vetoradas pela equipe do
"Atlântico" no teatro de operações, o que representa uma formidável
capacidade de controle aéreo empregando o radar Type 997 ARTISAN 3D, capaz de
acompanhar centenas de contatos a grandes distancias e estabelecer uma
cobertura relevante, mantendo assim a capacidade de nossa Marinha, embora não
possamos ainda operar aeronaves de asa-fixa embarcada em um NAe convencional.
Um dos grandes
desafios hoje às Marinhas que operam navios do tipo tem sido o nível de ameaças
que surgem no horizonte, porém, embora muitos críticos e especialistas apontem
que o reinado dos grandes "Porta-Aviões" esteja chegando ao fim,
ainda podemos vislumbrar muitas décadas à frente onde este ainda se apresenta
como um dos mais completos e capazes meios de projeção de poder e defesa.
Onde tem sido
demonstrado um grande investimento de Marinhas menores e menos adeptas ao
emprego do poder aéreo embarcado a partir de aeronaves de asa-fixa, adotando o
conceito de navios multipropósito com capacidade STOVL/CATOBAR, ou ainda navios
destinados exclusivamente as operações aéreas empregando o F-35B, como tem
demonstrado a Coréia do Sul e o Japão, este último voltando a contar novamente
com esta capacidade que foi abandonada após a capitulação na Segunda Guerra
Mundial, objetivando contornar as restrições impostas a esta capacidade em sua
Constituição. Isso sem considerar a extensa modernização e preparação que o
italiano "Cavour" foi submetido para que possa operar com uma ala composta
por aeronaves F-35B.
Outra questão a
ser considerada é a missão a qual se destina o NAe, como descrito no início
desta matéria, um NAe não é apenas uma forma de projetar poder em áreas
longínquas, mas pode ser empregado para controle marítimo, meio de dissuasão,
defesa de águas jurisdicionais, apoio a operações humanitárias, dentre outras
funções que pode desempenhar. Partindo desta questão, o próximo capítulo desta
série especial irá analisar a questão brasileira com relação ao NAe e suas
pretensões.
Por Angelo Nicolaci - Jornalista, editor do GBN News, graduando em
Relações Internacionais pela UCAM, especialista em geopolítica do oriente
médio, leste europeu e América Latina, especialista em assuntos de defesa e
segurança.
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