O
HMS Sheffield (D80), um destroier de mísseis guiados da Marinha Real Inglesa
(Royal Navy) comissionado em 1975, foi atacado por mísseis Aerospatiale (hoje MBDA) AM 39 Exocet,
lançados pelos Dassault Super Étendard da Aviação Naval Argentina (COAN) no dia
4 de maio de 1982, durante a Guerra das Malvinas. O ataque vitimou 20 membros
da tripulação e deixou vários feridos. Dias depois, no dia 10 de maio, ao ser
rebocado, o Sheffield acabou afundando. O ataque argentino entrou para a
História por ser o primeiro a usar mísseis lançados por aviões contra navios. O ataque tornou famoso o míssil antinavio de origem francesa Exocet. O ataque também foi o batismo de fogo do COAN.
Antecedentes:
a ação inglesa
Desde
o início da “Operação Corporate” (a ação inglesa de retomada das Ilhas Malvinas,
ocupadas pelos argentinos desde o dia 2 de abril de 1982) a Argentina havia
sofrido a perda de várias aeronaves da Força Aérea Argentina (FAA) no dia 1º de
maio (primeiro dia da operação) e a Marinha Argentina sofreu com a perda do cruzador
ARA General Belgrano no dia 2 de maio e o ataque ao ARA Alférez Sobral no dia 3
de maio. Os argentinos então queriam encontrar uma forma de vingar essas perdas
e iniciaram planejamentos visando atacar a Força-Tarefa inglesa usando seu moderníssimo
míssil antinavio Exocet, nunca testado em combate real até então. Os argentinos
tinham apenas cinco preciosas aeronaves de ataque (que poderiam lançar o míssil
Exocet) Dassault Super Étendard, únicos equipados com o poderoso radar Agave de
ataque, e cinco unidades do míssil, na versão AM 39 (ar-terra), então teriam de
ser precisos.
O
comandante da Força-Tarefa inglesa, almirante John Forster “Sandy” Woodward,
esperava repetir o sucesso britânico ao abater muitas aeronaves argentinas como
ocorreu no dia 1º de maio. A força naval, formada pelos porta-aviões HMS Hermes
e HMS Invincible, suas escoltas e navios de apoio, navegou para o oeste, durante
a noite do dia 3-4 de maio, posicionando a força a uma distância de cerca de
180 km ao sul do então Puerto Argentino (Port Stanley). Devido à falta de uma
aeronave de alerta aéreo aproximado (AEW), três destroieres Tipo 42 (os HMS
Glasgow, Coventry e Sheffield) foram então posicionados formando uma espécie de
um “piquete aéreo” a uma distância de cerca de 40 km à frente da força principal,
prontos para enfrentar a ameaça aérea argentina usando seus sistemas antiaéreos.
A
política britânica era que qualquer navio da Royal Navy que suspeitasse estar
sob ataque de mísseis virasse em direção à ameaça, acelerasse à velocidade
máxima e atirasse chaff (tiras de alumínio para tentar desviar do alvo o
míssil atacante) para evitar que o navio fosse pego indefeso. A palavra-código
utilizada para iniciar este procedimento era “freio de mão”, que deveria ser
transmitido assim que o sinal do radar Agave da aeronave Super Étendard fosse
captado. Dentro da força-tarefa, a ameaça do submarino argentino Tipo 209 foi vista como
uma prioridade mais alta do que a ameaça do ar. Após o naufrágio do General
Belgrano, o Capitão James Salt, comandante do Sheffield, ordenou que o navio
mudasse de curso a cada 90 segundos para conter qualquer ameaça potencial de
submarino argentino.
Detectando
a Força-Tarefa inglesa
|
O HMS Sheffield (Fonte: Wikipédia). |
O Sheffield
foi detectado pela primeira vez por uma aeronave de patrulha do COAN Lockheed
SP-2H Neptune (matrícula 2-P-112) às 07:50h do dia 4 de maio de 1982. O Neptune
manteve os navios britânicos sob vigilância, verificando a posição do Sheffield
novamente às 08:14h e 08:43h. Uma ordem fragmentária de ataque então foi emitida
pelo comando da Força-Tarefa 80 (que coordenava as aeronaves do COAN na guerra)
e duas aeronaves Dassault Super Étendard do COAN, ambos armados com um Exocet
AM39 na asa direita e um tanque de combustível na asa esquerda, para evitar
assimetria, decolaram da base aérea naval de Río Grande, na Terra do Fogo, às
09:45h e em total silêncio-rádio e se encontraram com uma aeronave de
reabastecimento em voo Lockheed KC-130H Hercules da FAA para serem
reabastecidas às 10:00h. As duas aeronaves eram a 3-A-202, pilotada pelo
comandante da missão Capitán de Corbeta Augusto Bedacarratz, e a 3-A-203,
pilotada pelo Teniente de Navío Armando Mayora.
|
Um Dassault Super Étendard do COAN armado com um míssil antinavio Exocet. (Fonte: Blog Poder Naval) |
Nas semanas
que antecederam o ataque, os pilotos argentinos vinham praticando táticas
contra seus próprios navios, pois os argentinos possuíam destroieres Tipo 42 da
mesma classe do Sheffield e, portanto, conheciam bem o horizonte do radar,
distâncias de detecção e tempos de reação do radar do navio, bem como o
procedimento ideal para programar o míssil Exocet para um perfil de ataque
bem-sucedido. A técnica que eles usaram é conhecida coloquialmente como
“Pecking the Lobes” (“Bicando os Lóbulos”), em referência à aeronave sondando
os lobos laterais do radar emissor usando o receptor de alerta do radar. A
aeronave pode evitar a detecção evitando o lóbulo principal do radar emissor, além
de voar bastante baixo sobre o mar (de 10 a 15 metros de altura) fazendo apenas
uma pequena subida para ligar rapidamente o radar para conferir a navegação e
se há algum alvo mais próximo.
O ataque
|
Posição da Força-Tarefa inglesa durante o ataque do dia 4 de maio de 1982. (Fonte Quora) |
Às
10:35h, o Neptune subiu para 1.170 metros de altitude e detectou um contato
grande e dois de tamanho médio. Poucos minutos depois, o Neptune atualizou os
Super Étendard com as posições. Por volta das 10:50 ambos os Super Étendard
subiram a 160 metros para verificar esses contatos, mas não conseguiram
localizá-los e voltaram à baixa altitude. Mais tarde, eles subiram novamente e
após alguns segundos de varredura, os alvos apareceram em suas telas de radar. Ambos
os pilotos carregaram as coordenadas em seus sistemas de armas, voltaram ao
nível baixo e, após verificações de última hora, cada um lançou seu míssil
Exocet AM 39 às 11:04h, a uma distância de 32 a 48 km de seus alvos, e
efetuaram o retorno ao continente ema alta velocidade. Os Super Étendard não precisaram
ser reabastecidos pelo KC-130 no ponto onde eram esperados e pousaram sem problemas
em Río Grande às 12:10h, com o Neptune pousando um pouco antes, às 12:04h, também
em Río Grande. Um cumprimento de mão entre os dois pilotos encerrou a missão, sem
no momento os argentinos saberem se haviam realmente acertado alguma coisa. Apoiando
a missão também estavam um Learjet 35 como distração e dois IAI Dagger da FAA como
escoltas do KC-130.
O alvo:
o HMS Sheffield
Aproximadamente
às 10:00h do dia 4 de maio, o Sheffield estava em prontidão de segundo grau, mais
ao sul dos três destroieres Tipo 42 (os HMS Glasgow e Coventry) operando como
um piquete antiaéreo avançado, formando um perímetro defensivo entre 29 a 48 km
a oeste da força-tarefa principal, que ficava a sudeste das Malvinas. O tempo
estava bom e o mar calmo, com ondas de dois metros. O HMS Invincible, que
estava com a força-tarefa principal, era responsável pela Coordenação da Guerra
Antiaérea (AAWC). O Sheffield havia acabado de substituir o Coventry na função,
pois este estava tendo problemas técnicos com seu radar Tipo 965.
Antes
do ataque, os operadores de radar do Sheffield estavam tendo dificuldades em
distinguir as aeronaves inimigas, provavelmente pelo destróier não ter um IFF (identificação
amigo-inimigo) eficaz ou ele estar sofrendo interferência do próprio radar do
navio. Apesar das informações recebidas de inteligência que identificaram um
ataque de mísseis Exocet lançados por aeronaves Super Étendard como possível, o
Sheffield avaliou a ameaça dos Exocet como superestimada nos dois dias
anteriores, e desconsiderou outro como um alarme falso.
Como
o radar Tipo 965 não conseguia detectar aeronaves voando baixo, por causa da
curvatura da Terra, as duas aeronaves inimigas em aproximação não foram
detectadas mesmo voando a 30 metros de altura. As duas aeronaves foram detectadas
a uma distância de apenas 74 km pelo UAA1, o sistema RWR (receptor
alerta-radar) do navio. Isso foi então confirmado pelo radar de alerta de
aeronaves de longo alcance 965M do Glasgow quando uma das aeronaves estava a 37
metros de altura efetuando uma verificação do seu radar a cerca de 83 km do navio.
O Glasgow imediatamente entrou em alerta e comunicou a palavra-código de
advertência “Freio de mão” pelo UHF e HF a todos os navios da força-tarefa. Os
contatos de radar também foram vistos pelo Invincible, que vetorou duas
aeronaves Sea Harrier em PAC (patrulha aérea de combate) para investigar, mas
eles não detectaram nada. O AAWC em Invincible declarou os contatos do radar
como falsos e deixou o nível de advertência em amarelo, em vez de aumenta-lo
para vermelho.
Em
resposta ao aviso do Glasgow, uma ordem de prontidão foi emitida para as
tripulações do canhão de 4,5 polegadas, Sea Dart e canhões de 20 mm. As
aeronaves foram detectadas no radar avançado Tipo 909, mas não no conjunto de
popa. O sensor UAA1 de Sheffield foi então bloqueado por uma transmissão não
autorizada pelos sistemas de comunicação por satélite da nave (SCOT). Nenhuma
informação foi recebida via link de dados de Glasgow. Sete segundos depois, o
primeiro míssil Exocet foi disparado, em resposta ao qual Glasgow começou a lançar
chaffs para tentar despistar o míssil. A bordo do Sheffield, só quando a
fumaça do míssil foi avistada pelos vigias é que a tripulação percebeu que
estava sob ataque. Os oficiais da ponte não chamaram o capitão para a ponte,
não fizeram chamadas para estações de ação, não tomaram medidas evasivas e não
fizeram nenhum esforço para preparar o canhão de 4,5 polegadas, os mísseis SAM Sea
Dart ou ao menos ordenar o disparo de chaffs. O oficial de guerra
antiaéreo foi chamado à sala de operações pelo principal oficial de guerra,
chegando pouco antes de o primeiro míssil atingir.
Um
dos mísseis acabou errando o alvo, atingindo o mar a cerca de 800 metros à sua
esquerda, sendo visto pela escolta Yarmouth. O outro Exocet atingiu o Sheffield
à sua direita, no nível 2 do convés, penetrou o casco do navio e acabou
rompendo a antepara da Sala de Máquinas Auxiliar de Vante/Sala de Máquinas de
Vante 2,4 metros acima da linha de água, criando um buraco no casco de
aproximadamente 1,2 metros por 3 metros. Aparentemente o míssil não explodiu,
apesar de desativar os sistemas de distribuição elétrica do navio e rompendo o
duto de água do mar pressurizado. Os danos ao sistema de incêndio prejudicaram
gravemente qualquer resposta de combate a incêndios e, eventualmente, condenou
o navio a ser consumido pelo fogo, iniciado pelo propelente do próprio míssil.
|
O fogo consome o Sheffield (Foto: Blog Poder Naval) |
No
momento do ataque, o capitão estava de folga em sua cabine após ter visitado
anteriormente a sala de operações, enquanto o oficial de guerra antiaérea de
Sheffield (AAWO) estava na sala dos oficiais conversando com os comissários e
seu assistente estava na ponte. O Sheffield e Coventry estavam trocando
informações em UHF e as comunicações cessaram e logo depois uma mensagem não
identificada foi ouvida declarando categoricamente: “O Sheffield foi atingido!”
A reação
inglesa
A
nau capitânia da Força-Tarefa, HMS Hermes, despachou as suas escoltas Arrow e
Yarmouth para o local do piquete para verificar o que havia ocorrido, e um
helicóptero foi lançado para o local. Alguns minutos depois o helicóptero orgânico
do Sheffield, um Westland Sea Lynx pousou inesperadamente a bordo do Hermes transportando
o oficial de operações aéreas e o oficial de operações, confirmando o ataque. Os
ingleses entraram em choque. Com os principais sistemas de combate a incêndios
fora de ação devido à perda do duto principal de água, a tripulação do navio passou
a combater o incêndio com mangueiras acionadas por bombas portáteis movidas a
eletricidade e simples baldes de água. As escoltas Arrow e Yarmouth, logo que
chegaram ao local, passaram a auxiliar no combate do fogo do lado de fora (com
pouco efeito) posicionando-se a esquerda e a direita do Sheffield, respectivamente.
|
O ponto de impacto do Exocet no navio. (Foto: Blog Poder Naval) |
A
tripulação do Sheffield lutou por quase quatro horas para salvar o navio antes
que o Capitão Salt tomasse a difícil decisão de abandonar o navio devido ao
risco de os incêndios chegarem ao paiol ou aos mísseis do navio, como o grande
Sea Dart, a perda da capacidade de combate do destróier e a exposição do Arrow
e Yarmouth a um ataque aéreo inimigo. A maior parte da tripulação do Sheffield passou
para a Arrow, alguns transferidos para a Yarmouth, enquanto os mortos e os feridos
foram levados de helicóptero para o Hermes.
Nos
seis dias seguintes, a partir de 4 de maio de 1982, enquanto o navio ainda
flutuava, cinco inspeções foram feitas para ver se valia a pena salvar algum
equipamento. Ordens foram emitidas para escorar o buraco no lado estibordo de
Sheffield e rebocar o navio para a Geórgia do Sul. Antes que essas ordens
fossem emitidas, o navio queimado estava sido rebocado pelo Yarmouth. O mar
agitado por onde o navio foi rebocado causou uma inundação lenta pelo buraco onde
o míssil entrou no costado do navio, causando uma inclinação para estibordo e
que acabou fazendo o Sheffield capotar e afundar próximo a borda da Zona de
Exclusão Total na posição 53º04’S 56º56’O no dia 10 de maio de 1982. Foi o
primeiro navio da Royal Navy afundado em ação desde a Segunda Guerra Mundial.
Dos
281 membros da tripulação, 20 (principalmente em serviço na área da cozinha e
na sala de informática) morreram no ataque e outros 26 ficaram feridos,
principalmente por queimaduras, inalação de fumaça ou choque elétrico. Apenas
um corpo foi recuperado. Os sobreviventes foram levados para a Ilha de Ascensão
no navio-tanque RFA British Esk. O naufrágio é atualmente um túmulo de guerra e
designado como local protegido ao abrigo da Lei de Proteção de Restos Militares
de 1986.
Consequências
Um
Conselho de Inquérito do Ministério da Defesa (MOD) foi convocado no HMS
Nelson, no dia 7 de junho de 1982. Eles relataram suas descobertas em 28 de
junho de 1982. O relatório do conselho criticou severamente o equipamento, o
treinamento e os procedimentos de combate a incêndio do navio, identificando
que os fatores críticos que levaram à perda de Sheffield foram, dentre outros, falta
de preparo das equipes de defesa e sistemas eletrônicos do navio, falha do radar
em detectar as aeronaves, ineficiência do sistema ECM (contramedidas
eletrônicas), lenta resposta do radar de controle de fogo do Sea Dart a ameaça,
deficiências no projeto do navio que dificultaram o combate do fogo, presença
em excesso de material inflamável no navio e ausência de respiradores e outros
equipamentos adequados para combater o fogo com eficácia.
|
As tentativas de salvar o navio foram infrutíferas. (Foto: Blog Poder Naval |
O Capitão
do navio, James Salt, foi isento de qualquer acusação, pois para o conselho,
suas decisões após o impacto do míssil e de abandonar o navio foram corretas. Em
2006 ocorreu a liberação do relatório através da Lei de Liberdade de
Informações do Reino, onde ocorreram acusações de negligência contra alguns dos
tripulantes em comando do navio, que foi abafada pelo conselho em 1982. Em 2015,
após uma revisão dos eventos ocorridos, foi descoberta que a ogiva do míssil
Exocet realmente explodiu, com os resultados obtidos por modernos equipamentos
de análise de danos, não disponíveis em 1982.
Já
na Argentina as notícias de que o Sheffield fora atingido e posto fora de ação foram
recebidas com muita satisfação pela Força-Tarefa 80, pela Força Aérea Sul (que
gerenciava a Força Aérea Argentina na Guerra das Malvinas) e pelo povo
argentino. Boatos de que no mesmo ataque foram atingidos outros navios e também
o HMS Hermes ajudaram a levantar o moral das tropas nas ilhas, no continente e
na população em geral. Mesmo assim o afundamento do HMS Sheffield mostrou que
os argentinos não estavam mortos no conflito e ainda iriam dar muito trabalho
aos ingleses.
Com informações retiradas da Wikipédia, Canal Militarizando, Revista Força Aérea e Blog Forças de Defesa.
*Foto de capa: Reprodução do momento em que os Dassault Super Étendard do COAN lançam seus mísseis antinavio Exocet contra o HMS Sheffield. (Fonte: Blog Poder Naval)
_____________________
Por: Luiz Reis - Editor-Chefe do Canal Militarizando, Professor de História da Rede Oficial de Ensino do Estado do Ceará e da Prefeitura de Fortaleza, Historiador Militar, entusiasta da Aviação Civil e Militar, fotógrafo amador. Brasiliense com alma paulista, reside atualmente em Fortaleza-CE. Luiz colaborou com o Canal Arte da Guerra e o Blog Velho General e atua esporadicamente nos blogs da Trilogia Forças de Defesa, também fazendo parte da equipe de articulistas do GBN Defense. Contato: [email protected]
GBN Defense e Canal Militarizando - Juntos pelo Brasil!