O PEM 2040 é resultado de um amplo trabalho de pesquisa, contando com a participação de vários setores da sociedade brasileira, elaborado após diversas discussões e a contribuição de grupos de trabalho multidisciplinares, nos quais tiveram a participação tanto de militares, como também de civis, tendo sido ouvidos importantes formadores de opinião, além de representantes das comunidades científica e acadêmica, provendo transparência e clareza para a sociedade sobre os rumos que a MB adota, em consonância com sua missão.
O documento traz seu conteúdo dividido em cinco capítulos e seus tópicos, torna sua leitura simples e de fácil compreensão para a sociedade como um todo. O PEM 2040 apresenta o cenário no qual estamos inseridos, bem como ameaças e oportunidades para a MB, condicionado pelos documentos de alto nível da Defesa, como a Política Nacional de Defesa, a Estratégia Nacional de Defesa e o Livro Branco de Defesa Nacional, além da plena consonância com a Constituição Federal e as atribuições legais da MB.
No dia 25 de setembro, o GBN Defense na figura de seu editor/fundador Angelo Nicolaci, junto a outras renomadas mídias de defesa, foram convidados pelo Comandante da Marinha, Almirante de Esquadra Ilques Barbosa Junior, para uma breve entrevista, onde puderam conhecer um pouco melhor o PEM 2040 e dirimir algumas dúvidas sobre este documento e os rumos que a MB adotará no período 2020-2040.
A Marinha demonstra uma visão bastante clara dos desafios que se apresentam no presente e no horizonte de nossa nação, com este planejamento indo muito além dos conhecidos programas estratégicos em andamento, com uma inserção maior da participação da Marinha em variados cenários e missões, bem como uma importante mudança em determinados conceitos e doutrinas de emprego do poder naval.
Um dos pontos de grande relevância apontados pelo PEM, diz respeito às ameaças e desafios que se apresentam à nossa nação, e isso ficou bem exposto pelo Alte.Esq (CM) Ilques Barbosa Junior, questionado sobre as medidas adotadas pela Marinha do Brasil para mitigar as múltiplas ameaças que se apresentam, que vão além das "tradicionais" ameaças comumente elencadas quando se aborda as questões de soberania e controle de nossas águas jurisdicionais, somando-se a estas, cenários de desastres ambientais, como o derramamento de óleo no nordeste de nossa costa no ano passado, bio-ameaças como a Pandemia do COVID-19, o crime organizado que vem crescendo como um todo no mundo, com o narcotráfico, contrabando, pirataria, além do terrorismo e a expansão dos interesses internacionais.
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Foto: Angelo Nicolaci - GBN Defense |
Segundo o Comandante da Marinha (CM), o Plano Estratégico da Marinha (PEM) tem como pilares fundamentais a Política Nacional de Defesa (PND) e a Estratégia Nacional de Defesa (END), com isso quando se vislumbram as questões relacionadas às fronteiras e o nosso entorno estratégico, a visão é mais ampla e envolve não somente a Marinha do Brasil, mas sim as nossas três Forças e os desafios que englobam ações mais complexas envolvendo um conceito tridimensional, no qual é de suma importância a interação não apenas entre as Forças Armadas (FFAA), como também de outras agências e órgãos do estado brasileiro, para garantir a segurança e os interesses de nossa nação do norte ao sul, de lestes à oeste. O cenário global hoje tem apontado para uma concepção de duplo emprego das Forças Armadas, onde elas vem agregando além de seu papel constitucional, novas missões e responsabilidades, e isso exige das mesmas um nível de prontidão elevado, hoje atingindo um nível com 100% de prontidão. Sendo assim, não há espaço mais para que por exemplo, se prepare nossa indústria para responder a determinadas ameaças, tal como ficou evidente diante da Pandemia do Covid-19.
Diante das questões ligadas ao controle e gerenciamento de nossas fronteiras e território nacional dispostas pelo PND e a END, temos três importantes e complexos sistemas que são de suma importância citados na fala do Comandante da Marinha (CM), com a tríade composta pelo SISFRON (Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras) na faixa de fronteira terrestre, concebido por iniciativa do Comando do Exército, em decorrência da aprovação da END em 2008, a qual orienta a organização das Forças Armadas sob a égide do trinômio monitoramento/controle, mobilidade e presença; o SISCEAB (Sistema de Controle do Espaço Aéreo Brasileiro) conduzido pelo Comando da Aeronáutica; e o SisGAAz (Sistema de Gerenciamento da Amazônia Azul) que tem a missão de monitorar, de forma contínua e integrada, as Águas Jurisdicionais Brasileiras e as áreas internacionais de responsabilidade brasileira para realização, quando necessário, de operações de Socorro e Salvamento, sendo este importante sistema concebido pela Marinha do Brasil.
Nosso entorno estratégico inclui a Costa Oeste da África, Caribe, Antártica e parte oeste do território continental, suas dimensões por si só já se apresentam como um grande desafio, onde soma-se a esse ambiente operacional a crescente atuação do crime organizado no âmbito global, o que leva a necessidade do emprego de nossas Forças Armadas no apoio irrestrito a segurança nacional, esse um ponto destacado pelo CM com relação ao questionamento sobre o cenário de ameaças que se apresenta ao Brasil.
Prosseguindo em sua resposta, o CM frisou a importância que tem sido dada a capacitação de seus militares, sendo um dos pontos chave do PEM, com a Marinha do Brasil atenta a necessidade de capacitar seu pessoal, algo que faz parte do Programa Estratégico (PE) de quaisquer forças armadas. Seguindo nessa linha, o CM ressaltou os esforços da Marinha do Brasil em aprimorar ainda mais esse importante ponto estratégico, alterando o procedimento de entrada no Curso de Estado-Maior para Oficiais Superiores (CEMOS), ampliando as exigências na escola de formação, nesse sentido tem sido realizadas alterações nas normas de carreira, adequando a nova lei que destaca a meritocracia e incentiva a constante qualificação dos homens e mulheres que compõe a Marinha. "Não adianta entramos com o mais moderno navio na Baía de Guanabara, se não soubermos como operar", disse o Comandante da Marinha.
Um de nossos questionamentos apresentado ao Comandante da Marinha, diz respeito aos desafios que são impostos pelo PEM à Marinha do Brasil, tendo em vista que a mesma se encontra diante de um extenso processo de renovação de meios, dado o avançado estado de obsolescência que boa parte dos meios operativos apresentam, bem como a baixa de muitos meios sem substituição, dada as limitações impostas pelo orçamento concedido à Força Naval e outros fatores de ordem política, os quais nas últimas décadas não deram o devido aporte às necessidades de nossa Esquadra. Perguntamos como seria realizada a captação dos recursos necessários para tocar os programas estratégicos em andamento e os que se fazem necessários para o cumprimento das missões constitucionais e compromissos internacionais assumidos pela nossa MB, bem como as missões que vem a se somar no âmbito da Marinha e seu Corpo de Fuzileiros Navais (CFN)?
Esse importante ponto foi esclarecido pelo CM onde, em consonância com a PND e a END, durante todo processo de criação do PEM, houveram muitas conversas com Ministro da Defesa, Fernando Azevedo, após sua concepção, o Plano foi apresentado ao Conselho de Defesa Nacional, ocasião em que estiveram presentes ministros de estado, o Presidente da República Jair Bolsonaro e seu Vice-Presidente, Hamilton Mourão, além do Presidente do Senado e posteriormente apresentado ao presidente da Câmara dos Deputados, mostrando a classe política brasileira a real situação de nossas Forças Armadas, porque eles são os representantes do povo, e a eles cabe atribuir as prioridades de nosso país, e como estamos num estado democrático de direito, esse é o caminho a ser trilhado, e fora apresentado o PEM aos líderes do Executivo, Legislativo e Judiciário.
Esse foi o primeiro movimento realizado, esclarecendo aos três poderes a real situação das Forças Armadas, ao mesmo tempo que foram apresentadas as ameaças às quais estamos submetidos à sociedade brasileira, seguindo nos esforços de se tirar o velho estigma de que os militares vêem ameaças onde não existem, por exemplo, a Pandemia de Covid-19 que resultou na perda de 140 mil vidas no Brasil, ou ainda a agressão perpetrada pelo derramamento de óleo no nordeste do Brasil, um crime que o Alte.Esq. (CM) Ilques Barbosa deixou bem claro: "Posso assegurar, como objetivo naval permanente até quando for necessário, até o fim dos tempos, nós vamos estar atrás dele, até achar e punir, porque uma agressão daquela magnitude não pode ficar impune". Existe uma vasta gama de ameaças as quais não se pode ignorar, e a sociedade brasileira tem sido alertada, conforme deixou claro o Comandante da Marinha, onde várias providências tem sido tomadas no sentido de neutralizar esses riscos. Hoje enfrentamos ameaças como o crime organizado e as Organização Não Governamentais, que na verdade não são legitimamente ONGs, e sim fachadas para outras atividades e interesses, "Nós não podemos ter a inocência de não constatar um fato e sermos envolvidos em discussões que nos tirem do foco que é a defesa do nosso futuro, a defesa dos nossos cidadãos", disse o Almirante.
Apesar do cenário internacional apresentando importantes mudanças nos níveis de ameaça, as ameaças interestatais não desapareceram e continuam sob a observância de nossos militares, como explicitou em sua fala o Comandante da Marinha, e isso trás a imprescindível necessidade de estarmos prontos e capacitados a responder aos desafios, pois uma das mais eficazes formas de se evitar um conflito é estarmos prontos para ele, é uma máxima que segue desde os primórdios da humanidade, a dissuasão é um importante ativo de defesa.
Um ponto enfatizado pelo Almirante Ilques, diz respeito ao retorno gerado pelo investimento em defesa, algo que constantemente vem sendo ignorado de forma proposital pelos críticos aos programas de reaparelhamento de nossas Forças Armadas. Os Programas Estratégicos não apenas suprem as necessidades diretas de nossa defesa por meio da aquisição de sistemas, mas representam a geração de muitos empregos diretos e indiretos, arrecadam impostos, fomentam o desenvolvimento e a capacitação de nosso parque industrial, criam novas oportunidades para exportação de produtos com alto valor agregado, além de prover segurança a nossa soberania.
"Só o ProSub, não estou mencionando nenhum outro programa em andamento, gera 900 milhões em impostos. Quantas escolas foram construídas com esses impostos? Quantos empregos, quantas famílias estão vivendo através dessa segurança gerada pela Base Industrial de Defesa (BID)? Todos os nossos programas estão sendo auditados/controlados pelo Tribunal de Contas da União (TCU), gerando conforto para o Comando da Marinha. O TCU esta a contrabordo da Marinha, dizendo o que pode e o que não pode ser feito, e assim será enquanto durarem os programas", disse o Almirante Ilques, e prosseguindo, "A sociedade brasileira precisa entender que num planeta que sofre pandemias, tem assimetrias, tem insegurança, desastres naturais, movimentos geopolíticos agressivos, terrorismo dentre outros, o Brasil não esta isento de tudo isso. Um país como Brasil, que tem um solo fértil, um país que tem água, um país que tem um espaço geográfico imenso, possui reservas energéticas imensas, tanto solar, eólica, petróleo, hídrica, urânio dentre outras, precisa de atenção, precisa ser cuidado com posicionamento maiúsculo em defesa de nossos interesses", complementou.
Uma questão levantada durante o encontro com Comandante da Marinha, teve como alvo o futuro da capacidade desenvolvida em Itaguaí, que hoje conta com uma moderna estrutura destinada a construção dos quatro submarinos convencionais da Classe Riachuelo (SBR), os quais estão em avançado estágio de construção, devendo em breve ser concluído o programa de submarinos convencionais, o que deverá ocasionar uma lacuna temporal entre a conclusão dos submarinos convencionais e o início da construção de nosso primeiro submarino nuclear (SNBR).
Com relação ao Complexo de Itaguaí, foi esclarecido que a Marinha do Brasil possui planos para manter ativa a capacidade conquistada com o ProSub, com o complexo não sendo limitado à construção e manutenção dos meios submarinos, mas também atendendo a demando pela construção e manutenção de outros meios. Sendo revelado que existem estudos em andamento no intuito de avaliar a possibilidade de atracação das futuras fragatas da Classe Tamandaré no Complexo Naval de Itaguaí. Há elevada probabilidade de que isso aconteça, e com isso surge a demanda da criação de toda uma estrutura voltada a operação desses meios naquela região, pois envolve mais do que apenas as facilidades para os meios em si, mas toda uma infraestrutura para receber todos tripulantes e demais militares envolvidos, com a construção de casas e todo suporte necessário a estes.
Outra questão que envolve o Complexo Naval de Itaguaí, diz respeito a outro importante programa da Marinha, o qual prevê a retirada de boa parte do poder naval da cidade do Rio de Janeiro, o que não significa sair do estado, mas sim se adequar às novas necessidades estratégicas identificadas pela Marinha.
A Força de Submarinos será transferida para Itaguaí, que deverá operar os quatro modernos submarinos da Classe Riachuelo (SBR), assim como os remanescentes da Classe Tupi. E a intenção não é parar com a conclusão do quarto exemplar da Classe Riachuelo, podendo em futuro próximo se iniciar a construção de um quinto submarino da classe, incorporando aperfeiçoamentos em relação aos primeiros submarinos da classe.
"Não é nada contra a cidade do Rio de Janeiro, é que não existe no mundo uma Marinha do porte da nossa, numa cidade como Rio de Janeiro. Não existe Marinha dos EUA em Los Angeles ou Nova York, a Marinha inglesa não esta em Londres, porque as cidades grandes de certa maneira impõe desafios de mobilidade e segurança. Então, nossa intenção é paulatinamente, na medida do possível fazer essa transição", disse o Almirante Ilques.