Nos últimos vinte anos, a geopolítica da Ásia tem vindo a sofrer profundas alterações (ver esquemas), sendo a explosiva emergência da China o facto mais impressionante. Entre os outros factores que marcam a paisagem estratégica da Ásia na actualidade, destacam-se: a poderosa presença estratégica dos Estados Unidos, por via, quer dos dispositivos militares no Iraque e no Afeganistão, quer de uma vasta rede de alianças (com Japão, Austrália, Coreia do Sul, Filipinas, Tailândia e Paquistão e ainda a protecção a Taiwan) e das instalações militares noutros países do Sudeste Asiático, Médio Oriente e Ásia Central; as novas “parcerias estratégicas” Rússia-China, Irão-Rússia, India-Irão, China-Índia e também Rússia-EUA; as alianças da China com o Paquistão e a Coreia do Norte; a emergência da Índia; a expansão do papel político do Japão e das suas forças de autodefesa; a crescente rivalidade entre a China e o Japão; a nova fase de cooperação entre a China Popular e os Estados Unidos, apesar da competição estratégica; o contínuo aumento dos orçamentos de defesa e das capacidades militares na região (ver quadro); os progressos na cooperação multilateral na região, inclusive sobre questões de segurança; o aumento significativo dos intercâmbios económicos e das trocas comerciais entre países asiáticos; e a existência de inúmeros conflitos e diferendos por resolver, quase todos envolvendo as grandes potências (ver mapa).
Em função de tudo isto, os cálculos estratégicos, tanto dos Estados asiáticos como do “equilibrador” externo e hegemónico, os EUA, vêm sendo profundamente reconsiderados. É verdade que o ambiente de segurança é até mais positivo do que em épocas anteriores, mas as expectativas mais optimistas que antevêem o século XXI como o “século da Ásia” convivem com os cenários mais negativos que presumem a “balcanização da Ásia” ou o confronto entre grandes potências na região.
Novas parcerias estratégicas
As relações na Ásia são extremamente fluidas e de natureza imprevisível e volátil, como se comprova pelo estabelecimento de três novas parcerias estratégicas nos últimos anos. A primeira inclui a Rússia e a China. Impensável há apenas década e meia, esta “parceria estratégica“ foi estabelecida em 1996 numa lógica inicial de contrapeso à hegemonia dos Estados Unidos, ao abrigo da qual se desenvolveu um profícuo diálogo político que, além da regulação definitiva das históricas disputas fronteiriças e de uma espécie de “partilha de influência” na área, permitiu enquadrar as ex-repúblicas soviéticas da Ásia Central e estabilizar aquela região. Para Pequim, este partenariado com a Rússia tem sido bastante útil para se abastecer de armas, petróleo e gás natural; para Moscovo, a parceria com a China tem servido, fundamentalmente, como meio de “desencravamento estratégico” e de promoção do seu carácter asiático. Apesar de ter perdido alguma relevância em virtude da melhoria significativa das relações de Pequim e de Moscovo com os EUA depois do 11 de Setembro, a parceria China-Rússia continua a ser para ambos um mecanismo de desafio da supremacia americana, de contrabalanço à aliança EUA-Japão e de afirmação na arena asiática.
Uma segunda parceria estratégica respeita à Índia e ao Irão. Proclamada em 2003, esta parceria inclui a colaboração nas áreas da energia, comércio e outros assuntos económicos, antiterrorismo, cooperação militar e também “em terceiros países” (provavelmente, Afeganistão e Paquistão). Para o Irão, a parceria com a Índia é uma forma de escapar à política de contenção e confrontação promovida pelos EUA, além de ser uma fonte de bens de alta tecnologia e de assistência. Para a Índia, a parceria com o Irão resulta de três motivações essenciais: satisfazer o desejo de ter um amigo/aliado importante no mundo islâmico; aceder a recursos energéticos suplementares; e obter “profundidade estratégica”, sobretudo, pelo “efeito de tenaz” que produz sobre o rival Paquistão. Algumas notícias sugerem mesmo que a Índia terá o direito de utilizar bases militares iranianas em caso de conflito com o Paquistão (o que é negado por Teerão).
A terceira parceria é, porventura, a mais impressionante, pois associa os dois gigantes asiáticos e potências emergentes: China e Índia – combinadas, representam 40% da população mundial. Ultrapassadas décadas de hostilidade que originaram uma guerra (1962) e as tensões acentuadas depois das experiências nucleares indianas, em 1998, a parceria China-Índia foi estabelecida durante a histórica visita do anterior primeiro-ministro indiano Atal Bihari Vajpayee (o mesmo que algum tempo antes tinha considerado a China como «a ameaça número um para a segurança da Índia») a Pequim, em Junho de 2003, e reforçada pela visita do primeiro-ministro chinês Wen Jiabao à Índia, em Abril de 2005. As motivações da parceria são várias: ambas são críticas do unilateralismo americano e procuram promover uma ordem multipolar; as suas economias são, em larga escala, complementares; em termos de segurança, têm ambas interesse na regulação pacífica dos diferendos fronteiriços e na estabilização da Ásia Meridional por via do apaziguamento da complexa relação triangular China-
-Índia-Paquistão. Neste novo contexto, já não parece estranho o reiterado reconhecimento indiano do Tibete como parte integrante da China e a promessa de não apoiar as actividades separatistas tibetanas no exterior, nem o apoio chinês à entrada da Índia para o Conselho de Segurança da ONU como membro permanente, e muito menos a subida vertiginosa do comércio bilateral (53,6% entre 2002 e 2003). No entanto, convém referir que, apesar da boa atmosfera entre os dois países, persistem desconfianças ancestrais e permanecem por resolver as disputas territoriais ao longo dos cerca de 4.500 km de fronteira: a Índia reclama 35.000 km 2 do território de Aksai Chin, controlado pela China, como parte do seu território de Laddak, Caxemira; e Pequim, por seu lado, disputa a posse de 90.000km 2 do que é agora o Estado indiano de Arunachal Pradesh. Ou seja, o relacionamento China-Índia tem potencial tanto para originar um novo eixo estratégico cujo impacto seria tremendo para a Ásia e as relações internacionais em geral como, ao invés, retroceder e provocar uma nova competição estratégica entre as duas gigantescas potências emergentes. A verdade é que as duas potências são demasiado importantes e demasiado próximas para se poderem ignorar.
Geopolítica da China
Os principais objectivos da política externa de Pequim passam por desenvolver relações que lhe permitam fortalecer o poderio económico e militar chinês, promover a estabilidade em redor das suas fronteiras, afirmar a China como potência suprema da Ásia e aumentar o seu estatuto internacional. As principais preocupações de segurança da China centram-se, sobretudo, na política asiática dos Estados Unidos, bem como na instabilidade da sua vasta periferia, na expansão do papel estratégico do Japão, em conluio com os EUA, no livre acesso aos recursos energéticos, e num eventual conflito com Taiwan, se este território persistir nas veleidades independentistas.
Para fazer valer os seus interesses na Ásia, a China promove uma estratégia de crescimento e afirmação de longo prazo que assenta em quatro pilares:
1) participação nas organizações regionais e nos fóruns de diálogo inter-regionais, mostrando particular interesse no envolvimento com a Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN) e na Organização de Cooperação de Xangai (SCO) – estabelecida em Junho de 2001, na sequência do anterior “Grupo dos Cinco de Xangai”, inclui, hoje, o Cazaquistão, a Quirguízia, a Rússia, o Tajiquistão e o Uzbequistão, além da China –, considerados fundamentais por Pequim para expandir a sua influência política, estratégica e económica, respectivamente, na Ásia do Sudeste e na Ásia Central;
2) estabelecimento de parcerias estratégicas e aprofundamento das relações bilaterais , de que se destacam uma cooperação sem precedentes com os Estados Unidos, embora o relacionamento sino-americano continue a ser marcado por uma latente competição estratégica; as “parcerias estratégicas” estabelecidas com as velhas rivais Rússia e Índia; e o incremento da cooperação com o Irão. Na realidade, a China tem-se empenhado em aprofundar as suas relações com todos os seus vizinhos, revelando uma extraordinária habilidade para tornar antigos adversários em parceiros produtivos. As principais excepções são o Japão e, naturalmente, Taiwan – mas mesmo nestes casos, a China não deixa de incrementar os intercâmbios económicos;
3) expansão dos laços económicos regionais : só nos primeiros oito meses de 2004, as exportações para os seus treze vizinhos fronteiriços aumentaram em média 42%, enquanto as importações cresceram em média 66%. Durante esse período, o comércio com a Índia aumentou 85%, com o Japão 27%, com a Coreia do Sul 46%, com a Rússia 32% e com o Vietname 58%. Actualmente, quase 50% do volume total do comércio da China é intra-regional e relativamente equilibrado. É verdade que apesar deste extraordinário crescimento, a China ainda está longe de dominar as trocas comerciais na Ásia, mas a fabulosa performance económica da China e o aumento significativo dos laços económicos e das trocas comerciais chinesas são um factor importante de incremento de influência da China na Ásia;
4) redução da desconfiança e das apreensões regionais em relação ao emergente poderio chinês , através da implementação de uma vasta série de acordos visando a resolução pacífica de diferendos fronteiriços (a China já celebrou tratados que delimitam mais de 20.000 km das suas fronteiras terrestres, restando por regular as disputas com a Índia e as delimitações marítimas com o Japão e com vários países do Sudeste Asiático nos mares da China); de uma maior transparência com a sua defesa; de uma postura mais conciliatória na península coreana, na Ásia do Sul e no Sudeste Asiático; e de uma verdadeira “diplomacia de charme ” com o incremento de múltiplas visitas e contactos oficiais e oficiosos. No fundo, Pequim tem procurado passar a imagem da China como um «elefante amigável», para parafrasear o primeiro-ministro chinês Wen Jiabao.
Apesar do significado e do impacto da emergência da China, o sistema asiático está longe de ser sinocêntrico ou dominado pela China – os Estados Unidos continuam a ser o actor mais poderoso na Ásia. O relacionamento entre ambos é, por isso, decisivo para os destinos da região e do mundo, embora a nova ordem regional asiática seja cada vez mais um complexo mosaico de actores e factores, em que a estrutura de poder e a natureza do sistema regional de segurança permanecem voláteis.
Por que levou tanto tempo para a Ásia emergir?
É uma doença psicológica com sintomas físicos e nenhuma cura conhecida. Entretanto, existem terapias: terapias de comércio, diplomacia e restrição fiscal no país.
Enquanto o presidente Obama viaja pela Ásia, pode ser que ele nem tenha pensado tanto sobre o poder econômico que fica a leste de Suez, mas por que levou tanto tempo para que esse poder emergisse. E por que o paciente está em negação.
Nos séculos 18 e 19, a Ásia existia para o benefício dos colonialistas europeus – e eles se beneficiaram.
À frente estava a Inglaterra com a Índia, Ceilão, Burma, Malásia e enclaves costeiros na China. A França reuniu o Vietnã, Camboja e Laos sob o nome de Indochina. A Holanda, com reduzida importância na Europa, dominava a Indonésia. Portugal tinha seus pés em Goa e Macau. A Espanha andou pelas Filipinas até ser expulsa pela potência emergente da época, os Estados Unidos.
Apenas o Japão era organizado o suficiente para se tornar um colonizador local, na Coreia e na China.
Qualquer um que olhe para a Ásia briguenta, vigorosa e talentosa de hoje deve se perguntar por que os gigantes dormem por tanto tempo, e por que os colonizadores ignoraram tanto a capacidade de seus povos subservientes.
Culpe a Inglaterra.
Durante o século 15, a Era da Descoberta, a exploração foi motivada pelo desejo por riquezas na forma de especiarias, ouro e prata. Uma vez que a Revolução Industrial se iniciou na Inglaterra do final do século 18, o desejo passou a ser também por matérias-primas para alimentar as fábricas na Europa. Os novos ricos em Londres e no sul, com suas luxuosas casas de campo, queriam chá e café, ervas e especiarias, bens tropicais e sabores estranhos do Oriente.
O lema colonial, mais subentendido do que declarado, era simples: eles – os asiáticos – plantam e colhem. Nós fabricamos.
A Inglaterra, seguida por seus rivais, estabeleceu a política, e ao fazer isso manteve a Revolução Industrial em seu território, ela não um item de exportação.
Embora os britânicos gostem de exportar seus valores, seu sistema de justiça e, de uma forma mais suave, o anglicismo (países católicos foram mais agressivos ao exportar a religião), eles mantiveram a revolução industrial em casa, e toda a indústria secundária se espalhou. Foi um dia de luto em Londres quando souberam que a espionagem industrial havia conseguido levar a tecnologia de produção de tecidos para os Estados Unidos.
Até hoje, os remanescentes do sistema que determinava que “o acréscimo de valor aconteceria na Inglaterra” podem ser vistos nos produtos especiais britânicos. As grandes casas de empacotamento de chá ainda ficam na Inglaterra e Irlanda, e alguns tipos de algodão ainda são tecidos na Inglaterra.
Mas nenhuma fábrica se espalhou para os impérios asiáticos das colônias europeias. Nenhuma transferência de tecnologia foi incentivada, e o enorme e latente talento da Ásia não foi reconhecido.
O Japão, sem influência colonial, industrializou-se na primeira parte do século 20, mas principalmente para mecanizar seu exército.
Foi só depois da 2ª Guerra Mundial que a Ásia se sacudiu e se livrou da coação europeia. Ironicamente, junto com o Japão, as colônias britânicas de Hong Kong e Cingapura mostraram o caminho.
Se a China demorou para se industrializar, ela compensou mais tarde, transformando o equilíbrio no mundo e abraçando a verdade central da Revolução Industrial: é preciso energia para fabricar e transportar bens.
A China convocou fornecedores de óleo e gás de países em desenvolvimento numa velocidade estonteante. Por outro lado, os Estados Unidos olham para a energia – o elemento indispensável para a produção industrial – através de uma lente ambiental, pós-industrial.
De acordo com a Associação Nuclear Mundial, a China tem projetos para 39 reatores e mais 23 sedo construídos. Há mais 120 na fila. Os Estados Unidos têm nove na fila e está construindo dois.
Os Estados Unidos não podem mais fabricar componentes grandes para reatores nucleares. Isso pode ser feito apenas no Japão; mas a China e a Coreia do Sul estão construindo novas fábricas para fazer o trabalho.
Nós dominamos o mundo em duas áreas muito disparatadas: tecnologia de defesa e entretenimento. Em quase todo resto, estamos escorregando.
Será um dia chocante para os norte-americanos quando pessoas de outro país chegarem à Lua, onde os astronautas Neil Armstrong e Buzz Aldrin pisaram em 1969. Mas isso acontecerá.
Fonte: UOL via Plano Brasil