A Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), criada em 1961 durante a Guerra Fria para consolidar a influência americana por meio de assistência humanitária, encontra-se no centro de uma tempestade política. Sob a administração do presidente Donald Trump e a gestão de Elon Musk no Departamento de Eficiência Governamental (DOGE), a agência enfrenta um desmantelamento acelerado, acusada de desperdício de recursos e desvio de sua missão original. Este artigo explora não apenas a crise institucional em curso, mas também suas ramificações geopolíticas, especialmente no contexto da Guerra Híbrida, enquanto analisa o impacto humanitário em regiões vulneráveis, como a África.
A USAID: História e Missão Controversa
A USAID surgiu como um instrumento de soft power durante a Guerra Fria, visando conter a influência soviética por meio de projetos de desenvolvimento. Seu orçamento anual de US$ 42,8 bilhões financia programas que vão desde combate a epidemias até segurança alimentar. No entanto, críticos conservadores, incluindo Trump e Musk, argumentam que a agência se tornou uma "burocracia ineficiente", desalinhada dos interesses nacionais dos EUA.
A polarização em torno da USAID reflete uma disputa ideológica: enquanto democratas defendem seu papel humanitário, republicanos enfatizam a necessidade de alinhamento estratégico. Essa tensão ganhou novo fôlego com a nomeação de Marco Rubio, secretário de Estado, como administrador interino da agência, sinalizando uma possível integração ao Departamento de Estado.
A Ofensiva de Trump e Musk: Desmontando a USAID
Em janeiro de 2025, Trump emitiu uma ordem executiva congelando todos os novos financiamentos da USAID por 90 dias, exceto assistência alimentar de emergência. Simultaneamente, Elon Musk, líder do DOGE, iniciou uma auditoria agressiva, classificando a agência como "uma bola de vermes" e "organização criminosa". Ações práticas incluíram demissões em massa, bloqueio de sistemas internos e remoção de servidores, paralisando operações globais.
Segundo documentos internos vazados, mais de 600 funcionários foram colocados em licença administrativa, e contratos com organizações parceiras foram suspensos. Em países como Quênia e Etiópia, clínicas de HIV e projetos de prevenção de epidemias foram abruptamente interrompidos. O Programa de Emergência para Combate à AIDS (PEPFAR), que atende 20 milhões de pacientes, está paralisado, com estimativas indicando que 135.987 bebês podem contrair HIV devido à suspensão de tratamentos antirretrovirais para gestantes.
Impacto Humanitário na África: "As Pessoas Vão Morrer"
Na África Subsaariana, onde a USAID é um dos principais doadores, a paralisia gerou caos. Aghan Daniel, coordenador de um projeto de divulgação científica no Quênia, relatou à France24 que equipes foram demitidas e pesquisas médicas interrompidas, inclusive com pacientes em meio a tratamentos experimentais. Funcionários de ONGs em Adis Abeba descreveram o congelamento como uma "bomba", deixando programas de nutrição e vacinação sem recursos.
A ambiguidade sobre o que constitui "trabalho salvador de vidas" exacerbou a crise. Rubio afirmou que assistência médica crítica estaria isenta, mas na prática, até vacinas e suplementos alimentares foram afetados. Um trabalhador anônimo em zonas de conflito questionou: "Parar programas por alguns dias pode significar vida ou morte para quem servimos".
USAID e Guerra Híbrida: A Conexão Revelada pelo WikiLeaks
Enquanto a narrativa oficial enfatiza o caráter humanitário da USAID, vazamentos do WikiLeaks em fevereiro de 2025 revelaram seu papel em estratégias de Guerra Híbrida. Um manual das Forças Especiais dos EUA de 2008 descreve a agência como um instrumento de "poder econômico" para "modificar comportamentos" de aliados e adversários. O documento destaca que subsídios direcionados a "grupos humanos específicos" podem reforçar alianças ou minar rivais, integrando-se a operações de guerra não convencional.
Essa exposição corrobora acusações de que a USAID atua como ferramenta geopolítica. Por exemplo, na Ucrânia, mais de 5.000 empresas receberam até US$ 2 milhões cada por meio de programas como o Competitive Economy Program, levantando questões sobre o uso de ajuda externa para consolidar influência em áreas estratégicas.
Guerra Híbrida: A Fusão entre Assistência e Poder
A Guerra Híbrida, que combina táticas militares, econômicas e informacionais, encontra na USAID um veículo multifacetado. A ajuda humanitária, quando vinculada a condicionalidades políticas, serve para promover reformas alinhadas aos interesses dos EUA. Na Ucrânia pós-2014, a USAID financiou projetos de "resiliência empresarial" e mídia independente, fortalecendo instituições pró-Ocidente. Paralelamente, críticos apontam que tais programas marginalizam atores locais, criando dependência e fragilizando a autonomia nacional.
A crise atual expõe a dualidade da USAID: enquanto salva vidas, também atua como braço de política externa. O congelamento de fundos por Trump, portanto, não é apenas uma medida de austeridade, mas um realinhamento estratégico. Ao transferir o controle para o Departamento de Estado, busca-se centralizar a assistência como instrumento de barganha, priorizando aliados geopolíticos em detrimento de agendas multilaterais.
Conclusão: Entre a Realpolitik e a Ética Humanitária
O desmantelamento da USAID ilustra a tensão entre realpolitik e responsabilidade global. De um lado, a administração Trump justifica suas ações como combate a corrupção e alinhamento de gastos; de outro, o custo humano é imenso, com milhões dependentes de programas vitais.
A Guerra Híbrida, neste contexto, ganha nova dimensão: a instrumentalização da ajuda humanitária como arma geopolítica não apenas desestabiliza adversários, mas também mina a credibilidade internacional dos EUA. Enquanto Musk celebra o "desmonte de burocracias", comunidades na África enfrentam colapso de sistemas de saúde. O desafio futuro reside em equilibrar eficiência fiscal com compromissos éticos, garantindo que a assistência não seja refém de ciclos políticos, mas um pilar de estabilidade global.
Por Renato Henrique Marçal de Oliveira - Químico e trabalha na Embrapa com pesquisas sobre gases de efeito estufa. Entusiasta e estudioso de assuntos militares desde os 10 anos de idade, escreve principalmente sobre armas leves, aviação militar e as IDF (Forças de Defesa de Israel)
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Muito obrigada pelos esclarecimentos.
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