domingo, 26 de janeiro de 2025

O Tratado do Rio de Janeiro: 200 anos de Independência, Paz e Aliança do Brasil com Portugal

“Pedro, se o Brasil se separar, antes seja para ti, que me hás de respeitar, que para algum desses aventureiros”. A recomendação de D. João ao retornar à Europa representa não apenas o seu discernimento sobre um momento de remodelação geopolítica no Atlântico, como também a aspiração de preservação do poder da Casa de Bragança. No ideário lusitano, deveria ser mantida a aliança entre o “Reino de Portugal”, ou a “Varanda da Europa”, e a colônia, a terra brasilis, conhecida como o “Cais do Lado de Lá”.

A decisão de D. João VI de transferir a sede do Reino foi um evento sem precedentes. Ao escapar da ameaça das tropas napoleônicas, mas sem parecer uma fuga, a família real e sua comitiva desembarcaram no Rio de Janeiro, transformando-o na nova capital. Esse movimento estratégico, além de garantir a sobrevivência do império português e da Casa de Bragança, alterou profundamente o panorama político e social tanto na metrópole – deixada sob o protetorado e imposições britânicas – quanto na colônia. Configurou uma nova resposta aos eventos de usurpação de poder no velho continente e às consequentes reviravoltas de domínio nas Américas, além de fomentar um sentimento identitário diferenciado, mais tarde reconhecido como “brasilidade”.

Na Europa, essa migração provocou surpresa e admiração. Pela primeira vez, uma monarquia deslocava sua sede para o outro lado do Atlântico. O Brasil colônia se impunha por sua importância estratégica para a manutenção da soberania portuguesa e para o fortalecimento de seu principal parceiro, a Inglaterra. Essa decisão chamou a atenção de potências em ascensão, como os Estados Unidos da América (do Norte), que, em 1823, formulariam, ainda sem condições de impor e sustentar, a Doutrina Monroe, buscando evitar novas intervenções europeias no continente americano.

O Tratado de 29 de agosto de 1825 marcou o reconhecimento de Portugal à independência do Brasil, logo seguido por vários Estados. Mais do que um acordo diplomático, esse tratado simbolizou a consolidação de uma nova ordem no Atlântico e foi decisivo para redefinir as relações entre as antigas colônias, estreitando as fronteiras além-mar das metrópoles europeias.

Requisitado pela desarmonia entre as partes – D. Pedro chega a aprisionar uma nau com emissários portugueses – a Inglaterra, maior aliada e credora de Portugal, desempenhou um papel crucial nas negociações. Para assegurar seus interesses comerciais, os britânicos apoiaram a manutenção do império português, mas também incentivaram a independência do Brasil, desde que o novo império mantivesse as relações econômicas privilegiadas. A participação dual de George Canning e de seu plenipotenciário Charles Stuart foi fundamental na elaboração do Tratado de Paz e Aliança. Nem mesmo o Chanceler Klemens von Metternick ousou contrariar os interesses ingleses, a despeito dos vínculos da Áustria com a Casa de Bragança, devido ao casamento da princesa Leopoldina com Pedro.

A independência do Brasil em 1822 foi resultado de um processo que combinou fatores internos e externos. Internamente, a elite brasileira ansiava por maior autonomia diante das imposições de Lisboa, enquanto externamente, a conjuntura internacional favorecia a emergência de novas nações no continente americano. O Brasil, agora independente, era tentado a estabelecer relações privilegiadas com os territórios portugueses na costa ocidental da África, além de servir como entreposto nas relações sul-atlânticas da Europa. Com isso, o Brasil começava a se configurar como uma potência do Atlântico Sul, como previsto por José Bonifácio de Andrada e Silva. No entanto, a ruptura com Portugal não foi imediata nem isenta de conflitos, já que este se empenhava em salvaguardar sua situação de "varanda da Europa" e seu papel como principal interlocutor entre o continente europeu e suas colônias.

O Tratado assinado três anos após a proclamação da independência, em 7 de setembro, foi o desfecho diplomático desse processo. Portugal, pressionado pela Inglaterra e debilitado economicamente, reconheceu a independência do Brasil em troca de uma indenização de 2 milhões de libras esterlinas, valor financiado pelos próprios britânicos. A partir desse momento, D. Pedro não poderia aceitar propostas de reunião de quaisquer colônias portuguesas ao império do Brasil, o que provocou um distanciamento brasileiro das questões africanas até a metade do século XX, quando iniciou a descolonização do continente. O título de D. João VI como Imperador do Brasil também foi preservado, com a anulação expressa de D. Pedro. Este acordo se configurou como a tecitura de um delicado tecido social, unindo o princípio da legitimidade histórica com o da legitimidade revolucionária.

O Tratado de Paz e Aliança representou mais do que a resolução de um conflito interatlântico de base familiar. Ele estabeleceu as bases para uma relação diplomática pautada pela intensa negociação, qualificando um corpo de profissionais de alto prestígio na defesa dos interesses do Brasil, como Felisberto Caldeira Brant Pontes, Visconde de Barbacena. Também deve-se reconhecer a atuação de João Vicente de Saldanha Oliveira Juzarte Figueira e Sousa, Conde de Rio Maior, e de José Luís de Sousa Botelho Mourão e Vasconcelos, Conde de Vila Real, na defesa dos interesses lusitanos. Ressalte-se, ainda, o papel de estadista de José Bonifácio de Andrada e Silva, que pensou o Brasil com determinação, conduzindo os primeiros passos do império, conforme a visão do Congresso de Viena. Já o afoito Sir Charles Stuart tentou ir além e negociou um tratado que fixava normas para a supressão do comércio ilícito de escravizados, concedendo direito de visita e busca em navios suspeitos dessa prática. Assinado em 18 de outubro de 1825, o tratado não foi ratificado por Canning, sob alegação de que Stuart não teve instruções para tal.

Pelos termos do Tratado do Rio de Janeiro, as partes superaram as dificuldades interpostas e satisfizeram suas pretensões. O Brasil foi “inventado” em um exaustivo processo de estamento de um jovem império, enquanto Portugal teve de se “reinventar” com a perda de sua mais importante colônia. Contudo, D. João VI manteve a utopia de um poderoso império atlântico, legada a seu filho, o que favorecia a continuidade de sua dinastia e garantia o domínio no Atlântico Sul, salvaguardando sua condição de entreposto entre o continente sul-americano e o ocidente europeu. D. Pedro consagrou a independência e a inserção do Brasil na sociedade das nações, sem perder seu direito hereditário em Portugal. Por sua vez, a Inglaterra manteve sua política de domínio econômico e a França teve seu expansionismo contido.

Embora o Império Atlântico nunca tenha se concretizado, o império brasílico inaugurou uma nova fase nas relações internacionais. Por mais utópico que fosse, colocar o passado nas aspirações de um presente, pode-se afirmar que ambos transformaram o período.


Por: Prof. Sebastião Amoêdo - Presidente do Conselho de Minerva, Chanceler da Congregação do Colar do Mérito Pedro, O Libertador.


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