Em 2015, a Rússia, a pedido do presidente sírio Bashar Al-Assad, lançou uma campanha aérea decisiva contra forças rebeldes e o Estado Islâmico (EI), que ameaçavam o regime de Assad, contando com o apoio das forças iranianas no terreno. Ao longo dos dois anos seguintes, após intensos combates, a Rússia e o Irã conseguiram estabilizar o controle de Assad sobre grandes partes da Síria, contribuindo significativamente para a manutenção de sua liderança no país. Esse sucesso não apenas reafirmou a presença russa no Oriente Médio, mas também possibilitou a Moscou consolidar uma base naval possibilitando acesso ao Mar Mediterrâneo, ao mesmo tempo que desafiava os esforços dos Estados Unidos de derrubar o regime sírio.
A campanha militar da Rússia, além de ser uma demonstração de poder e de sua capacidade de projetar força militar, tinha objetivos mais profundos: minar a narrativa da Primavera Árabe e fortalecer os laços com potências regionais chave, como o Irã e o Hezbollah. A Síria, no centro de uma complexa rede de alianças sectárias, se tornou um pilar crucial na política regional, principalmente no contexto do eixo de resistência do Irã, que envolvia não apenas o regime de Assad, mas também milícias pró-iranianas, como Hezbollah e o Hamas. Esses aliados ajudaram o Irã a ampliar sua influência no Oriente Médio, com um caminho estratégico até o Mediterrâneo.
No entanto, o cenário começou a mudar drasticamente a partir de 2024, quando o grupo rebelde Hayat Tahrir al-Sham (HTS), supostamente oriundo da Al-Qaeda, liderou uma ofensiva que levou ao colapso do regime de Assad. Apoiado pela Türkiye, o HTS foi capaz de ganhar terreno nas regiões do noroeste da Síria, contribuindo para um agravamento da crise política e militar. A situação tornou-se ainda mais complexa com o envolvimento de diversas potências, como os EUA, a Rússia, o Irã e a Türkiye, cujos interesses geopolíticos muitas vezes entraram em colisão.
A Posição da Türkiye e o Jogo de Interesses Regionais
A Türkiye, uma das potências chave na região, desempenhou um papel crucial na situação síria. Inicialmente, a Türkiye manteve relações relativamente amigáveis com o regime de Assad, mas a repressão violenta do governo sírio contra os rebeldes em 2011 e a subsequente crise de refugiados, com mais de 3 milhões de sírios chegando à Türkiye, forçaram uma mudança nas relações. A Türkiye passou a adotar uma postura mais agressiva, apoiando vários grupos rebeldes sírios e realizando incursões militares em território sírio, especialmente no noroeste do país, na tentativa de combater o PKK e evitar a criação de um "cinturão curdo" na região.
A incursão turca também visava restringir a influência do regime de Assad e, simultaneamente, garantir uma presença de longo prazo na região, especialmente nas áreas de Idlib e Aleppo, onde a Türkiye tem interesses estratégicos. A presença turca na Síria tem se mostrado um fator importante na configuração do novo equilíbrio de poder no país, com a Türkiye se posicionando como um dos principais atores a influenciar o futuro da Síria pós-Assad.
O Declínio da influência do Irã e da Rússia
Por outro lado, o Irã foi um aliado fundamental de Assad, não apenas por questões ideológicas e sectárias, mas também por razões geopolíticas. O Irã usou a Síria como uma ponte terrestre para enviar recursos para o Hezbollah no Líbano e fortalecer sua posição no Levante. No entanto, o cenário geopolítico mudou consideravelmente com os avanços do HTS e a pressão crescente que culminou com a queda do regime de Assad. A retirada progressiva das forças iranianas da Síria, iniciada em dezembro de 2024, e a redução do apoio militar à Síria por parte de Teerã sinalizam uma mudança significativa na dinâmica regional.
Além disso, a posição russa, que inicialmente parecia forte após a intervenção militar bem-sucedida de 2015, começou a enfraquecer diante dos desafios impostos pela guerra na Ucrânia. A Rússia viu sua capacidade de projetar poder na Síria severamente comprometida, uma vez que os recursos e a atenção de Moscou se voltaram para o conflito em sua fronteira. Mesmo com a presença contínua de bases militares em Tartus e Khmeimim, a Rússia se viu incapaz de impedir o colapso do regime de Assad, refletindo o declínio da sua influência no país.
Perspectivas para a Síria e o Impacto Global
A queda de Assad e a ascensão do HTS indicam um novo período de incerteza para a Síria. O país está se fragmentando, com diversas regiões sob o controle de facções que são apoiadas por potências externas, como a Türkiye, os EUA e o Irã. A Rússia, apesar de manter algumas bases e de continuar a influenciar certos aspectos da política síria, tem sua presença diminuída, com a transferência de ativos para a Líbia e outras regiões.
Além disso, a possibilidade de um novo regime, mais alinhado com os interesses do HTS, pode alterar completamente as dinâmicas políticas do Oriente Médio. A perda de Assad pode enfraquecer o eixo de resistência liderado pelo Irã e afetar diretamente a estratégia de segurança da Rússia na região. A Síria se encontra em uma encruzilhada, com o futuro político e militar do país sendo fortemente influenciado por potências externas, incluindo a Türkiye e os EUA.
O futuro da Síria pós-Assad continua a ser incerto. A queda do regime de Bashar Al-Assad e a ascensão do HTS como um novo ator importante indicam uma reconfiguração do equilíbrio de poder no Oriente Médio. As potências envolvidas, incluindo a Türkiye, o Irã e a Rússia, terão que reavaliar suas estratégias e adaptar-se a um novo contexto geopolítico. As perspectivas para a Síria incluem uma maior fragmentação política e uma crescente presença de potências externas, com consequências significativas para a estabilidade regional e para as potências globais envolvidas na região.
A queda de Assad também tem profundas implicações para Israel, que vê a Síria como uma ameaça constante devido à presença de forças iranianas e do Hezbollah em seu território. Desde o início da guerra civil síria, Israel tem adotado uma política de intervenções seletivas, visando depósitos de munições e bases militares sírias, especialmente aquelas associadas ao Irã e ao Hezbollah. Com a ascensão do HTS e o colapso do regime de Assad, Israel intensificou suas operações, temendo que a instabilidade na Síria permita o fortalecimento de grupos hostis próximos a suas fronteiras. Israel se concentrou em evitar a consolidação de uma base de poder iraniana ao longo da fronteira síria, com ataques preventivos em sua estratégia de segurança. Com o colapso do regime sírio, a dinâmica de segurança na região se complica ainda mais, pois o vácuo de poder poderá ser preenchido por facções mais radicais, criando um cenário ainda mais volátil para Israel. O país, portanto, continuará a atuar de forma decisiva para proteger suas fronteiras, com um foco constante em prevenir o fortalecimento de inimigos próximos, enquanto acompanha de perto os desenvolvimentos na Síria e em seus arredores.
por Angelo Nicolaci
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