A entrega dos F-39E/F Gripen para a Força Aérea Brasileira (FAB), um dos principais projetos estratégicos de defesa nacional, está novamente ameaçada em virtude da falta de recursos orçamentários, o que demandará mais uma alteração no cronograma de entregas, estendendo em pelo menos mais três anos. Atualmente, o governo brasileiro se vê obrigado a renegociar o cronograma de entrega com a sueca Saab, o que representa mais um episódio de falta de seriedade e visão estratégica em relação aos investimentos na defesa nacional. Diante da falta de compromisso governamental, a previsão para a chegada da última aeronave do lote inicial de 36 aeronaves passou de 2027 para o início da próxima década, e a situação expõe não apenas as limitações orçamentárias, mas também uma grave ausência de planejamento que afeta diretamente a segurança e soberania do Brasil.
O contrato para a aquisição dos Gripen, assinado em 2014, previa uma entrega que contribuiria para modernizar a frota de combate da FAB, substituindo os Mirage 2000 e outras aeronaves obsoletas, como os F-5, que hoje ultrapassam cinco décadas de serviço. Inicialmente, o financiamento e os repasses não ocorreram conforme o cronograma estabelecido. A discrepância em relação ao cronograma original já começou nos anos de 2016 e 2017, com um descompasso entre os valores previstos e os efetivamente desembolsados. No entanto, foi entre 2019 e 2020 que essa discrepância se acentuou, com o desembolso do empréstimo em coroas suecas, que já vinha abaixo do esperado, caindo ainda mais, alcançando níveis excepcionalmente baixos. Isso é claramente demonstrado no gráfico do relatório de gestão da própria FAB, publicado em abril deste ano.
Em nota, a própria FAB admitiu que os patamares de recursos obtidos nos últimos anos estão aquém das necessidades do projeto, revelando uma situação de desamparo estratégico que agrava a dependência do Brasil em um setor vital.
Atraso por Miopia Orçamentária e Estratégica
Os atrasos no projeto Gripen ilustram a falta de um plano de defesa que transcenda os ciclos políticos e as prioridades momentâneas dos diferentes governos. Sem políticas de Estado que garantam a execução de projetos de longo prazo, o Brasil enfrenta um ciclo vicioso de falta de continuidade em programas essenciais para a defesa nacional. O país permanece vulnerável ao não dispor de uma frota aérea moderna e em quantidade suficiente para atender suas necessidades de defesa, e a situação também expõe o risco a que os próprios pilotos estão submetidos ao operar aeronaves que ultrapassam cinco décadas de uso.
O quadro se agrava ainda mais diante da decisão de reduzir o escopo de aquisição de novas aeronaves, considerando a possibilidade de compra de aeronaves de segunda mão, como os Gripen C/D ou os F-16, que outros países estão aposentando. A motivação para essa opção é o custo mais baixo em relação as aeronaves novas, que poderiam custar até um terço do valor dos Gripen E/F. Porém, essa economia representa um custo ainda maior à segurança do Brasil, pois aeronaves usadas não possuem a mesma vida útil, capacidade e integração estratégica que aeronaves modernas, como os Gripen E/F. Trata-se de uma solução paliativa que apenas empurra o problema adiante, em vez de resolvê-lo de forma eficiente e segura.
Impacto na Segurança e na Defesa Nacional
A ausência de um plano de investimentos sustentáveis e a falta de uma política de defesa robusta também evidenciam um comportamento de miopia estratégica. Enquanto o Brasil depende de soluções temporárias, as potências globais investem fortemente em suas forças armadas, ampliando suas capacidades e reforçando seus setores de defesa com recursos substanciais. Na América Latina, a situação do Brasil se torna ainda mais preocupante, uma vez que o país deveria, teoricamente, exercer um papel de liderança regional. Contudo, com uma frota aérea que envelhece rapidamente e o programa Gripen ameaçado por atrasos, essa liderança é comprometida, e o país torna-se vulnerável a ameaças, sejam elas diretas ou indiretas.
Além disso, o impacto desse atraso é sentido diretamente na capacidade de reação da FAB, cuja frota de F-5 já apresenta limitações operacionais e logísticas graves. Em um cenário de conflito ou necessidade de intervenção, o Brasil poderá se encontrar desprotegido, com uma força aérea incapaz de responder com agilidade e eficiência às exigências de defesa. A realidade de ter apenas oito exemplares do Gripen disponíveis, enquanto a expectativa era contar com 36 unidades, deixa Brasília e outras áreas estratégicas sem a defesa aérea necessária.O Risco de uma Defesa Nacional Dependente
Outro aspecto que evidencia a gravidade da situação é a falta de autonomia em defesa. Ao optar por soluções de curto prazo, como a aquisição de aeronaves usadas, o Brasil demonstra a falta de compromisso com sua independência no setor. Essa dependência compromete a soberania nacional e limita a capacidade do país de tomar decisões estratégicas sem sofrer pressões de terceiros. Países como a Suécia, Türkiye e a Índia, por exemplo, têm políticas de defesa integradas que garantem a continuidade de projetos independentemente das mudanças políticas. Esses países reconhecem que a defesa é uma questão de Estado, e não de governo, enquanto o Brasil ainda hesita em adotar uma postura semelhante.
A compra de aeronaves usadas em lugar de novas, produzidas no Brasil, representa um impacto negativo significativo para a economia nacional, pois impede a criação de empregos e o fortalecimento da base industrial de defesa brasileira (BID). Ao optar por caças de segunda mão, o Brasil perde a oportunidade de desenvolver uma cadeia produtiva robusta, que poderia gerar milhares de postos de trabalho qualificados nas áreas de engenharia, manufatura e manutenção. Além disso, a fabricação de aeronaves no país impulsionaria a inovação tecnológica e a capacitação de profissionais, contribuindo para o crescimento de setores estratégicos da economia, como o aeroespacial e o de defesa. A transferência de tecnologia e o desenvolvimento de expertise local também seriam essenciais para a soberania tecnológica do Brasil, garantindo que o país não ficasse dependente de fornecedores externos para a manutenção de suas aeronaves e sistemas de defesa no futuro. Assim, a decisão de adquirir caças usados prejudica a independência econômica e a capacidade de desenvolvimento sustentável do setor no Brasil.
Necessidade de Políticas de Estado em Defesa
O caso do Gripen revela a urgente necessidade de o Brasil adotar políticas de defesa que transcendam governos e ciclos políticos. Sem uma estratégia de defesa coerente e comprometida com a proteção nacional, o país continua sujeito a improvisos e soluções temporárias. Uma política de defesa deve ser um projeto de Estado, garantido por recursos contínuos e despolitizados, que possa assegurar a execução de programas de longo prazo e a independência estratégica do país.
Projetos como o dos Gripen deveriam ser protegidos de flutuações orçamentárias e de decisões políticas de curto prazo. A transferência de tecnologia e a fabricação de aeronaves em solo nacional são aspectos importantes que não apenas modernizam as forças armadas, mas também geram empregos, promovem a inovação tecnológica e aumentam a competitividade do Brasil no cenário internacional. Ao priorizar a defesa nacional de forma responsável, o Brasil se aproxima da autossuficiência e conquista maior poder de negociação internacional.
Os atrasos no projeto Gripen vão muito além de uma simples questão de orçamento. Eles refletem a falta de uma visão estratégica de defesa e uma ausência de políticas de Estado que garantam a continuidade de projetos essenciais. Enquanto outras nações investem de forma responsável em suas forças armadas, o Brasil permanece preso a ciclos de improvisação e dependência.
Para assegurar a soberania nacional e o papel do Brasil como líder regional, é necessário que o governo adote uma postura mais séria e comprometida com a defesa. A compra de aeronaves usadas pode aliviar temporariamente a situação, mas não substitui a necessidade de uma frota moderna e autônoma. O caso dos Gripen serve como um alerta: sem investimento sério e planejamento a longo prazo, o Brasil continuará vulnerável e despreparado para enfrentar os desafios de segurança do futuro, e continuará distante do almejado status de membro permanente do conselho de segurança da ONU.
Por Angelo Nicolaci
GBN Defense - A informação começa aqui
0 comentários:
Postar um comentário