A discussão sobre a necessidade de um navio-aeródromo para a Indonésia levanta questões cruciais sobre a capacidade de defesa e as ambições estratégicas de países em desenvolvimento. Enquanto a Indonésia mira a expansão de sua Marinha, o Brasil se vê diante de desafios semelhantes, porém, diante de um cenário caótico, onde emergem necessidades urgentes e faltam recursos orçamentários, o que nos leva a necessidade de uma análise cuidadosa de suas próprias prioridades em defesa. A reflexão sobre a relação entre as ambições militares da Indonésia e a realidade brasileira se torna essencial para entender como o Brasil pode fortalecer sua própria defesa e soberania, especialmente no que diz respeito à proteção de suas vastas áreas marítimas, conhecidas como "Amazônia Azul", e impulsionar a economia, criando um "Ciclo virtuoso da defesa".
Trata-se de um processo onde os investimentos em defesa não apenas fortalecem as capacidades militares, mas também criam empregos diretos e indiretos, aumentam a renda das famílias, e fomentam a economia local. Isso gera uma maior arrecadação de impostos, que, por sua vez, possibilita novos investimentos tanto na indústria de defesa quanto em outros setores econômicos, alimentando um círculo positivo de crescimento econômico.
Esse ciclo tem um impacto em várias frentes: ele contribui para o desenvolvimento tecnológico, estimula a indústria de defesa e colabora para o fortalecimento de setores correlatos, como a indústria de alta tecnologia, infraestrutura e até exportações.
A Ambição da Indonésia
Recentemente, a Indonésia manifestou um desejo crescente de fortalecer sua defesa com a aquisição de um navio-aeródromo com foco na operação de sistemas aéreos remotamente pilotados (SARP), além de aeronaves convencionais tripuladas, conforme destacado por diversos meios de comunicação. Inclusive já ecoou uma suposta possibilidade da Indonésia obter seu primeiro navio-aeródromo, sendo mencionando dois projetos hipoteticamente em estudo, sendo eles o projeto da Türkiye, TCG Anadolu, e projetos italianos, tendo por base o "Giuseppe Garibaldi", ou o "Cavour". A mudança na doutrina da Marinha da Indonésia, que tradicionalmente focava na defesa do território sob a filosofia de "Green Water Navy", começou a se transformar. O Chefe do Estado-Maior Naval (KASAL), Muhammad Ali, expressou a visão de que a Marinha indonésia deve se preparar para operações fora das suas águas jurisdicionais, demonstrando uma ambição que aponta para capacidade de projeção de poder.
A Necessidade de Projeção de Poder
Historicamente, a construção de navios-aeródromo está associada a uma mudança na estratégia militar de um país. Para a Indonésia, um navio-aeródromo não é apenas um símbolo de poder, mas uma plataforma estratégica que permitiria operações mais amplas em um ambiente geopolítico cada vez mais complexo. A afirmação do KASAL de que "a Marinha deveria estar voltada para o exterior" reflete um entendimento crescente da necessidade de garantir a segurança nacional em um mundo interconectado. A Indonésia, uma nação insular com mais de 17.000 ilhas, reconhece a importância de proteger suas rotas marítimas e seus interesses no mar de forma mais eficaz.
A Indonésia está planejando criar uma zona econômica especial na região das Ilhas Natuna, localizadas no disputado Mar do Sul da China, uma área estratégica tanto para recursos energéticos quanto para o comércio global. A proposta visa impulsionar a economia local, explorando o potencial de pesca, gás e petróleo. No entanto, esse movimento pode gerar tensões com a China, que reivindica boa parte do Mar do Sul da China como sua zona de influência. A criação dessa zona econômica poderia desafiar as ambições expansionistas chinesas na região, aumentando o risco de conflitos diplomáticos e militares.
Comparação com o Brasil
O Brasil, por sua vez, enfrenta desafios de defesa que são, em muitos aspectos, semelhantes. O conceito de "Amazônia Azul" refere-se à vasta área marítima que o Brasil possui, que é rica em recursos naturais, biodiversidade e possui uma extensa zona econômica exclusiva (ZEE). A proteção desta área é vital não apenas para garantir a soberania do país, mas também para proteger seus interesses econômicos e ambientais. Assim como a Indonésia, o Brasil deve considerar seriamente a modernização de suas capacidades navais.
Historicamente, o Brasil tem uma relação complexa com sua Marinha, que evoluiu ao longo dos anos. Nos anos 1940, durante a Segunda Guerra Mundial, o Brasil se aliou aos EUA e enviou forças para lutar no Atlântico, marcando uma época em que o Brasil reconheceu a importância da projeção de poder no mar. Hoje, o país precisa reavaliar essa perspectiva, levando em conta a necessidade de um investimento mais robusto em defesa, especialmente no contexto da "Amazônia Azul".
A Marinha do Brasil enfrenta uma drástica redução de sua esquadra, com a baixa de meios navais já escassos, sem reposição à altura, o que agrava o cenário de vulnerabilidade. O Programa Fragata Classe Tamandaré, embora importante, é insuficiente para cobrir as preocupantes lacunas no poder naval brasileiro. Essa limitação compromete a proteção das águas jurisdicionais, a chamada Amazônia Azul, deixando-as expostas a atividades ilícitas como pesca ilegal, tráfico e exploração de recursos. Além disso, abre-se espaço para a atuação de atores estrangeiros em nosso território marítimo, sem que possamos fiscalizar ou defender adequadamente essa vasta área estratégica.
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Atualmente estamos construindo quatro novas fragatas no âmbito do Programa Fragata Classe Tamandaré |
Investimentos em Defesa
Os dados sobre investimentos em defesa revelam contrastes significativos entre a Indonésia e o Brasil. Em 2023, a Indonésia alocou cerca de 12 bilhões de dólares para seu orçamento militar, um aumento em relação aos 9 bilhões de 2021. Esse investimento inclui a modernização de sua força naval e a aquisição de sistemas avançados, como submarinos e aeronaves de combate. Em comparação, o Brasil destinou aproximadamente 14 bilhões para sua defesa em 2023, mas enfrenta desafios em alocar esses recursos de maneira eficaz, muitas vezes devido a questões políticas e orçamentárias, resultando em sucessivos e contínuos cortes orçamentários que impactam diretamente todo e qualquer tentativa de se estabelecer um projeto de modernização adequada as nossas necessidades estratégicas imediatas.
A Indonésia está focada em fortalecer sua capacidade de defesa em resposta a um ambiente geopolítico em rápida mudança na região do Pacífico, enquanto o Brasil, por outro lado, deve urgentemente endereçar suas próprias vulnerabilidades em defesa, especialmente em relação à proteção da Amazônia Azul.
Os Desafios de Defesa do Brasil
A questão fundamental para o Brasil é: "Estamos prontos para investir em tecnologias avançadas que nos permitam não apenas proteger nosso território, mas também participar de missões de defesa em âmbito regional e internacional?" O Brasil precisa de uma análise honesta sobre suas prioridades em defesa, incluindo a modernização de sua força naval e a aquisição de novos sistemas de armas.
O Brasil possui um histórico de investimentos em tecnologia de defesa, embora, muitas vezes, tenha enfrentado limitações financeiras e políticas. O PROSUB, programa de submarinos da Marinha, que inclui a construção de quatro submarinos convencionais e a construção do primeiro submarino brasileiro de propulsão nuclear, é um passo positivo, mas há uma necessidade urgente de expandir essa visão para incluir capacidades de projeção de poder e proteção dos recursos da Amazônia Azul. Enquanto a Indonésia mira a aquisição de navios-aeródromo, o Brasil precisa refletir se a modernização de sua esquadra e a aquisição de plataformas de ataque, com maior número de fragatas e submarinos, devam ser prioridades que devem ser abordadas de forma mais incisiva.
Perspectiva Histórica
Historicamente, o Brasil já enfrentou desafios na proteção de suas águas, como em disputas em sua zona econômica exclusiva (ZEE). O episódio envolvendo a pesca ilegal da lagosta por franceses nos idos da década de 1960, é um exemplo claro de como a proteção da Amazônia Azul é vital para garantir a soberania e os interesses econômicos do Brasil. A modernização da Marinha, com foco em novos meios de patrulha naval de variados tipo e capacidades e a proteção de rotas marítimas, com mais investimentos na aquisição/construção de navios de escolta, sejam fragatas, e/ou, corvetas adequadamente equipadas, deve ser uma prioridade estratégica.
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A "Guerra da Lagosta" é um exemplo da necessidade de estar sempre prontos para defender nossos interesses |
Desafios Geopolíticos e a Amazônia Azul
Os desafios geopolíticos enfrentados pelo Brasil são complexos e multifacetados. A presença crescente de países com interesses estratégicos no Atlântico Sul e a competição por recursos naturais exigem uma resposta assertiva. A proteção da Amazônia Azul não se limita apenas à segurança nacional; também envolve a proteção do meio ambiente e dos recursos naturais.
À medida que a Indonésia se volta para o futuro e considera a aquisição de navios-aeródromo, o Brasil deve observar e aprender. O fortalecimento da defesa é uma questão de prioridade nacional que não pode ser ignorada. Um investimento sério em defesa não é apenas uma questão de armamento, mas de garantir a soberania e a segurança do país em um mundo em constante mudança.
O Brasil precisa desenvolver uma estratégia robusta que priorize a proteção da Amazônia Azul, assegurando que suas capacidades navais sejam adequadas às suas ambições. Para isso, o país deve olhar para as lições da Indonésia e reconhecer a importância de um investimento contínuo e estratégico em defesa, garantindo não apenas a segurança nacional, mas também a proteção dos interesses econômicos e ambientais do Brasil, não apenas em suas águas jurisdicionais, mas em todo seu entorno estratégico imediato.
Por: Angelo Nicolaci
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