Valery Gerasimov publicou em 2013 o artigo “O valor da ciência em prospectiva”, causando entendimentos polêmicos e controversos desde então. General renomado das Forças Armadas Russas, atual Chefe do Estado-Maior Geral, conquistou seu prestígio durante a Segunda Guerra da Chechênia, enquanto liderava o 58º Exército do Norte do Cáucaso.
Foi o escritor Mark Galeotti, especialista em assuntos de segurança russos, o primeiro a usar o termo “doutrina Gerasimov” e a falar sobre o tema, porém, segundo ele, erroneamente entendido e difundido como “uma teoria expandida da guerra moderna”.
A publicação de Gerasimov falava sobre como o Kremlin entende os acontecimentos da Primavera Árabe e sobre as Revoluções Coloridas – manifestações e oposição aos governos considerados antiamericanos – e como impedir esses acontecimentos, possivelmente temerosos com que isso ocorresse na Rússia e dispostos a utilizar todas as “ferramentas” a seu alcance.
Em resumo, o conceito proposto por Gerasimov une as ações militares e não militares, podendo ser subdivididas em ações políticas, sociais, econômicas, informacionais, tecnológicas, diplomáticas e de guerra, todas atuando em conjunto com o mesmo objetivo.
A última análise de Galeotti sobre o tema foi publicada em 2018, em que termina dizendo que “A doutrina Gerasimov nunca foi concebida para significar nada, e não significa”, ele se considera culpado pelo entendimento dúbio e à proporção que seus comentários tomaram. Anos depois a Rússia invadiria a Ucrânia, travando o conflito que perdura até os dias atuais.
Conflituando com o pensamento de Galeotti e tendo total consideração por seu conhecimento sobre o assunto, as evidências demonstram características de uma invasão moderna, utilizando de todos os meios possíveis até agora, como exemplo o uso de drones, guerra cibernética e informacional, não que esse último seja novo, mas com o uso massivo de redes sociais e bloggers especializados na linha de frente.
Outra característica interessante é o emprego de rebeldes pró-Rússia em Donetsk e Lugansk sendo utilizados muito antes da ofensiva oficial russa no conflito, e o uso de mercenários do grupo Wagner PMC, com menor participação no momento devido à morte repentina e controversa de seu antigo líder, Yevgeny Prigozhin e de boa parte do núcleo estratégico do grupo paramilitar na queda do Embraer Legacy 600.
No entanto, a questão pertinente é: a Rússia faz usufruto dos conceitos de guerra híbrida ou não? A resposta não é precisa, mas é claro que todas as cartas à disposição serão usadas, existem evidências que podem ser elencadas ponto a ponto a qualquer uma das subdivisões da “doutrina Gerasimov” e na atuação russa na Ucrânia, mas nem todos esses conceitos apresentam novidades práticas.
Um exemplo do exposto acima seria o uso das ações não militares na guerra, o que em tese poderia ser uma modernidade na doutrina russa, porém tais ideias não apresentam uma revolução na maneira como a Rússia enxerga a guerra, pois Evgeny Messner (1891-1974) tratou disso nas suas obras “A face da guerra moderna” em 1959 e em “Motim – O nome da terceira guerra mundial” em 1960.
Os livros de Messner foram proibidos na União Soviética devido às suas opiniões contrárias aos ideais comunistas, apenas após a Guerra Fria que suas obras começam a ficar populares e a assumir mais espaço na escola russa de guerra.
Messner idealizou o conceito Myatezh Voina, – guerra de motim em tradução livre – de características não convencionais e pouco ortodoxas. Tem como atributos a variedade de atores envolvidos, sejam eles manifestantes, propagandistas, criminosos, terroristas, guerrilheiros, combatentes irregulares, entre outros, com todos atuando de forma exagerada, sem levantar grandes frentes, agindo principalmente contra a moral do inimigo.
Conceitualiza o uso coordenado de múltiplos atores não convencionais e irregulares para alcançar os objetivos almejados, ou seja, figura no que seria um resumo da guerra híbrida, acreditando muito mais na guerra assimétrica como um novo conceito de guerra, devido a sua experiência na luta contra os bolcheviques.
Então, dizer que Gerasimov é o responsável pela atual doutrina militar russa utilizada atualmente, não é factível ou carece de elementos concretos, entretanto, podemos considerá-lo como aquele quem organizou e colocou em prática os aspectos de guerra híbrida.
Por Régis Gabriel Deckner Volpe
Fonte EBlog
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