domingo, 24 de março de 2024

BRASIL: "A cooperação civil-militar em proveito do desenvolvimento de tecnologias críticas"

 

As consequências do desenvolvimento científico-tecnológico são bem conhecidas: inovações, crescimento econômico, soberania e proeminência nas relações internacionais para os países que dominam e exploram conhecimentos científicos de vanguarda; e, para os demais, modesto crescimento econômico, precário desenvolvimento social e incapacidade de prover a defesa nacional pelos seus próprios meios, condicionando-se à obtenção dos meios necessários à garantia da soberania desses países ao estabelecimento de arranjos geopolíticos favoráveis.

Ao impulsionarem a fronteira do conhecimento e gerarem tecnologias disruptivas, os países inovadores assumem papel preponderante no campo político, econômico e militar, estabelecendo as regras do sistema internacional e moldando a distribuição da riqueza. No tocante à expressão militar do poder nacional, as nações proeminentes buscam auferir autonomia tecnológica em suas capacidades militares, bem como dificultar o domínio de tecnologias críticas e sensíveis pelos países emergentes. Esse jogo é compreendido como uma manifestação natural do sentido de preservação do status quo e influencia o movimento das peças do tabuleiro geopolítico. Nesse mister, destacam-se cerceamentos tecnológicos, cujas ações visam aprofundar ou ao menos manter as assimetrias tecnológicas.

Com o passar do tempo, incontáveis avanços tecnológicos, originalmente destinados ao desenvolvimento de produtos e sistemas militares, “transbordaram” para outros setores, gerando inovações de ruptura com enormes benefícios para a sociedade. Particularmente, no século XX, sofisticadas pesquisas e demandas de interesse militar impulsionaram inovações e o crescimento econômico dos países pioneiros.

Os grandes avanços científicos e tecnológicos que lastreiam a Era do Conhecimento e a Quarta Revolução Tecnológica vêm impactando visceralmente todos os setores da sociedade e intensificando o processo de “transbordamento às avessas”, no qual invenções e inovações destinadas ao mercado convencional são robustecidas, adaptadas e integradas para gerar novas capacidades na área de Defesa. Nesse novo paradigma, a dualidade tecnológica e a maior integração entre academia, governo e indústria passam a assumir papel importante, ensejando oportunidades tanto para a Defesa quanto para as áreas afetas ao mercado convencional.

Nesse contexto, é preciso ficar atento ao que denomino de dualidade da dualidade, quando as nações proeminentes utilizam o conceito da dualidade tecnológica para evitar o acúmulo de capacidade tecnológica do setor industrial de países menos desenvolvidos, induzindo cerceamento tecnológico sob a alegação de que a transferência de tecnologias para esses setores poderia viabilizar o desenvolvimento de sistemas e materiais de emprego militar, em contraponto aos países de industrialização tardia ou emergentes, que usam o conceito no sentido de angariar recursos financeiros de fontes distintas da Defesa para promover o desenvolvimento de tecnologias importantes para o desenvolvimento de capacidades militares. Nos aspectos afetos à Defesa, uma forma de aumentar o grau de liberdade em proveito de um processo de neoindustrialização auspicioso é romper esse círculo vicioso, promovendo o desenvolvimento autóctone de tecnologias de ponta, particularmente na área de Defesa, com forte participação do Estado brasileiro, por ser altamente demandante de alta tecnologia.

Nunca foi tão importante a integração de organizações militares e civis, públicas e privadas, visando ao desenvolvimento de tecnologias duais centrais não apenas para o desenvolvimento de modernas e sofisticadas capacidades militares, mas, também, de demais setores que impulsionam o crescimento econômico dos países. Diante disso, torna-se uma tendência mundial e o mote de diretrizes e aspirações nacionais alcançar maior sinergia entre os setores acadêmicos, de pesquisa básica, de pesquisa aplicada e de pesquisa e desenvolvimento militares e civis, bem como entre esses setores e indústrias que labutam no mercado de defesa e no mercado convencional.

As estratégias de Desenvolvimento e de Defesa tornam-se cada vez mais indissociáveis e impulsionadas pela inovação. Em um mundo globalizado e no qual emergem novas e desafiadoras ameaças assimétricas que se somam às tradicionais, a inovação torna-se fundamental para promover o crescimento econômico, o acúmulo das capacidades tecnológicas e a autonomia em áreas sensíveis à Defesa Nacional. A sinergia entre setores civis e militares é essencial, como preconizado no Livro Branco de Defesa, na Política Nacional de Defesa e na Estratégia Nacional de Defesa.

Infelizmente, a capacidade de inovação do Brasil é bastante modesta, conforme mostram os indicadores produzidos pelo Global Innovation Index. Em que pesem diferentes dinâmicas de inovação dos países e seus distintos graus de eficiência na aplicação de recursos, os Estados proeminentes em tecnologia apresentam similaridades, como a priorização e a continuidade de orçamentos destinados à pasta de Defesa ao longo do tempo. Em consequência desses vultosos investimentos, nesses países criaram-se empresas inovadoras que respaldam o Poder Nacional e geram prosperidade.

Em que pese a importante produção científica nacional (superior a 3% da produção mundial), a participação do Brasil é bem modesta, inferior a 1%, em setores que impulsionam a Era do Conhecimento e a 4ª Revolução Industrial. Em termos de patentes de invenção, os indicadores são ainda mais inexpressivos. Ademais, diferentemente dos países inovadores, aqui os principais depositantes são provenientes da academia e não do setor produtivo, sugerindo um ambiente pouco propício à demanda de inovações. É essencial aumentar a formação de pessoal altamente qualificado, promover política de retenção de talentos, ampliar investimentos estatais para realizar pesquisa e desenvolvimento científico nas áreas que impulsionam a Era do Conhecimento e da 4ª Revolução Industrial, incentivar a inovação no setor produtivo, bem como promover maior integração entre os setores que geram o conhecimento e as invenções e aqueles que promovem a inovação, evitando o denominado “vale da morte”. Destaco também a importância de incrementar iniciativas voltadas às pesquisas básicas, pesquisas aplicadas e pesquisa e desenvolvimento em áreas sensíveis e críticas, sobretudo aquelas sujeitas ou que poderão vir a ser sujeitas ao cerceamento tecnológico, como Inteligência Artificial e Tecnologias Quânticas, particularmente sensores, computação e comunicações quânticas.

A almejada eficiência do Sistema Nacional de Inovação só será alcançada com a efetiva participação do Estado, priorizando e direcionando fomento e investimentos para setores essenciais, estabelecendo e fomentando redes temáticas de colaboração científica e tecnológica de abrangência nacional, coordenando e colimando as iniciativas de vários ministérios que atuam em níveis de maturidades tecnológicas díspares e exercendo o seu poder de compras no mercado interno, sobretudo em áreas estratégicas. Essas ações também permitiriam superar práticas de cerceamento tecnológico, estabelecendo maior grau de liberdade para o crescimento econômico e a soberania nacionais. Certamente, o setor de defesa, pelas especificidades do mercado, pelas implicações para segurança, soberania, economia e relações internacionais, sobressai-se como um dos mais importantes não apenas para promover o fortalecimento e a sinergia entre governo, academia e indústria, mas também para superar entraves provocados pelas ações de cerceamento tecnológico e para realizar o desenvolvimento de tecnologias críticas por meio de maior cooperação civil-militar, aspecto essencial e indispensável na Era do Conhecimento e da 4ª Revolução Industrial.


Por General de Brigada Juraci Ferreira Galdino


Fonte: Exército Brasileiro (EBlog) 

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