Guerras em ambientes densamente povoados, como a cidade de Gaza, geralmente envolvem um número enorme de baixas civis, mas geralmente são inevitáveis. Quais alternativas Israel pode explorar para derrotar o Hamas sem causar tal banho de sangue?
Na sexta-feira, dia 27 de outubro de 2023, Israel lançou o seu bombardeamento mais intenso até agora sobre Gaza - um provável prelúdio para uma invasão em grande escala do território, para a qual Israel convocou mais de 300.000 reservistas.
QUAL É A ESTRATÉGIA ISRAELENSE?
Ninguém parece saber ao certo e o governo israelense não diz. O New York Times informou hoje, dia 30, que o Pentágono tinha dúvidas sobre a prontidão das forças de Israel e se o seu objetivo de erradicar o Hamas é de fato alcançável.
O dilema que os israelitas enfrentam é que a única saída parece ser através das ruas estreitas de Gaza, das suas estradas e edifícios cheios de armadilhas, do vasto labirinto de túneis onde muitos dos reféns estão presos. A analogia histórica que continua a surgir é a Batalha de Stalingrado, onde os alemães sofreram pesadas perdas mas ainda assim não conseguiram capturar aquela cidade soviética.
Outros cursos de ação podem ser ainda mais arriscados. Uma campanha militar limitada, conduzida principalmente a partir do ar e que terminasse no mesmo tipo de impasse que Israel já viu em outras ocasiões, seria uma grande vitória para o Hamas, encorajando-os e também a aliados, como o Hizballah (também grafado Hezbollah), a realizar no futuro ataques ainda mais mortíferos que os do dia 7 de outubro.
Pior ainda é o cessar-fogo proposto na Assembleia Geral da ONU, que reduziria as baixas civis, mas manteria o Hamas praticamente intocado no poder, apesar das últimas semanas de pesados bombardeamentos israelenses.
Entre outros efeitos, isso tornaria impossível que as dezenas de milhares de israelenses que fugiram das suas casas perto da fronteira de Gaza, e que são agora pessoas deslocadas dentro de Israel, regressassem em segurança.
EXISTE OUTRA MANEIRA?
Naftali Bennett, ex-primeiro-ministro israelense, que serviu na força de elite Sayeret Matkal, pensa que sim, há outras formas de combater o Hamas.
Na sua casa, na arborizada cidade de Ra'anana, alguns quilômetros ao norte de Tel Aviv, ele explica o que chama de “abordagem de compressão” – um plano que é original na sua concepção, e inesperado na sua conclusão.
“O importante é não seguirmos o plano que o Hamas escreveu para nós”, diz ele. “Acho que há uma maneira muito menos dispendiosa de fazer as coisas.”
O plano mestre do Hamas, na opinião de Bennett, é mais ou menos o seguinte:
Provocar, através dos seus horríveis massacres de 7 de Outubro, uma pesada invasão terrestre israelense
Forçar as tropas israelenses a lutar, durante semanas ou meses, em um terreno desconhecido e desafiador, causando milhares de vítimas, inclusive entre os civis
Aproveitar todas as oportunidades para libertação de reféns ou de cessar-fogo como forma de enfraquecer a determinação de Israel e obter concessões materiais, especialmente combustível
Sangrar a economia israelense ao exigir que o país mantenha o seu exército de cidadãos mobilizado durante meses
Contar com a pressão diplomática, e a conhecida baixa tolerância de Israel relativamente ao elevado número de baixas entre suas tropas, para fazer com que Jerusalém desista após algumas semanas de guerra, tal como muitas vezes fez no passado.
O que Bennett sugere, ao invés disso, é transformar os ativos correntes do Hamas em passivos. Cinco ativos, em particular: terreno, tempo, gatilhos, a atenção do mundo e os reféns.
TERRENO E GATILHOS
Militarmente, o plano que ele esboça começa por fazer com que Israel estabeleça uma zona de segurança em Gaza, com dois quilômetros de profundidade, ao mesmo tempo que corta o território ao meio, em algum lugar entre a Cidade de Gaza e Khan Younis.
Quase 800 mil habitantes de Gaza já fugiram de norte para sul, apesar dos esforços do Hamas para mantê-los no local. Dois corredores humanitários, sujeitos ao controle israelense, permitirão que os civis ainda presos no norte se desloquem para o sul. Israel permitirá que água, alimentos e medicamentos cheguem ao sul e criará refúgios médicos e humanitários seguros na zona tampão.
Esta é a parte do plano de Bennett que exige mais mão-de-obra e poder de fogo, mas não envolve um ataque direto ao coração das cidades de Gaza. Deixa o norte de Gaza completamente isolado – acima de tudo, de energia. “Há uma razão para eles pedirem combustível”, diz ele sobre as recentes tentativas do Hamas de trocar reféns por gás. “Eles estão pedindo combustível não para os seus cidadãos, mas para os seus túneis”, que são usados exclusivamente pelos combatentes do Hamas e seus aliados. Os túneis precisam de combustível para alimentar geradores, que por sua vez renovam o ar que os combatentes do Hamas precisam.
Obter este tipo de controle significa que Israel isola o campo de batalha – um requisito fundamental em qualquer guerra bem-sucedida e uma forma testada pelo tempo de proteger os civis. Permite que a maioria dos reservistas de Israel voltem para casa, aliviando a forte pressão sobre a economia. Alivia a crise na cena internacional, sem fazer nada para libertar o Hamas do seu domínio.
Mais importante ainda, permite que Israel conduza o que Bennett descreve como uma “série contínua e persistente de ataques terrestres direcionados” durante um longo período sem a necessidade de ocupar cidades em vigor.
Os ataques menores tendem a produzir menos mortes, especialmente vítimas civis, e menos destruição física, pelo menos quando comparados com ataques aéreos ou fogo de artilharia. Eles aproveitam as habilidades únicas das forças especiais de Israel. Reduzem as hipóteses de um evento desencadeador em que um grande número de vítimas civis leve o Hezbollah a abrir uma frente no norte ou os palestinianos na Cisjordânia a iniciar uma terceira intifada. E minimizam a exposição da infantaria regular israelita aos perigos do denso combate urbano.
“Não quero entrar numa guerra de túneis do tipo vietcongue”, diz Bennett. “Quero surpreendê-los deixando-os secar nos túneis. Imaginem um terrorista do Hamas à espera num desses túneis com as suas armas. A única coisa que ele não espera é ficar preso lá por nove meses sem apoio logístico, sem comida, com frio, molhado e miserável.”
REFÉNS E ATENÇÃO DO MUNDO
Quanto aos reféns, Bennett reconhece que não há respostas fáceis. Mas ele acha que o Hamas começou a perceber que “segurar bebês, idosos e cidadãos estrangeiros é uma responsabilidade inerente, visto que querem a simpatia do público”. Entretanto, o Hamas provavelmente fará tudo o que estiver ao seu alcance para manter os reféns vivos e razoavelmente saudáveis, mesmo porque são inúteis quando mortos. Isto também esgota os escassos recursos do grupo.
TEMPO
Bennett vê a guerra durar meses, até anos, tal como a campanha contra o ISIS no Iraque e na Síria. O longo calendário impõe uma necessidade de paciência a um público israelita justificadamente sedento de vingança e de vitória. Mas o resultado cumulativo do seu conceito seria a destruição completa da capacidade de combate do Hamas e a morte de milhares dos seus combatentes.
CUSTOS
Há um drama em seu plano.
A dada altura, a qualquer combatente do Hamas que permaneça em Gaza será oferecida a oportunidade de passagem para um terceiro país – como a Argélia, ou o Qatar, onde o Hamas tem patrocinadores financeiros. Embora Bennett não goste desta possibilidade, a passagem segura pode ser o preço que Israel estaria disposto a pagar no final pela liberdade dos restantes reféns.
“Seria como Beirute em 1982, quando Yasser Arafat e todos os seus terroristas embarcaram num barco e deixaram o Líbano para sempre”, diz Bennett, recordando o despejo forçado do líder palestino para a Tunísia durante o cerco de Israel à cidade.
Em tal conjuntura, tanto os palestinos deslocados ao sul de Gaza, como os judeus que saíram de suas comunidades, poderão optar com confiança por regressar às suas casas.
Poderia funcionar? A guerra nunca oferece escolhas “puras” – especialmente uma guerra que foi imposta a Israel durante um dia de “mal puro e não adulterado”, como o Presidente Biden corretamente chamou às atrocidades do Hamas. Há também um conjunto maior de questões sobre o que acontecerá a Gaza após o fim da guerra.
É quase certo que Israel manterá a zona tampão em Gaza nos próximos anos, não apenas por motivos de segurança, mas também como punição pelas barbaridades do Hamas. A Autoridade Palestina estará relutante, pelo menos no início, em restabelecer-se no território de Gaza logo após a vitória de Israel. É muito provável que seja necessária uma presença de segurança internacional em Gaza, tal como no Kosovo depois da guerra. Isso também pode durar anos.
CONCLUSÃO
A questão não é se o plano de Bennett é perfeito ou se há lacunas a preencher.
A questão é saber se é melhor do que as alternativas para alcançar os objetivos fundamentais de Israel: destruir o Hamas, exigir justiça, proteger os inocentes, dissuadir os ímpios e, como David Petraeus uma vez perguntou sobre o Iraque, explicar ao mundo “como isto termina”. Por esses motivos, é um plano digno de atenção e respeito.
Israel parece já estar executando este plano, ou pelo menos um bem parecido com este – há relatos de que as conexões terrestres entre a Cidade de Gaza e a região sul da Faixa estão sendo tomadas por Israel.
Por Renato Henrique Marçal de Oliveira - Químico e trabalha na Embrapa com pesquisas sobre gases de efeito estufa. Entusiasta e estudioso de assuntos militares desde os 10 anos de idade, escreve principalmente sobre armas leves, aviação militar e as IDF (Forças de Defesa de Israel)
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