A Guerra da Ucrânia, iniciada em fevereiro de 2022, já se configura como o maior conflito bélico na Europa desde a 2ª Guerra Mundial, e vem alterando o equilíbrio entre os blocos de poder, bem como a abordagem das maiores potências militares nos conflitos de 5ª geração.
Como em toda guerra de atrito, a Logística tem demonstrado sua importância e ilustrado como falhas de planejamento e execução no apoio logístico podem impactar uma operação militar.
Cabe ressaltar que, no geral, a doutrina do Ocidente baseia sempre a Logística e seus planos caminhando “par e passo” com a manobra a se executar. Desta forma, as duas funções de combate caminham juntas.
Os planos logísticos na doutrina ocidental se baseiam ainda, no que tange aos suprimentos, de acordo com a operação, sempre seguindo os quatro “D”: demanda pelos suprimentos, distância a ser percorrida para o apoio, destino do apoio e duração de uma demanda específica (KRESS, 2016).
Na época da União Soviética, a logística militar era baseada em desdobramentos em escalões, de acordo com a qual para cada escalão em combate, havia outro escalão preparado para ser desdobrado em substituição. Este sistema pode ser entendido como “material technical support” (MTO) ou “apoio técnico material”. No nível tático (brigada), a unidade MTO de menor escalão é o “batalhão MTO”, que é desdobrado em cada uma das brigadas de manobra da Força Terrestre. A doutrina logística russa prioriza, em relação ao primeiro escalão em combate, o apoio nas funções logísticas de suprimento, manutenção e transporte.
O modal de transporte mais utilizado para a logística russa, desde os tempos soviéticos, é o ferroviário, com os suprimentos de água e combustível sendo transportados através de aquedutos e oleodutos.
Interessante notar que os planos logísticos para operações militares russas são baseados em estimativas logísticas predefinidas em exercícios e cenários, com todos os cálculos de munições, combustível, alimentos, etc, sem muita flexibilidade de acordo com a campanha. Essa característica doutrinária vem desde os tempos soviéticos, e impactou negativamente na ofensiva sobre Kiev, após a mudança de cenário.
Importante abordar sobre o conceito de culminação logística, já amplamente discutido na doutrina militar de diversos países. A culminação logística, ou “logistics culmination”, se dá quando o ritmo operacional das Forças em emprego se desenrola em descompasso com a capacidade de sustentação logística da Força. Isso pode ocorrer por diversos motivos, como por exemplo, após um ataque coordenado exitoso e um consequente aproveitamento do êxito, situação em que a distância máxima de apoio (DMA) aumenta demais. Pode ocorrer até mesmo por uma falha de planejamento logístico, que é o que pode ter acontecido na ofensiva russa no norte ucraniano, para a tomada de Kiev. A efetividade logística decresce à medida que aumentam as distâncias de apoio (PREBILIC, 2006). Se a logística não está alinhada com o ritmo operacional, pode ocorrer até mesmo a situação em que as tropas recebem muitos suprimentos nos momentos inadequados, o que pode congestionar os eixos de suprimento. Tal desafio já foi apontado por Prebilic (2006), já que, pela imprevisibilidade da guerra, as variações de estoques versus as necessidades (pedidos) das unidades de 1º escalão tendem a se amplificar e acumular ao longo do tempo, gerando o que se chama de “vácuo logístico”.
Uma falha identificada na Operação Logística russa foi que, quando o plano inicial de tomada de Kiev falhou, parece que não havia um plano de contingência. A ilustração mais evidente desse fato foi a foto aérea que ficou famosa do imenso comboio russo parado na estrada a caminho de Kiev, de maneira desprotegida contra sabotagens e ataques de drones ucranianos. Ficou evidente que tal comboio seria para sustentação das forças ao redor de Kiev, e para suprir o aeroporto de Antonov, que se transformaria em um hub logístico. Como as forças russas falharam em tomar o aeroporto e a capital, o comboio não tinha um destino definido. Soma-se a este óbice a não consolidação da supremacia aérea por parte da Força Aeroespacial Russa, como era esperado para o início da ofensiva. Com o comboio desprotegido, ataques ucranianos diminuíram a capacidade logística da operação contra Kiev, ocorrendo a culminação logística, e este fator pode ter contribuído para a decisão russa de se retirar daquela área, concentrando os esforços da Operação Especial no leste e no sul.
Com tudo o que foi dito, o que podemos depreender é que, na atual conjuntura dos conflitos modernos, a logística militar é uma capacidade que se desenvolve desde os tempos de paz, com a infraestrutura do país. A disponibilização de vários modais de transporte para os eixos de suprimento se faz extremamente necessária no contexto atual. A dependência de apenas um modal de transporte, como no caso da Rússia, prioritariamente dependente do modal ferroviário, pode estrangular os eixos de transporte. O aumento da capacidade de transporte se realiza durante o período de paz. No caso do Brasil, a integração das pastas ministeriais da Defesa, Minas e Energia, Portos e Aeroportos e dos Transportes é essencial. A infraestrutura dos tempos de guerra é feita durante os tempos de paz.
Além disso, se mostra evidente a necessidade urgente de investimento da Força Terrestre em Defesa Antiaérea. Na definição da manobra, no contexto da priorização de meios da Artilharia Antiaérea, os meios logísticos devem ter destacada importância. Os comboios logísticos russos sofreram bastante com ataques de drones, impactando negativamente no apoio às tropas de 1º escalão.
Ademais, os planos operacionais, bem como o conceito da manobra e demais funções de combate, devem estar alinhados com a capacidade logística disponível. Com tudo o que foi dito, restou comprovado que na campanha russa houve um descompasso entre a manobra e a logística, visto que, ao se alterar o conceito inicial da ofensiva, não havia um plano logístico de contingência.
Em suma, a Logística Militar, como sempre foi na história das guerras, cumpre um papel destacado para o sucesso ou o fracasso de uma Força.
Por Capitão de Intendência Giancarlo Costa Brito
Fonte Exército Brasileiro
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