"Já temos combates em andamento na linha de frente da Ucrânia mas o momento decisivo chegará quando virmos centenas de veículos blindados atingindo as linhas russas."
Ben Hodges
Em 4 de junho de 2023, após vários meses, parece que a grande ofensiva ucraniana para retomar as terras invadidas pelos russos no leste e sul do país finalmente começou.
Ou ainda não?
De qualquer forma, como está sendo o progresso, ou sua falta, depois de uma semana?
Vamos analisar, brevemente, alguns conceitos neste sentido, e tentar entender o que está acontecendo.
RECONHECIMENTO EM FORÇA
Segundo o Exército Brasileiro:
"3.5 RECONHECIMENTO EM FORÇA
3.5.1 O reconhecimento em força (Rec F) é uma ação executada por uma força com a finalidade de revelar e testar o dispositivo e o valor do inimigo ou obter outras informações.
3.5.2 Permite, normalmente, a obtenção de informes de maneira mais rápida e pormenorizada do que outros tipos de reconhecimento. O comandante que conduz tal operação deve estar preparado para explorar prontamente a descoberta de pontos fracos no dispositivo inimigo.
3.5.3 Se a situação do inimigo precisa ser esclarecida em uma larga frente, o Rec F deve ser realizado por meio de ações potentes, em pontos selecionados da frente."
Ou seja, o reconhecimento em força, especialmente em uma frente ampla, é uma tática muito empregada antes ou durante uma grande ofensiva. A ideia central é "cutucar" o inimigo, usando forças relativamente pequenas, ágeis e flexíveis, para tentar localizar pontos fracos em suas linhas de defesa, de modo a direcionar a força principal para tais áreas.
Embora tais ações, por definição, não sejam tão potentes quanto as grandes ofensivas, se forem bem sucedidas, e dependendo tanto da autonomia quanto do senso de aproveitamento de oportunidades, podem ser cruciais para ofensivas maiores, e até mesmo precipitar tais ofensivas.
Isso é muito bem explicado pelo articulista e amigo Tiago Pedreiro, do excelente canal "Pedreiro de Obra Pronta", que recomendamos fortemente.
Um exemplo de oficial que explorava muito bem as ações de reconhecimento em força, e que era extremamente agressivo, era Erwin Rommel. Ele combateu tanto na Primeira como na Segunda Guerra Mundial, e em ambas ele explorou ao máximo tais ações, a ponto de desobedecer ordens diretas com alguma frequência. Entretanto, os resultados obtidos foram tão positivos que fizeram vista grossa em relação à insubordinação.
Tanto a Rússia quanto a Ucrânia fizeram diversas ações de reconhecimento em força ao longo do conflito, com algumas destas ações sendo mais eficientes do que outras.
A GRANDE OFENSIVA UCRANIANA JÁ COMEÇOU?
O Tenente-general (Res) Frederick Benjamin Hodges III, conhecido como Ben Hodges, ocupou, entre outros cargos notáveis, o de Comandante Geral do Exército dos Estados Unidos na Europa e de Comandante Supremo das Forças Terrestres da OTAN.
Segundo Ben Hodges, a grande ofensiva ucraniana ainda não começou, e o que estamos vendo não passam de ações de reconhecimento em força.
Ele explica suas razões, mas como o artigo, apesar de bastante didático e de leitura altamente recomendada, é longo e está em inglês, idioma que muitos dos nossos estimados leitores não dominam, vamos resumir por aqui.
"Os canais de mídia social estão cheios de imagens granuladas de tanques e explosões no sul e leste da Ucrânia. Há declarações em todos os lugares de que a tão esperada contra-ofensiva de Kiev está em andamento, o que está causando alguma emoção e apreensão. A ofensiva é incrivelmente importante para o futuro da Ucrânia.
Mas ao avaliar o que realmente está acontecendo, é útil entender alguns fatos importantes. Existe uma grande diferença entre iniciar uma ofensiva, e o ataque principal ou esforço principal da operação. A ofensiva, claramente, já começou, mas não acho que o ataque principal tenha começado.
Quando virmos grandes formações blindadas se juntando ao ataque, acho que saberemos que o ataque principal realmente começou. Até o momento, acho que não testemunhamos essa concentração de várias centenas de tanques e veículos de combate de infantaria (IFVs) no ataque."
Hodges explica sua linha de raciocínio da seguinte maneira. Um batalhão tem cerca de 30 veículos, e uma brigada cerca de 8 batalhões, ou seja, cerca de 250 veículos; ele estima que os ucranianos possam ter cerca de 12 brigadas de veículos blindados, ou seja, cerca de 3 mil veículos, entre "tanques" (carros de combate na nomenclatura brasileira) e blindados de transporte de tropas.
"Quando virmos duas ou três dessas brigadas (cerca de 500-750 viaturas blindadas) focadas numa frente estreita, poderemos então dizer que provavelmente o ataque principal começou e onde está a acontecer. Mas mesmo assim, tenha cuidado. O Estado-Maior ucraniano vai querer manter os russos tentando adivinhar a localização do ataque principal pelo maior tempo possível, e eles não ficarão muito incomodados (e provavelmente até felizes) ao ver analistas errando no Twitter."
Ou seja, o que estamos vendo até agora são ações de reconhecimento em força, com um punhado de blindados em cada localidade, e não a força principal em si.
"Mas os blindados ocidentais já estão sendo usados! Isso indica que o ataque principal já começou!" Hodges também tem uma opinião sobre isso:
"Até agora, parece que os ucranianos ainda estão sondando, pressionando, procurando vulnerabilidades para explorar, reforçando o sucesso tático local onde o encontram ou criam. Esse é um dos benefícios de sua adoção do comando e controle tático de estilo ocidental, onde os líderes de nível inferior podem tomar decisões por conta própria. E parte do que estamos vendo destina-se, talvez, a confundir os russos sobre onde o ataque principal será desferido. Mostrar alguns Leopard no campo de batalha em um estágio tão inicial provavelmente foi, a meu ver, destinado a chamar muita atenção para aquela área, talvez como uma isca. Não tenho como saber, mas é algo que eu teria feito, dada toda a atenção da mídia sobre esses excelentes tanques."
COMO ESTÁ SENDO O PROGRESSO DAS AÇÕES UCRANIANAS?
Antes do início das ações de reconhecimento em força, os ucranianos iniciaram ações de OPSEC (segurança de operações), reduzindo drasticamente a divulgação de informações sobre suas ações ao longo do país.
Com o início das ações, o "blackout" de informações se tornou ainda mais opaco, o que nos limita às informações obtidas através do OSINT (inteligência a partir de fontes abertas, ou seja, informações obtidas a partir de terceiros) e informes do Ministério da Defesa da Rússia. Isso limita muito a obrigação de informações fidedignas sobre os avanços e reveses dos ucranianos.
Hodges fala sobre outras dificuldades em obter informações, a saber, durante o comando das ações em combates reais:
"Como sempre, aqueles que participam da luta enfrentam não apenas das ações de engodo inimigo, mas também a pura confusão do combate. A 'névoa da guerra' realmente afeta os comandantes em campo. Sempre tive muita dificuldade em visualizar e entender o que estava acontecendo durante um combate – como comandante de brigada e chefe de corpo de operações no Iraque e, posteriormente, como Diretor de Operações em Kandahar, Afeganistão – embora tivéssemos os sistemas de comando e controle mais modernos. Um comandante ainda depende dos relatórios dos comandantes avançados realmente engajados na borda dianteira da área de batalha. Os drones ajudam a dar uma visão geral, mas ainda é um desafio. É por isso que é essencial confiar nos comandantes subordinados para entender o plano geral e continuar tomando boas decisões no calor da batalha."
Ou seja, embora tanto a grande disponibilidade de informações de meios como satélites e a ansiedade natural da "era do Tik Tok" em que vivemos nos leve a querer informações mais detalhadas imediatamente, teremos que esperar mais algumas semanas para ter informações mais concretas.
Somente o tempo dirá se, de fato, a ofensiva ucraniana de 2023 será bem sucedida como a de 2022, ou se foi um fracasso.
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