No dia 30 de agosto de 2022, o último presidente soviético morreu no Hospital Clínico Central de Moscou, aos 91 anos de idade.
Mikhail Sergeevitch Gorbatchev nasceu no dia 2 de março de 1931 em Privolnoye, vilarejo próximo a Stavropol, capital de uma divisão administrativa da antiga URSS1 de mesmo nome, situada na parte sul da Rússia Europeia. Filho de Sergey Gorbachev, de origem russa, e Maria Gopkalo Gorbachev, de origem ucraniana, um casal de camponeses que trabalhava em um Colcoz2.
Aos 10 anos, viu seu país ser invadido pela Alemanha e a porção do território em que vivia ser ocupada. Com a expulsão dos alemães, passou a conciliar o trabalho na agricultura com os estudos. Em 1950, ingressou na Faculdade de Direito da Universidade Estatal de Moscou e no Partido Comunista, que monopolizava a atividade política no regime soviético, quando conheceu Raisa Maksimova Titorenko, graduanda de Filosofia, que viria a ser sua companheira de toda a vida. Aos 35 anos, completou os estudos no Instituto Agrícola.
A partir de então, sua ascensão foi meteórica: Ministro da Agricultura em 1970, membro do Comitê Central3 em 1971, representante no Soviete Supremo4 em 1974 e integrante do Politiburo 5em 1979. Para isso concorreram não só sua reconhecida capacidade como gestor e inteligência, mas também as boas relações que cultivou com Iúri Andropov, chefe do KGB6 e seu conterrâneo de Stavropol.
A morte de Leonid Brejnev em 1982, após 18 anos à frente da URSS, abriu uma crise sem precedentes. Em pouco mais de três anos, dois outros líderes se sucederam: Iúri Andropov e Konstantin Chernenko, ambos septuagenários e que faleceram no exercício do poder.
Diante desse quadro, o Politiburo buscou no seu quadro de pessoal mais jovem e talentoso a solução, elegendo Mikhail Gorbachev Secretário-Geral do Partido Comunista da União Soviética (PCUS) em 11 de março de 1985, poucas horas após a morte de Chernenko.
Elegante, inteligente, charmoso, dono de uma personalidade midiática e de uma inconfundível marca de nascença na cabeça, Gorbachev ou Gorbi, como os russos o chamavam, parecia a escolha certa para sacudir a estagnação que tomava conta da União Soviética.
Os custos da Guerra Fria tornaram-se inaceitáveis. A URSS mantinha um imenso contingente de homens estacionados no leste europeu desde o término da 2ª Guerra. A deteriorização das relações com a China ao longo da década de 60 obrigara o estacionamento de outro grande contingente ao longo da fronteira dos dois países. Por causa da disputa armamentista, a economia soviética mostrava-se cada vez mais ineficiente, incapaz de sustentar o esforço bélico e suprir a população com itens básicos.
Concomitantemente, as diversas nacionalidades albergadas sob a Cortina de Ferro8 mostravam sinais de descontentamento com predomínio dos interesses russos sobre os demais. O mesmo se dava com os integrantes dos 15 estados que constituíam a URSS sobre as reivindicações de maior liberdade e transparência.
Diante desse cenário, Gorbachev lançou mão de duas ferramentas que julgava modernizadoras: a Perestroika (reconstrução econômica) e a Glasnost (transparência política). A despeito de a Perestroika ter facilitado o recebimento de investimentos privados no país, a ocorrência do trabalho individual remunerado e a diminuição da intervenção estatal, foi a Glasnost que provocou maior e mais duradouro impacto.
Gorbachev permitiu que fossem realizadas eleições para o Soviete Supremo e os comitês regionais; aboliu o unipartidarismo; concedeu anistia ao dissidente Andrei Sakharov, conhecido internacionalmente; removeu a censura prévia nos meios de comunicação; reabilitou as vítimas de Stalin; e buscou dialogar com os movimentos nacionalistas existentes dentro da URSS.
Na política externa, tratou de construir um melhor relacionamento com os EUA e seus principais aliados, participando de uma série de reuniões de cúpula que resultaram em importantes acordos de desarmamento nuclear: encerrou a Guerra do Afeganistão, retirando suas tropas desse país; foi recebido pelo Papa João Paulo II no Vaticano, um gesto sem precedentes da Igreja Católica; abandou uma das pedras de toque da diplomacia soviética, a Doutrina da Soberania Limitada9, permitindo que seus satélites da Europa Oriental optassem pela permanência no bloco socialista. Fruto dessas medidas, Gorbachev viveu seu momento de maior prestígio no Ocidente, sendo recebido entusiasticamente nos EUA e recebendo o Premio Nobel da Paz de 1990.
Tendo preferido a Glasnost a Perestroika, Gorbachev tornou-se alvo de críticas que ele mesmo permitiu serem feitas. Dentre seus principais críticos, destacou-se Boris Iéltsin, antigo primeiro-secretário do Partido Comunista em Moscou, cargo que equivalia ao de prefeito da cidade.
Populista, histriônico e alcoolista, Iéltsin ganhou projeção por exigir maior rapidez nas reformas e pelo seu comportamento excêntrico. Foi eleito deputado por Moscou em 26 de março de 1989, passando a integrar o Soviete Supremo três dias depois. Naquele mesmo ano, deu início à formação de um bloco dissidente a favor da aceleração das reformas políticas e econômicas. No ano seguinte, Iéltsin foi eleito chefe do Soviete Supremo da República Socialista Federativa Soviética da Rússia e, em 12 de junho de 1991, presidente do país.
Em março daquele ano, um referendo popular patrocinado sob a orientação de Gorbachev foi realizado em 9 das 15 repúblicas soviéticas, sendo mantido um sistema federal unindo todas as repúblicas, que se chamou de Novo Tratado da União, em substituição ao Tratado de Criação da URSS.
A data da assinatura do tratado foi marcada para 20 de agosto de 1991. Contudo, no dia 19, a facção radical do Partido Comunista, inconformada com a perda de seus privilégios e com a possibilidade dos antigos Estados Bálticos (Estónia, Letónia e Lituânia) não aderirem à nova entidade política, tentou um golpe de estado que ficaria conhecido como Golpe de Agosto.
Foi a motivação para que Boris Iéltsin tomasse a História pela mão, encabeçando a resistência e convocando todos os homens válidos a se juntar a ele em defesa do prédio do Soviete Supremo. Diante da multidão que tomou a frente do legislativo Soviético, as tropas enviadas não tiveram coragem de abrir fogo e se retiraram ou aderiram.
Apesar dos dirigentes golpistas terem libertado Gorbachev e se retirado de Moscou, o dano causado à imagem do Partido Comunista foi irrecuperável. Gorbachev saiu da crise enfraquecido, enquanto Boris Iéltsin surfou na popularidade adquirida.
A partir daquele momento, o colapso da URSS passou a ser uma questão de tempo, e Gorbachev passou a tentar salvar a proposta vitoriosa no referendo, buscando a manutenção de um sistema federal que a mantivesse unida.
No mês seguinte, a tão temida independência dos países bálticos se confirmou e foi de pronto reconhecida por Iéltsin.
Finalmente, em dezembro, Boris Iéltsin deu sua cartada final. Reuniu-se secretamente em Minsk com os presidentes da Bielorrússia e Ucrânia, as duas principais repúblicas soviéticas, e com eles assinou o Pacto de Belaveja, que criava a Comunidade de Estados Independentes (CEI) e declarava a saída da URSS.
Planejado durante semanas e assinado em 8 de dezembro, o pacto foi ratificado pelos parlamentos da Ucrânia e Bielorrússia, em 10 de dezembro, e pelo parlamento russo no dia 12 daquele mês. Diante disso, restou a Gorbachev reunir-se com Ieltsin no dia 25 de dezembro, entregar-lhe os códigos do arsenal nuclear soviético e declarar extinta a URSS.
Após deixar o poder, Gorbachev criou, em 1992, a Fundação Gorbachev, considerada uma organização internacional não governamental (ONG) e um think tank que realiza pesquisas sobre problemas sociais, econômicos e políticos, e passou a emprestar seu nome a diversas causas. No ano seguinte, fundou a Cruz Verde Internacional, foi um dos signatários da Carta da Terra10 e tornou-se membro do Clube de Roma11. Em 1996, ensaiou seu retorno à política, candidatando-se à presidência da Rússia, mas obteve pouco mais de 386.000 votos, o equivalente a 0,5% do total.
Após sua morte, recomeçam as discussões acerca de seu legado. A maioria dos russos não possui boa opinião sobre ele, colocando em sua conta a desintegração da União Soviética, a expansão da OTAN e as dificuldades vividas pela população durante o período de transição para a economia de mercado e a perda do status de superpotência.
Os limites da antiga URSS é lembrado por ter ajudado a dar fim à Guerra Fria, um período em que o espectro da destruição mútua pairava sobre a humanidade, possibilitando aos satélites soviéticos escolherem se desejavam permanecer em sua órbita.
Na realidade, Gorbachev insere-se no rol de dirigentes russos que, ao longo dos séculos, buscaram tornar seu país parte efetiva da Europa tais como Pedro, o Grande; e Alexandre II, que se deparou com severas condições adversas, principalmente a inexistência de uma cultura democrática para seus concidadãos saídos da autocracia do Czariado e, logo a seguir, lançados no autoritarismo Comunista Leninista.
Sua queda e consequente ostracismo não desqualificam sua obra. Na verdade, as circunstâncias em que elas se deram, sem recorrer à violência, e sempre procurando atuar dentro da legalidade, o enaltecem e fazem-no um herói do nosso tempo.
Por Coronel R1 Carlos Mário de Souza Santos Rosa
Fonte Exército Brasileiro
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