O Brasil já demonstra interesse no Leonardo M-346 Master faz tempo, mas qual é o potencial da aeronave para a FAB?
Algo que fica muito evidente nas guerras do passado e do presente - e que certamente continuará desta forma no futuro - é a importância do treinamento adequado dos militares. Inúmeras batalhas e guerras foram determinadas pelo treinamento.
Além da adequação para a função de treinamento, é desejável que o treinador tenha capacidade de combate. O uso de treinadores em combate não é algo novo nem incomum. Citando apenas alguns exemplos, os Fouga Magister israelenses foram fundamentais na Guerra dos Seis Dias, assim como os ST (Super Tucano) colombianos e afegãos combateram em missões COIN (contra insurgentes), e os ST brasileiros são fundamentais no combate ao narcotráfico.
O Brasil fabrica um dos melhores treinadores a hélice do mundo, o Super Tucano, mas ele não é capaz de atender a todas as necessidades de treinamento de uma FAB (Força Aérea Brasileira) que se prepara para um futuro altamente competitivo.
É pensando nisso que a Força procura um treinador a jato, e de preferência um que seja excelente não apenas no treinamento, mas também em combate.
É aí que entra o Leonardo M-346 Master, um dos melhores treinadores a jato do mundo, que oferece excelentes capacidades de treinamento e de combate a custos bastante vantajosos. Não é pra menos que ele já conquistou diversos clientes, inclusive a exigente IAF (Força Aérea Israelense).
ORIGEM DO LEONARDO M-346 MASTER
Com a queda da URSS no início dos anos 1990, a Rússia passou a buscar os países ocidentais para diversos acordos nas áreas civil e militar. Um dos resultados destas parcerias com a Itália foi o surgimento de dois treinadores a jato baseados em um design comum: o Yakovlev Yak-130 para a Rússia e países alinhados, e o Leonardo M-346 Master para a Itália e países alinhados. Ambos podem cumprir não só a missão de treinador básico, mas também de LIFT (Treinamento Avançado e Conversão à Primeira Linha de Pilotos de Caça), com o M-346 também tendo variantes de caça leve e ataque leve. Não nos deteremos muito na história do projeto, mas ao invés disso recomendamos a leitura do excelente artigo do Prof. Luiz Reis sobre o assunto, o qual usaremos frequentemente neste texto.
O Yakovlev Yak-130 é bem semelhante, por fora, ao M-346, o que remete à origem comum dos dois projetos
Na Itália, o Master substituiu o MB-339, que por sua vez era uma evolução do vetusto MB-326, que o Brasil fabricou sob licença e usou por muitos anos, o saudoso EMB-326 Xavante. Quando o Xavante foi aposentado sem um substituto, abriu-se uma lacuna operacional na FAB, algo que vem sendo relatado por fontes consultadas pelo GBN Defense, portanto não é surpresa que estas mesmas fontes argumentem que o Master seria uma aquisição importante para a Força.
O saudoso Aermacchi / Embraer EMB-326 Xavante deixou uma lacuna quando foi aposentado sem um substituto
Além de melhorar o treinamento dos pilotos e permitir que mantenham sua proficiência em jatos a um custo menor que voar nos caças de primeira linha, o Master poderia cumprir o espectro inferior das missões, ou seja, aquelas que não exijam o Gripen, muito mais capaz que quaisquer versões do Master mas também muito mais caro. Esta combinação ‘high-low’ acontece em várias Forças Aéreas, e permite um bom custo-benefício sem perda de capacidade.
Escrevemos alguns artigos no GBN sobre o uso de LIFT pela FAB (Força Aérea Brasileira), bem como artigos sobre o Master e o interesse da FAB na aeronave, o que foi demonstrado pela visita do então Comandante da FAB, o Brigadeiro Baptista Jr.
Aqui vamos atualizar as informações contidas nestes artigos e também falar sobre como seria o emprego do M-346 pela FAB, embora não haja, no momento, nenhuma requisição oficial neste sentido.
CARACTERÍSTICAS DO LEONARDO M-346 MASTER
O Master é um treinador a jato bimotor e transônico, com muitas variantes, inclusive algumas bastante ‘personalizadas’, como o Lavi israelense.
M-346 Lavi. Observe-se o radome preto, que abriga um radar
As principais variantes do M-346 são:
M-346FT (Fighter Trainer)
Variante multifuncional capaz de alternar entre treinos e operações de combate. Os novos recursos incluem um novo sistema tático de datalink e capacidade de armamento diferente, mas não incluem mudanças físicas no hardware. Está equipado com 5 hardpoints; os dois hard points internos das asas e o hard point do centerline são 'molhados', podendo levar 'drop tanks' (tanques de combustível descartáveis) de 630 litros (≈500 kg).
M-346FT. Observe-se a ausência de hard points nas pontas das asas, a ausência de radome e o pod Litening no centerline, o que permite que a aeronave use armas guiadas a laser, como as Paveway. Embora a sonda para REVO (reabastecimento em voo) não esteja presente, ela é removível e pode ser instalada facilmente quando necessário
M-346FA (Fighter Attack)
Variante Multirole capaz de combates ar-ar e ar-superfície, com uma carga útil de duas toneladas sobre sete hardpoints (os mesmos do FT e mais dois nas pontas das asas), radar Grifo-346 avançado, contramedidas e novos recursos, incluindo revestimentos de absorção de cobertura radar e asa ampliada.
M-346FA. Observe-se os hard points nas pontas das asas e o radome preto. A sonda para REVO não está presente mas pode ser instalada facilmente quando necessário
O Master também pode ser equipado com uma sonda para REVO (reabastecimento em voo). Mesmo sem REVO, ele tem um bom alcance de travessia, superior a 2.500 km.
Master italiano sendo reabastecido em voo
O Master tem dimensões e pesos comparáveis ao AMX, embora as cargas de armas e combustível sejam menores:
Fichas técnicas do AMX e do M-346
ARMAS E SENSORES
O Master pode ser equipado com diversas armas e pods
Uma característica fundamental do M-346 é o sistema de treinamento tático incorporado (ETTS). O ETTS é capaz de emular vários equipamentos, como radar, pods de alvos, armas e sistemas de guerra eletrônica; além disso, o ETTS pode interagir com várias munições e outros equipamentos sendo transportados a bordo. O sistema pode atuar em modo autônomo, no qual dados simulados e informações de cenário são carregados antes da decolagem, ou em uma rede, durante os quais dados são recebidos e acionados em tempo real de estações de monitoramento terrestre através do link de dados da aeronave. Para fins de avaliação e análise pós-missão, os dados acumulados, como o vídeo do monitor opcional montado no capacete, podem ser extraídos e revisados. A Leonardo também oferece um Sistema Integrado de Treinamento (ITS), combinando o M-346 com um sistema de treinamento em terra como parte de um programa mais amplo para pilotos qualificados.
Simulador do Master
Embora o Master possa atingir uma velocidade máxima transônica de Mach 1,2, a capacidade supersônica é secundária - esta velocidade não pode ser atingida transportando armas. Ou seja, para todos os efeitos práticos, o Master é uma aeronave subsônica, o que não é um problema sério - o AMX é subsônico e vem servindo muito bem à FAB já faz três décadas. O Xavante também era subsônico e teve uma longa e brilhante carreira na FAB.
Mais importantes, entretanto, são os 5 hard points para armas - quatro sob as asas e um no centerline; a versão FA tem mais dois, nas pontas das asas.
O Master é compatível com diversas PGM (armas guiadas de precisão, ‘armas inteligentes’) e armas ‘burras’, tanto para fins de treinamento como para missões de ataque ou caça leve, e também pods de reconhecimento e designação de alvos. Ao contrário de AMX e Gripen, o Master não leva armas internamente, mas pode ser equipado com pods de metralhadoras ou de canhões.
O Master pode levar bombas guiadas, não guiadas e mísseis, e ainda pode ser reabastecido em voo
Entre os vários sistemas compatíveis, o Master já está homologado para usar alguns que o Brasil vai operar com o Gripen, como o míssil IRIS-T, a bomba guiada Lizard, o pod de reconhecimento RecceLite, e o LDP (pod de designação de alvos com laser) Litening. O Brasil não precisaria gastar com a integração e homologação destes sistemas.
A versão FT, embora menos capaz que a FA, também é menos cara de adquirir e operar. Na FAB, o FA poderia substituir o A-1, e o FT seria usado como treinador avançado, para a transição entre o Super Tucano e o Gripen. A principal vantagem do FA é o radar, que o habilita a usar diversas armas (e também aumenta os custos), mas o FT já é capaz de usar armas, especialmente para missões de ataque em tempo bom durante o dia.
Falando no radar - a FAB já usa radares da Leonardo, o Grifo no F-5M e o Raven do Gripen, portanto seria relativamente simples adotar outro radar da empresa. Embora o Grifo-346 seja um radar muito mais simples e menos capaz que o Raven, também é menor e mais leve, e sua performance ainda é adequada para várias missões.
Radar Grifo-346
Os italianos, conforme mencionado acima, são muito abertos à integração de diversas armas, e a Leonardo tem ampla experiência no ramo. Um fator que poderia ser uma vantagem decisiva do Master frente à concorrência seria a ‘personalização’ do Master para os padrões brasileiros, já que adotamos padrões nacionais de IFF (identificação amigo ou inimigo) e data link (enlace de dados, comunicações criptografadas), além de algumas armas nacionais; é pouco provável que os EUA autorizem a integração de tais sistemas em aeronaves feitas com sua participação, como o KAI FA-50 e o Saab / Boeing T-7.
O Master pode levar armas de diversas nacionalidades, como a JDAM americana (na asa) e a TEBER turca (no chão)
Outra ‘personalização’ que seria interessante para o Brasil é o melhorar ainda mais o já excelente cockpit do Master, para o mesmo padrão do Gripen, incluindo WAD (display de área ampla), HMS (miras montadas no capacete) e NVG (óculos de visão noturna). A instalação de tais sistemas ajudaria não apenas no treinamento dos pilotos como também aumentaria consideravelmente a capacidade operacional da aeronave, habilitando-a inclusive a realizar missões noturnas e com tempo adverso.
O modreno 'glass cockpit' do Master é dominado por telas multifuncionais
Uma capacidade importante para o Brasil, dado o nosso extenso litoral, seria dotar o Master com ASCM (mísseis de cruzeiro antinavio), como versões aerotransportadas do MANSUP (Míssil Antinavio de Superfície), atualmente em desenvolvimento na versão mar-mar. Versões lançadas a partir de aeronaves seriam uma opção importante para auxiliar nossas FFAA na defesa da Amazônia Azul, e o Master poderia seguir o modelo do Super Étendard, levando um míssil sob uma das asas e um drop tank na outra.
O Master pode levar mísseis antinavio, como o Marte da Leonardo, mas no Brasil o ideal seria uma versão aerotransportada do MANSUP
Nesta breve análise pode-se observar que o M-346 seria uma excelente aquisição para a FAB, não só melhorando ainda mais o nível de preparo de nossos pilotos, como também auxiliando no cumprimento de missões de combate a um custo reduzido e sem perder a eficiência.
Conforme apontamos em outros artigos, boa parte das dificuldades da Rússia na invasão da Ucrânia vem do fato de que seus pilotos não voam o bastante. Isto se deve a muitos fatores, entre eles o elevado custo de operação dos caças de ponta, e boa parte desta lacuna pode ser preenchida com os pilotos voando nos M-346 para manter o nível de proficiência. O M-346 pode, inclusive, lançar PGM, permitindo formar ainda melhor os pilotos de caça.
Embora, no momento, o Brasil esteja em paz, não podemos nos iludir - a segurança da nação recai sobre os ombros das valorosas Forças Armadas, e estas devem estar sempre preparadas a cumprir suas missões.
Concluímos este artigo com a frase imortal do grande Ruy Barbosa:
O Exército pode passar cem anos sem ser usado, mas não pode passar um minuto sem estar preparado.
*Renato Henrique Marçal de Oliveira é químico e trabalha na Embrapa com pesquisas sobre gases de efeito estufa. Entusiasta e estudioso de assuntos militares desde os 10 anos de idade, escreve principalmente sobre armas leves, aviação militar e as IDF (Forças de Defesa de Israel)
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