Vivemos em um mundo interligado, nas áreas econômicas, culturais e até mesmo quando se trata da área militar. O mundo em que vivemos é uma realidade totalmente diferente daquela que nossos avós ou bisavós viveram, com um mundo hoje sendo globalizado e multipolarizado.
Neste artigo destacaremos os papéis de um grupo não tão conhecido, mas que vem desempenhando um papel muito importante no cenário geopolítico e econômico mundial, o "BRICS", mas primeiro iremos colocar alguns pontos que antecedem a criação do mesmo.
Um pouco de história
A Segunda Guerra Mundial (1939-1945) foi um acontecimento terrível e cruel durante um período conturbado da nossa história, sendo o maior conflito que já tivemos em toda nossa existência. Milhões de pessoas morreram e muitos países foram afetados diretamente pela guerra, com grande destaque para Alemanha, URSS, EUA, Japão, Itália, França e Inglaterra. Estes países eram as potências daquele período, sendo eles os que mais estiveram ligados durante a guerra. Estes países em especial foram os mais afetados em termos de baixas e economia, com a URSS tendo perdido cerca de 27-30 milhões de militares e civis durante a guerra, um número altíssimo, sendo a URSS o país que mais perdeu sua população em geral pela guerra.
Logo após o fim do conflito em 1945, o mundo foi abalado por mais tensões, só que agora entre as duas maiores potências bélicas da época, sendo elas os EUA e a URSS. Com o término da Segunda Grande Guerra, o mundo se dividiu e foi iniciado um conflito conhecido como "Guerra Fria", onde o mundo foi dividido em duas ideologias distintas: o Capitalismo, apoiado pelos EUA, e o Socialismo, apoiado pela URSS. A Guerra Fria não foi uma guerra convencional onde os 2 lados se enfrentam diretamente, muito pelo contrário, a Guerra Fria foi travada principalmente por questões ideológicas, econômicas, culturais etc.
Com isso, os países tiveram que se decidir e escolher qual caminho seguir. Isso posto, a Europa juntamente com os Estados Unidos decidiram criar uma aliança militar com o intuito de barrar a URSS em caso de conflito. Esta aliança é chamada de Organização dos Tratados do Atlântico Norte (OTAN), criada em 4 de abril de 1949, com o andamento do Plano Marshall seguindo em frente (Plano Marshall foi a ajuda econômica dos americanos para alguns países Europeus ao final da segunda guerra).
Inicialmente a OTAN era composta por 12 países: EUA, Canadá, Dinamarca, Bélgica,França, Holanda, Islândia, Itália, Luxemburgo, Noruega, Portugal e Grã-Bretanha.
Como a Guerra Fria foi travada pelos 2 lados, a URSS não ficou atrás e criou a sua própria aliança militar e o seu plano para ajudar e reestruturar os países do Leste europeu, chamado de COMECON (Conselho para Assistência Econômica Mútua). Já a aliança militar dos países aliados a União Soviética foi chamada de Pacto de Varsóvia, uma aliança apenas com os países do bloco comunista / socialista da URSS, criada em 14 de maio de 1955, composta inicialmente por Albânia, Bulgária, Tchecoslováquia, Republica Democrática Alemã, Hungria, Polônia, Romênia e URSS.
Durante a Guerra Fria ocorreram muitas 'guerras por procuração', provocadas por países com interesses ideológicos e econômicos, com algumas guerras como a Guerra do Vietnã (1955-1975) que foi travada entre o Vietnã do Sul e EUA contra o Vietnã do Norte apoiado pela URSS e China. Nesta guerra, mais de 50.000 americanos foram mortos, com o lado comunista saindo vitorioso e vencendo o lado sul apoiado pelos EUA. Ocorreram diversos outros conflitos, que deixaremos para artigos futuros.
Os pontos mais marcantes da Guerra Fria foram a corrida armamentista, a corrida espacial e a crise dos mísseis.
1 - A corrida armamentista
Foi basicamente uma disputa entre EUA e URSS para ampliarem cada vez mais seus arsenais, tanto convencional, quanto nuclear, com ambos os países desenvolvendo milhares de equipamentos, de veículos a bombas nucleares com poder de destruição sem precedentes.
2 - Corrida Espacial
A corrida espacial foi a disputa para ver qual das duas potências chegariam ao espaço primeiro, com os soviéticos lançando ao espaço em 1957 o primeiro satélite artificial do mundo, o Sputnik. Mas o ápice da Corrida Espacial foi a chegada do homem à Lua, feito esse realizado pelos americanos.
3 - Crise dos Mísseis
A Crise dos Mísseis talvez tenha sido o momento mais tenso de toda a Guerra Fria, pois foi nessa crise em que o mundo esteve à beira de uma guerra nuclear entre EUA e URSS.
Resumidamente, a Crise dos Mísseis foi um período de 13 dias em que a URSS implantou mísseis nucleares de médio alcance na pequena ilha de Cuba, com a autorização de Fidel Castro e Che Guevara (em retaliação à frustrada tentativa de invasão da Baía dos Porcos).
Durante esses 13 dias os Estados Unidos enviaram aviões espiões U-2 para missões de inteligência e espionagem, com um desses aviões tendo sido abatido por sistemas de defesa aérea cubanos, resultando na morte de seu piloto.
Após diversos dias de tensões, os EUA e a URSS chegaram a um acordo, com a União Soviética retirando os mísseis de Cuba e os Estados Unidos retirando mísseis da Turquia.
Com a Guerra Fria a todo vapor, o mundo entrou em uma bipolarização, com essa bipolarização tendo seu fim a partir de 1990, com o evento mais marcante tendo sido a queda do Muro de Berlim, que dividia a Alemanha entre o lado Ocidental e Oriental.
O próximo passo para o fim da Guerra Fria foi a extinção da URSS, que faliu em 26 de dezembro de 1991.
Com o fim da URSS surgiu o termo "Multipolarização", ou seja, vários centros de poder e potências mundiais, com destaque para EUA, Alemanha e Japão. O poder na Multipolarização é medido pelo poder econômico dos países, como o PIB. Com a chegada da Multipolarização veio a Globalização, onde o mundo foi interligado com a grande expansão de mercados, serviços, capital etc.
A Multipolaridade trouxe consigo uma Nova Ordem Mundial, com os EUA sendo o líder dessa nova ordem em termos culturais, econômicos e militares.
O mundo tornou-se um lugar interligado, com os países dependendo uns dos outros para suas economias aumentarem e se desenvolverem. Mas alguns países não estavam muito contentes com essa Nova Ordem Mundial, principalmente países que eram considerados menos industrializados, mais focados na exportação de commodities, entre eles o Brasil.
Em 2001, o economista inglês Jim O'Neill, do Goldman Sachs, escreveu um artigo sobre países com grandes territórios e que vinham com um rápido crescimento econômico, visando uma transformação no cenário da economia global.
Jim O'Neill
Jim levou em consideração alguns indicadores muito importantes para a criação de seu artigo e seus estudos, como PIB, tamanho populacional e PIB per capita. Estes países eram Brasil, Rússia, Índia e China, com as letras iniciais dos nomes destes países dando origem ao termo BRIC.
O mundo inteiro nessa época já previa o enorme avanço chinês em várias áreas, principalmente na econômica, com sérios riscos para países de "primeiro mundo".
O descontentamento de países como China e Índia era grande quanto à exclusão em grupos exclusivos como o G8, onde se tinham convidado mais economias europeias, como a Itália e Alemanha, para as reuniões do grupo.
A história do BRIC viria a mudar no ano de 2009 com a Cúpula de Ecaterimburgo, onde foram debatidas idéias de colaboração entre os membros do grupo e interação política, alcançando o nível de chefes de estado e governo.
Após 2009 ocorreu a II Cúpula dos BRIC, só que dessa vez em Brasília (BR), mas apenas em 2011 na III Cúpula que a África do Sul se juntou a iniciativa, dando assim o nome atual de "BRICS", com o "S" representando South Africa (África do Sul).
Em 2014 dois passos muito importantes foram concluídos para os BRICS: a criação do "Arranjo Contingente de Reservas dos BRICS" (CRA) e a fundação do NDB (Novo Banco de Desenvolvimento), uma parceria desenvolvida entre os bancos centrais dos BRICS como alternativa ao Banco Mundial e ao Fundo Monetário Internacional para solucionar crises e instabilidades que poderiam ocorrer no futuro.
O CRA pode ser usado em caso de necessidade de liquidez em curto prazo. O NDB foi fundado com um capital autorizado de US$ 100 bilhões e capital inicial de US$ 50 bilhões, com as contribuições divididas igualmente entre os membros fundados (US$ 10 bilhões cada).
E no tempo atual, qual seria o peso dos BRICS no cenário global?
Todo grupo ou bloco econômico precisa ser avaliado em alguns indicadores, com os principais sendo população, PIB, PIB per capita e até mesmo capacidade militar. Tudo isso nos indica se esse grupo é poderoso e se pode realmente balançar o cenário mundial.
A OTAN, por exemplo, é uma aliança militar, composta por países que possuem um grande grau técnico e experiência em combates, contando também com o apoio mútuo de todos os membros.
Os BRICS não são uma aliança militar hoje, e dificilmente serão no futuro, mas tem grandes perspectivas para o crescimento de acordos em áreas como a tecnologia, ciência, energia e talvez defesa.
Os BRICS atualmente possuem um PIB de US$ 18 trilhões, de acordo com FMI e a ONU, representando assim uma fatia importante dos US$ 94 trilhões da economia mundial. Em termos de população, os BRICS possuem nada menos que 3 bilhões de pessoas nestes 5 países, ou seja, aproximadamente 48% da população mundial.
No quesito bélico não é diferente, com todos os membros sendo potências bélicas, com Rússia, China e Índia possuindo a tecnologia de armas nucleares e outras de destruição em massa, com o Brasil tendo 100% a tecnologia nuclear para a geração de energia, e no futuro próximo também para a propulsão nuclear do nosso primeiro submarino desta classe.
Mas por que o BRICS não pode se tornar uma aliança militar?
O BRICS, diferentemente da OTAN, não é uma aliança militar, e na verdade está muito longe de ser.
O principal problema dos países do BRICS são as suas diferenças entre si, com a China e a Índia tendo conflitos e disputas fronteiriças há décadas; conflitos recentes na região de Ladakh, na fronteira entre esses dois países, resultaram em dezenas de mortes.
O Brasil e a Rússia são grandes exportadores de commodities, com China e Índia sendo grandes importadores, mas que exportam muita tecnologia, nisso cada membro do BRICS obtém vantagens de lados opostos.
Outro ponto crítico são os governos autoritários de Rússia e China, vistos como grandes opositores dos Direitos Humanos e da democracia, com o Brasil e Índia sendo democracias mais vibrantes no papel.
É importante lembrar que Rússia e China são membros permanentes do exclusivo Conselho de Segurança da ONU, composto por 5 membros permanentes - EUA, China, Rússia, França e Reino Unido - e 10 membros temporários, que são escolhidos através da Assembleia Geral para um mandato de 2 anos. A Rússia já expressou seu apoio para a adesão do Brasil como um membro permanente do Conselho de Segurança, mas seria necessário uma reforma nas cartas da ONU, mudança essa que só é feita através de uma Assembléia Geral.
Por esses motivos o BRICS não pode se tornar uma aliança militar (pelo menos não enquanto tiver 2 potências nucleares disputando territórios e se enfrentando), a diferença entre os membros são grandes e muito claras.
Apesar destes desafios, os membros continuam dialogando e mantendo uma ordem dentro do bloco.
A mudança no cenário econômico mundial
A NOM (sigla para Nova Ordem Mundial), vem sendo um dos maiores debates no meio geopolítico atual, com grandes mudanças podendo ocorrer no curto, médio e longo prazo, com essas mudanças começando a ocorrer com a subida da China como potência hegemônica global.
Diversos estudos apontam que até 2050 a China terá ultrapassado os EUA em todas as áreas da hegemonia global, com a economia chinesa superando a americana por uma ampla margem.
Outra mudança que poderá ocorrer é a substituição do dólar como principal moeda de reserva, com a moeda mais cotada para essa mudança sendo o Yuan chinês.
O sistema monetário internacional vem sendo liderado pelo dólar desde o fim da Segunda Guerra Mundial mas, após algumas décadas, outros países em desenvolvimento buscaram alternativas para ganhar maior autonomia em relação à moeda americana, resultando no surgimento do Euro em 1999.
O Euro atualmente é uma das moedas mais valorizadas de todo o mundo, utilizado por 19 países da União Europeia como sua moeda principal, com ênfase para França, Alemanha e Itália.
Alguns países da Europa optaram pela não utilização do Euro, como é o caso da Polônia e da Hungria, deixando claro que já se criaram alternativas em relação ao dólar como a principal moeda de reserva.
A China vem se tornando nos últimos anos um player cada vez mais importante no teatro monetário internacional, aplicando cada vez mais a sua moeda como forma de pagamento em diversos países, com destaque para países africanos que já negociam e pagam dívidas de grandes quantias em Yuan.
Recentemente, o Banco Central Brasileiro (BC) aumentou a participação do Yuan em suas reservas de moedas estrangeiras, aumentando para 4,99%, com os ativos em dólar caindo cerca de 5,69%, mas mantendo-se como nossa principal moeda de reserva, com sua participação representando mais de 80% de nossas reservas, seguindo pelo Euro, que também houve queda.
Vale ressaltar que mudanças como essas não são e nunca serão da noite para o dia, com todas essas informações sendo estudos, não dizendo ao certo se irá ou não ocorrer de fato.
Outro ponto muito importante de se colocar é o crescente aumento do número de usuários do sistema de pagamentos eletrônicos chinês (Unionpay), sendo o maior sistema com número de usuários no mundo, ultrapassando até Visa e Mastercard.
Com o início da Guerra na Ucrânia, foram impostas à Rússia diversas sanções, entre elas a expulsão da Rússia do SWIFT, com a China sendo a solução, pelo menos no curto prazo, para esse problema com o UnionPay.
Muitos analistas observam a expulsão da Rússia do SWIFT como uma péssima estratégia de longo prazo, forçando os russos a adotar o sistema chinês, aumentando ainda mais seu número de usuários e, consequentemente, criando uma alternativa para países que estão sob sanções dos EUA e Europa ou descontentes com o SWIFT por outros motivos.
Como será e quais objetivos terá esta "NOM"?
O mundo sempre passa por mudanças e nenhum império se mantém no poder para sempre.
A hegemonia americana vem caindo cada vez mais, enquanto países como a China e Índia crescem e aumentam sua influência pelo mundo.
No dia 30 de março de 2022 o vice-ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergey Ryabkov, deu uma entrevista à emissora RT onde disse que os BRICS serão o "pilar" de uma nova ordem mundial, liderada pela China e Rússia, mas com a participação de países emergentes.
Um sinal claro que indica que outros países estão olhando com bons olhos para o BRICS é o recente anuncio de que Árabia Saudita e Argentina demonstraram interesse em se tornarem membros plenos do bloco, de acordo com o Ministro Relações Exteriores da Federação Russa, Sergey Lavrov, em entrevista à RT Arabic.
Sergey Lavrov, Ministro Relações Exteriores da Federação Russa
Em 2021, o Egito passou a fazer parte do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), marcando um importante avanço no processo de expansão global dos BRICS, que já admitiu a entrada de Bangladesh, Emirados Árabes Unidos e Uruguai.
Com a possível adesão da Árabia Saudita ao bloco que será discutida na próxima Cúpula dos BRICS, a organização poderá passar a ter um representante no Oriente Médio.
Algumas informações podem passar despercebidas pelo público, mas como já indicado acima as intenções de alguns países, a questão geográfica é muito importante, com os BRICS marcando uma presença em quase todos os continentes e polos importantes do mundo, com o Brasil representando a Ámerica (talvez com Argentina no futuro), a Rússia representando o lado na Ásia-Central, Índia e China representam a Ásia e o Extremo-Oriente, e por último a África do Sul, com a influência na África.
O objetivo dessa mudança de poder seria para ampliar o direito internacional e no enfrentamento a sanções que são aplicadas por países ocidentais.
Com o início da invasão russa à Ucrânia, o Ocidente, em especial EUA e UE aplicaram diversas sanções em empresas russas e pessoas importantes normalmente ligadas ao governo de Putin, com a área energética sendo uma das poucas em que os Europeus não aplicaram sanções, como foi o caso da Alemanha, que depende muito das importações de gás russo para seus cidadãos.
O Nord Stream 2, ainda em construção, é um importante gasoduto que interliga a Rússia à Europa
Uma informação pouco relatada é que os países do BRICS são os maiores exportadores do mundo em praticamente todas as áreas de commodities, com a Rússia, África do Sul e Brasil exportando grãos, carnes, fertilizantes e matéria prima para quase todos países do mundo, garantindo o abastecimento global.
China e Índia são enormes exportadores de itens tecnológicos, mão de obra, medicamentos, etc.
O mundo multipolar é isso, todos países interligados entre si, gerando uma dependência mútua, pois tanto EUA, como China e Rússia dependem um dos outros para o mundo girar.
Fontes
TASS: TASS.com
Ipea: https://www.ipea.gov.br/forumbrics/pt-BR/conheca-os-brics.html
NDB: https://www.ndb.int/dpO
Livro "BRICS" de Oliver Stuenkel: https://www.oliverstuenkel.com/thematic/bric/
Texto de Kauê Saviano Fiuza*, 'estagiário' do GBN Defense e do Canal Militarizando
*Kauê Saviano Fiuza é estudante, passou a estudar assuntos militares com seus 12 anos, tendo foco em politica, geopolitica e militarismo mundial. Escreve com maior ênfase sobre as forças armadas brasileiras e sobre veiculos, tendo grande paixão por história e geografia.
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