sábado, 11 de dezembro de 2021

Como o Registro Aeronáutico Brasileiro se relaciona com o tema Segurança Operacional?


Para uma avaliação das atividades e funções do Registro Aeronáutico Brasileiro e sua relação com o tema Segurança Operacional cumpre uma avaliação abrangente que envolve e se confunde com o desenvolvimento da aviação civil mundial.

A necessidade de se utilizar o registro de aeronaves remonta à promulgação da Convenção de Chicago, tratado internacional, concluída em 07 de dezembro de 1944 e firmada pela República Federativa do Brasil em 29 de maio de 1945.

A Convenção de Chicago estabeleceu definições e regras acerca do espaço aéreo e sua utilização, do registro de aeronaves e da segurança de voo, bem como detalhou os direitos dos signatários com respeito ao transporte aéreo internacional, dentre outros assuntos importantes.

Ressalta-se que dentro do contexto interno do Brasil, o primeiro diploma legal que trata do assunto registro de aeronaves é o Decreto nº 16.983, de 22 de julho de 1925. O decreto aprovava o regulamento para os serviços civis de navegação aérea.

Para atingir um nível mínimo uniforme para a atividade aérea relativa à normatização, certificação e fiscalização, a Convenção de Chicago é complementada por 19 Anexos, que estabelecem normas e práticas recomendadas sobre os diversos assuntos que compõem a aviação civil.

Nem todos os anexos foram publicados à época da promulgação da Convenção. Por exemplo, a primeira edição do Anexo 19 que trata sobre o Gerenciamento de Segurança Operacional se deu em 25 de fevereiro de 2013. Dessa forma, compõem hoje o rol de Anexos à Convenção:

➢ Anexo 1 - Licenças de Pessoal

➢ Anexo 2 - Regras do Ar

➢ Anexo 3 - Serviço Meteorológico para a Navegação Aérea Internacional

➢ Anexo 4 - Cartas Aeronáuticas

➢ Anexo 5 - Unidades de Medida a Serem Usadas no Ar e em Operações Terrestres

➢ Anexo 6 - Operação de Aeronaves

➢ Anexo 7 - Nacionalidades de Aeronaves e Marcas de Registro

➢ Anexo 8 - Aeronavegabilidade de aeronaves

➢ Anexo 9 - Facilitação

➢ Anexo 10 - Telecomunicações Aeronáuticas

➢ Anexo 11 - Serviços de Tráfego Aéreo

➢ Anexo 12 - Busca e Salvamento

➢ Anexo 13 - Investigação de Acidentes e Incidentes Aéreos

➢ Anexo 14 - Aeródromos

➢ Anexo 15 - Serviços de Informação Aeronáutica

➢ Anexo 16 - Proteção Ambiental

➢ Anexo 17 - Segurança contra Atos de Interferência Ilícita

➢ Anexo 18 - Transporte Seguro de Mercadorias Perigosas por Via Aérea

➢ Anexo 19 - Gerenciamento da Segurança Operacional


Assim, o Anexo 7 à Convenção de Chicago trata do tema: Nacionalidade de Aeronaves e Marcas de Registro, afeto diretamente ao Registro Aeronáutico Brasileiro.

Dentro do escopo Gerenciamento da Segurança Operacional, a OACI define, em seu Anexo 19, os 8 elementos críticos para supervisão da Segurança Operacional, quais sejam:

➢ EC1 - Legislação Básica

➢ EC2 - Regulamentos Específicos

➢ EC3 - Organização do Sistema de Aviação Civil

➢ EC4 - Qualificação e Treinamento

➢ EC5 - Orientação Técnica

➢ EC6 - Licença, Certificação e Autorização

➢ EC7 - Obrigação de Vigilância Continuada

➢ EC8 - Resolução de problemas com Segurança Operacional


Os Elementos Críticos 1 a 5 corresponderiam às recomendações da OACI para organizar o papel do Estado como regulador, o Estado como Autoridade Administrativa Soberana.

Nessa toada, verifica-se que, com a internalização da Convenção de Chicago e a edição do Código Brasileiro de Aeronáutica, Lei nº 7.565/86, o Registro Aeronáutico Brasileiro se apresenta como um sistema que compõe a infraestrutura aeronáutica ou infraestrutura de aviação civil.

A Infraestrutura Aeronáutica, dentro do Código Brasileiro de Aeronáutica, é constituída pelos seguintes sistemas: (1) O Sistema Aeroportuário; (2) O Sistema de Proteção de Voo; (3) O Sistema de Segurança de Voo, (4) O Sistema do Registro Aeronáutico Brasileiro; (5) O Sistema de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos; (6) O Sistema de Facilitação, Segurança da Aviação Civil e Coordenação do Transporte Aéreo; (7) O Sistema de Formação e Adestramento de Pessoal; (8) O Sistema de Indústria Aeronáutica; (9) O Sistema dos Serviços Auxiliares e o Sistema de Coordenação da Infraestrutura Aeronáutica.

Nesse sentido, o Sistema do Registro Aeronáutico Brasileiro compõe o sistema de infraestrutura de aviação civil e com isso diretamente ligado ao Elemento Crítico 3 que se refere à Organização do Sistema de Aviação Civil, dentro do Anexo 19 sobre Gerenciamento de Segurança Operacional.

Apresentado esse panorama de composição legal e sistêmica da infraestrutura de aviação civil, passa-se à análise, em aspectos práticos, de quais funções e atividades do Registro Aeronáutico Brasileiro estariam ligadas ao tema de segurança operacional e quais os impactos em um sistema de gerenciamento de segurança operacional.

Cumpre ressaltar que o Registro Aeronáutico Brasileiro, conforme definido no Código Brasileiro de Aeronáutica, foi constituído como um cartório sui generis. Como tal, executa atividades de registros e averbações de títulos e documentos e obedece ao princípio da instância (ou rogação), consistente em norma de direito registral segundo a qual todo procedimento de registro público somente se inicia a pedido do interessado. Entretanto, sua atividade se separa das atividades de um cartório típico, quando além de executar o registro de títulos e documentos sobre aeronaves, compete a emissão dos Certificados de Matrícula e de Aeronavegabilidade para as aeronaves civis brasileiras.

Além disso, destaca-se que o Código Brasileiro de Aeronáutica também criou a figura do explorador da aeronave que não se confunde com a propriedade, motivo pelo qual o Registro Aeronáutico Brasileiro também realiza a inscrição de atos ou contratos de exploração ou utilização de aeronaves.

Em breve síntese, compete ao Registro Aeronáutico Brasileiro indicar quem é o responsável pela exploração (operação) da aeronave para fins de garantia de responsabilidade civil, bem como emitir o certificado de aeronavegabilidade que está vinculado à aprovação de requisitos técnicos da aeronave, quais sejam, referentes à aeronavegabilidade para navegação aérea ou referentes aos requisitos técnicos para determinado tipo de operação aérea (requisitos para serviços aéreos privados ou requisitos para serviço de transporte aéreo regular).

Com isso, o papel do Registro Aeronáutico Brasileiro, como integrante do sistema de aviação civil, colabora diretamente para a manutenção de um programa de gerenciamento da segurança operacional, uma vez que ao definir quem é operador responsável pela operação da aeronave, bem como quais os requisitos técnicos operacionais são cumpridos por determinada aeronave (vinculados a sua categoria de registro), o RAB fornece os dados para análise crítica e subsídios para a toma de decisão no estabelecimento de defesas que assegurem o alcance dos níveis de segurança operacional requeridos dentro de um Programa de Segurança Operacional (PSO).

Mais explicitamente, os dados internos do Registro Aeronáutico Brasileiro, bem como outros dados internos dentro da infraestrutura de aviação civil da ANAC, acrescidos dos dados externos referentes aos eventos de operação aérea, são a base para uma análise de risco que deve ser realizada para garantir o Nível Aceitável Da Segurança Operacional (NADSO).

Olhando para o cenário mundial de um mercado que gera 63,5 milhões de empregos diretos e indiretos, contribui com mais de 2,7 trilhões de dólares de impacto econômico global e transporta mais de 3,5 bilhões de passageiros anualmente, a segurança deve ser a primeira e principal prioridade (dados extraídos da apresentação feita pelo Diretor da Air Transport Bureau ao Conselho da OACI em junho de 2016). Fundamental para o correto gerenciamento da segurança operacional, que exista a garantia de qualidade e confiabilidade de seus dados técnicos para a tomada de decisão, dentre eles os dados internos constantes do Registro Aeronáutico Brasileiro.

Com a previsão de uma possível duplicação do tráfego aéreo nos próximos 15 anos, o desenvolvimento de novas tecnologias como RPAs e evtol, torna-se de suma importância o desenvolvimento de um registro de aeronaves mais célere e totalmente digital, questão atualmente endereçada no desenvolvimento do sistema de registro digital - RAB Digital, sistema abarcado dentro do Programa Voo Simples, como iniciativa da Agência Nacional de Aviação Civil em conjunto com o Ministério da Infraestrutura e com o Governo Federal.

Com o desenvolvimento do sistema RAB Digital, haverá maior higidez na base de dados, o que incrementará a segurança dentro de um sistema de gerenciamento de segurança operacional. Dentro das diretrizes de segurança operacional estabelecidas dentro do Programa de Segurança Operacional Específico da ANAC (PSOE-ANAC), os dados internos do Registro Aeronáutico Brasileiro servem de base para atender à garantia de arcabouço regulatório requerido para o exercício da regulação e da fiscalização da segurança operacional, bem como à priorização para a alocação de recursos para o gerenciamento dos riscos à segurança operacional identificados pela ANAC.

Tais atributos regulatórios e de priorização são avaliados e com suas respectivas medidas de controle definidas, após uma avaliação do risco que é realizada sob a ótica conjunta de dados internos e externos.

Os dados do Registro Aeronáutico Brasileiro também entram como dados externos ao Programa de Segurança Operacional Específico do Comando da Aeronáutica (PSOE-COMAER), pois os dados técnicos da aeronave são importantes para a avaliação e gerenciamento de risco inerentes à navegação aérea.

Dessa forma, conclui-se que as atividades realizadas pelo Registro Aeronáutico Brasileiro com o fornecimento de dados com garantia de confiabilidade e segurança das informações tanto de operadores aéreos, quanto de aeronaves, são fundamentais e colaboram diretamente para o gerenciamento dos riscos à segurança operacional, de forma a garantir a manutenção dos padrões de segurança na aviação civil brasileira.

O presente estudo entre o relacionamento do tema segurança operacional e o Registro Aeronáutico Brasileiro não pretende esgotar todos os aspectos técnicos e jurídicos aplicáveis, abordando o assunto sob uma perspectiva inicial e macro sistêmica.


* Por Luciana Ferreira Vieira

* Luciana Ferreira Vieira é Gerente Técnica do Registro Aeronáutico Brasileiro na Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) desde 2014. Membro da Comissão de Experts da Autoridade Supervisora do Registro Internacional - CESAIR desde 2013, junto à ICAO (International Civil Aviation Organization). Membro SIPAER (Sistema de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos) desde 2018. Mestre em Eletromagnetismo Aplicado pela PUC-RIO em 2004 e graduada em Engenharia de Telecomunicações também pela PUC-RIO em 2001.Ingressou como servidora pública na Agência Nacional de Aviação Civil em 2010, atuando desde então no Registro Aeronáutico Brasileiro.

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