domingo, 14 de novembro de 2021

SARP - O Brasil e os desafios do século XXI


O futuro do campo de batalha esta caminhando a passos largos para uma nova dimensão, onde as guerras do futuro serão protagonizadas cada vez mais pela presença de novos ativos, os quais deverão substituir em muitas missões a atuação humana. Estamos caminhando um cenário onde a presença humana tende a ser cada vez mais virtual, e em alguns aspectos, nem mesmo terá sua atuação com o avanço da tecnologia de Inteligência Artificial.

Seguindo as tendências tecnológicas no campo de defesa, onde os avanços não se limitam a automação e comando remoto, mas ao desenvolvimento e ensaios do emprego de inteligência artificial, assim como investimentos generosos em novos conceitos robóticos. Outro cenário que começa a se destacar, é o reaquecimento da corrida espacial, agora não só com as grandes potências retomando a busca pela capacidade de atuar e controlar a dimensão espacial, mas a exploração do espaço pela iniciativa privada.

O novo cenário que surge no horizonte próximo, apresenta uma série de desafios e uma complexidade nunca antes experimentada pela humanidade, onde os atores deixam de ser estritamente estatais, passando a ser compostos por diversos elementos, os quais podem ser classificados em diversas categorias, principalmente por termos descortinado novas dimensões de conflitabilidade, onde nem sempre é necessário um míssil de cruzeiro, ou mesmo um carro bomba para desencadear um conflito, considerando hoje a ameaça cibernética uma realidade com grande capacidade de impacto contra objetivos chave, os quais vão desde ativos, como usinas elétricas ou infraestruturas, até o mercado financeiro e segredos industriais ou estratégicos.


A guerra moderna tem absorvido novas e importantes capacidades, como novos ativos de emprego no campo informacional, sendo este um dos mais utilizados hoje, com as redes sociais conquistando um papel chave nos conflitos comerciais e mesmo políticos. Neste novo cenário, atores outrora coadjuvantes, ganharam espaço e certo protagonismo em alguns aspectos, como é o caso do crime organizado transnacional.

Apesar de termos assistido mais de uma década de combate ao terrorismo, com a propalada "Guerra ao Terror", não houve de fato uma redução na estrutura das organizações terroristas, pois estas ainda mantém uma forte presença e domínio em diversas regiões do planeta, vide a retomada do poder no Afeganistão. 


As ações terroristas e seus ataques midiáticos (Ataques que visam ganhar manchetes ao redor do mundo e implantar o medo) podem retornar a qualquer momento e em qualquer lugar do mundo, sendo a Europa o mais provável alvo de uma nova "Jihad", onde classifico o terrorismo como ainda sendo uma ameaça real e que requer uma nova dimensão de resposta, afinal os grupos terroristas se aproveitaram da fragilidade da Europa frente a grande entrada de refugiados oriundos de países árabes, para implantar ativos e criar novas estruturas no coração do ocidente. 

Todo esse novo e complexo cenário demanda uma nova capacidade de resposta, que resulta em sistemas e materiais de emprego militar cada vez mais sofisticados com alto valor agregado, além da gradativa substituição de tarefas antes desempenhadas por humanos, mas com forte probabilidade de serem realizadas por meios robóticos remotamente pilotados de um local fora da zona de interesse, capazes de realizar o monitoramento em tempo real, interceptar informações, identificar e atacar objetivos estratégicos.


Recentemente, o conflito entre o Azerbaijão e a Armênia, serviu como exemplo da importância e a efetividade do emprego de sistemas remotamente pilotados (SARP), onde obtiveram destaque pelo relevante resultado de seu emprego no sucesso das operações desencadeadas naquele conflito, sendo um dos fatores que levaram a bem sucedida campanha militar Azeri, atraindo os olhares do mundo e firmando o SARP como uma nova e eficiente ameaça no campo de batalha do século XXI.

O SARP deixou efetivamente de ser um mero meio de coleta de inteligência e observação, assim como ocorreu com as aeronaves pilotadas nos primórdios da aviação, para se tornar efetivamente uma arma de múltiplo emprego e alta efetividade contra objetivos estratégicos. Outrora apenas um conceito, que após sua bem sucedida atuação na campanha do Azerbaijão contra a Armênia, confirmou não apenas a validade do conceito, mas sua plena efetividade e capacidade de atingir objetivos quase que impunemente e a um custo muito reduzido se comparado a vários meios sofisticados e mais complexos até então utilizados, como é o caso de aeronaves com tecnologia stealth.


A possibilidade de cumprir várias tarefas e atingir vários objetivos no campo estratégico, operacional e tático, torna o SARP um importante ativo as modernas forças armadas, representando ganho em capacidade, aliada ao baixo custo de aquisição e operação. Dentre as missões podemos elencar:

- Coleta de Inteligência: monitoramento e coleta de dados (ELINT/SIGINT) por um longo período da zona de interesse, transmissão de dados em tempo real, baixo custo operacional e não exposição de pilotos a ameaça antiaérea.

- Reconhecimento / Vigilância: Monitorar e controlar uma vasta zona de interesse, identificando possíveis ameaças e atividades ilícitas, coordenando ações de resposta em tempo real por link de dados (O Brasil emprega um sistema Hermes 900 da israelense Elbit para monitorar atividades ilícitas na região amazônica e pantaneira, combatendo extração ilegal de minério, desmatamento e demais ilícitos).

- Aquisição de Alvo: O SARP também pode ser empregado para aquisição de alvos e solução de tiro, onde pode atuar com a Artilharia realizando a correção dos tiros de obuses e morteiros, sinalização de alvos com laser para ataques de precisão, iluminação de alvos para ataques com mísseis, dentre outros.

- Esclarecimento Naval / ASW / ASuW: O SARP pode ser uma importante solução para esquadra, sendo capaz de se manter em voo por um longo período e muito a frente do Grupo Tarefa (GT), possibilitando ao mesmo identificar ameaças além do alcance de seus sensores e sistemas embarcados nos navios que compõe o GT, dando uma maior consciência situacional e ampliando a capacidade de resposta. Além de ser possível implementar capacidade de guerra antissubmarina e superfície.

- Ataque / Apoio Aproximado: O SARP também se mostra uma solução efetiva contra instalações e tropas no terreno, conforme demonstrou no conflito entre o Azerbaijão e a Armênia. Sendo capaz de empregar mísseis ou bombas guiadas, além de ser capaz de atuar no modo "Camicaze", onde o próprio SARP atua como armamento.

- Defesa Aérea / Superioridade Aérea: Países como EUA e Rússia, tem trabalhado no desenvolvimento da capacidade de combate aéreo com plataformas SARP, buscando uma solução efetiva para substituição futura de aeronaves pilotadas por humanos, o que reduz não apenas o custo operacional, como também o impacto negativo gerado pela perda ou captura de seus pilotos pelo inimigo.

Essas são apenas algumas das possibilidades de emprego, não esquecendo a capacidade de prover REVO a outras aeronaves, conforme tem sido desenvolvido pelos EUA. 


O SARP se apresenta como uma solução a diversas necessidades do campo de batalha moderno, sendo uma tecnologia em franco desenvolvimento e que tem exibido um avanço acelerado em suas capacidades, com vários estudos para ampliar as possibilidades de emprego, com alguns estudos viabilizando o emprego de motores movidos a energia solar e hidrogênio, o que irá conferir maior autonomia e possibilidade de maior permanência em voo, sendo capaz de manter a Aeronave Remotamente Pilotada (ARP) "On-Station" por muitas horas sem a interferência humana, o que representa ganho em tempo de resposta, uma vez que basta assumir o comando de uma das diversas ARPs que estão "On-Station" na zona de interesse, como é a doutrina norte americana, que mantém centenas de ARPs no ar em diversas zonas de interesse ao redor do mundo, bastando apenas um click para que a mesma seja acionada por um piloto remoto.


O Brasil ainda esta muito distante no que diz respeito ao emprego de Sistemas Aéreos Remotamente Pilotados (SARP), algo que precisa ser revisto, apesar de compreendermos que o "cobertor orçamentário" destinado as aquisições de meios para as três forças, esta muito curto e aquém de nossas necessidades reais e imediatas, resultando em recorrentes cortes orçamentários que impactam importantes programas de defesa, como ocorreu com o "KC-390", que sofreu uma significativa redução no número de aeronaves que deverão ser produzidas para Força Aérea Brasileira, ou ainda, a falta de recursos para a aquisição de novos exemplares do submarino Classe Riachuelo (S-BR). 

É preciso que o governo brasileiro olhe com atenção o cenário que se desenvolve ao nosso redor, e mude a visão estratégica de defesa que atualmente se pauta pelo cenário regional imediato, passando a observar o tabuleiro como um todo, tendo em mente a importância estratégica que nossos recursos naturais representam hoje no mundo.

Vale ressaltar que os principais atores geopolíticos globais, tem investimento contínuo em Defesa, e esse investimento não retorna apenas em forma de capacidade militar, mas em ganho científico, industrial, econômico e social. Logo podemos concluir que investir em defesa se faz extremamente necessário para desenvolver não apenas nossas capacidades de defesa, mas nossa economia e a sociedade como um todo.


Enquanto aqui contamos moedas para aquisição de novos meios e praticamente ignoramos as necessidades de investimentos robustos em soluções como o SARP, outros países já o empregam massivamente na área militar e também fomentam sua economia com recursos oriundos da exportação destes meios a uma extensa carteira internacional de clientes, como tem feito EUA, Israel, China, Rússia e Turquia.

Os EUA ao lado de Israel, é um dos maiores operadores de SARP no mundo, sendo um dos pioneiros, tanto no emprego como ativo de coleta de informações, como também para ataque contra alvos estratégicos. Israel é um dos maiores desenvolvedores de solução baseadas em plataformas SARP, operando um grande leque de sistemas que oferecem uma vasta gama de capacidades a IDF, além de ser o maior fornecedor deste tipo de sistema no mundo, dominando plenamente a tecnologia, com grande experiência no emprego real destes meios nos mais variados cenários de conflitos nos quais atuou desde sua concepção. A Turquia apesar de ter pouco reconhecimento mundial pelos seus sistemas nativos, é um dos grandes desenvolvedores de SARP, com alguns de seus sistemas sendo protagonistas de diversos ataques bem sucedidos no conflito Azerbaijão x Armênia e também na Líbia. A China tem desenvolvido a capacidade de lançar mísseis BVR contra alvos marítimos detectados e rastreados por drones, tendo como plataforma de lançamento helicópteros de ataque Z-19 efetuando o disparo fora do alcance de seus sensores e radares.


No Brasil, as Forças Armadas estão atentas e cientes das possibilidades de emprego do SARP, bem como o que representa essa nova ameaça no campo de batalha. Existem vários estudos em andamento sobre o emprego de plataformas SARP armadas, bem como responder a essa nova ameaça, o que leva a necessidade obter respostas a uma série de questões, seja pelo Exército Brasileiro, como pela Marinha do Brasil e mesmo a Força Aérea Brasileira. Não se trata de simplesmente realizar a aquisição de um novo meio, mas a implantação de uma nova doutrina, e essa nova doutrina demandará uma readequação a toda estrutura que existe hoje. 

A aquisição do SARP representa um ganho exponencial em capacidade de obtenção de inteligência, capacidade de ataque e defesa, dentre outras. Cabe aqui mais uma vez lembrar a importância que o SARP teve nas "Operações Verde Brasil II" e "Operação Samaúma", nesta última decolando da "Serra do Cachimbo", porém, sendo controlado a milhares de quilômetros em Brasilia, onde eram obtidas imagens em tempo real de atividades ilícitas que eram prontamente direcionadas as equipes de resposta em terra, resultando na prisão e fechamento de vários garimpos e zonas de desmatamento ilegais.


A implantação do SARP em nossas Forças Armadas se faz uma necessidade imediata, porém, esbarra em uma série de gargalos, como todos nossos programas de defesa, e acaba também impactando direta ou indiretamente na definição de outros programas. Como é o caso do sistema de defesa aéreo a ser adquirido pelo Exército Brasileiro. Afinal,  Qual deverá ser a forma mais eficiente e eficaz de se realizar a defesa contra ameaça representada pelo SARP? Será suficiente somente a utilização de mísseis e canhões de baixa e média altura? Haverá a necessidade da obtenção de armamentos, como armamento de alta capacidade de energia dirigida laser? Armamentos que gerem ondas eletromagnéticas e que derrubem a ameaça são realmente eficazes? A discussão é necessária e importante para os Centros de Doutrina, na medida em que as três Forças  precisarão discutir e decidir sobre materiais e doutrina para esse novo enfrentamento no combate moderno.

O Brasil tem plena capacidade de desenvolver soluções próprias, porém, se faz necessária a aquisição de meios já testados e capazes de cumprir um variado leque de missões, com estas aquisições vislumbrando a participação ativa do corpo técnico e engenheiros da Base Industrial de Defesa brasileira, bem como se estabelecer um centro de aquisição, manutenção e adestramento comum as três forças, estreitando as capacidades de interoperabilidade e otimizando os recursos.

O novo século nos trás desafios, ameaças já se mostram no horizonte, porém, não podemos esperar que estas se façam reais, é preciso responder agora as necessidades e investir no futuro de nossa nação, nos garantindo a capacidade de defender nossa soberania frente aos interesses de qualquer um que ouse tentar contra nossa nação.


por: Angelo Nicolaci


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