Israel é um país que vive tendo problemas em sua vizinhança, e ao longo do tempo aprendeu a fazer excelentes armas, como a família de mísseis Rafael Spike.
HISTÓRIA
Um dia depois que sua independência foi chancelada pela ONU em 1948, numa sessão presidida pelo chanceler brasileiro Oswaldo Aranha Bandeira de Melo (que até hoje é querido em Israel), estourou a Guerra da Independência, que durou quase um ano.
Depois disso, além das grandes guerras em 1956 (Guerra de Suez), 1967 (Guerra dos Seis Dias) e 1973 (Guerra do Yom Kippur), Israel teve ainda outras, como a prolongada Primeira Guerra do Líbano (1982-2000), a curta mas bastante intensa Segunda Guerra do Líbano (2006), várias batalhas contra o Hamas na Faixa de Gaza (2008, 2009, 2014, 2016, 2021), várias outras operações menores, e ações ousadas como a Operação Ópera, em que a IAF ¹ neutralizou o reator nuclear de Osirak, nos arredores de Bagdá, onde Saddam Hussein preparava material para armas nucleares - as IDF ² têm estado em operações reais quase que continuamente nas últimas sete décadas.
As ações militares de Israel acabaram por resultar em frequentes embargos internacionais, inclusive à venda de armas, o que levou o país a desenvolver uma das mais avançadas indústrias bélicas do mundo.
Uma das famílias de produtos mais populares, com vários milhares sendo vendidos a dezenas de países, e que já viu extenso uso em combates reais, com excelentes resultados, é a Spike, composta por diversas PGM ³, disponíveis em várias versões e que podem ser disparadas de plataformas em terra, ar ou mar.
A família Spike usa tecnologias de guiagem EO ⁴/ IIR ⁵, que podem ser complementadas por sistemas laser, GNSS ⁶ e FOG ⁷. Estão disponíveis em muitas variantes, com dimensões e pesos variados, mas com vários componentes em comum, o que simplificou o desenvolvimento e facilita o treinamento dos operadores.
EPIK (Electro-Optical Precision Integration Kit)
Cabeça de guiagem EPIK instalada em um foguete
O EPIK é um kit, disponível em versões para foguetes de artilharia 'burros' (não guiados) de 122, 160 e 227 mm, transformando-os em PGM. [1] Embora nenhum destes calibres faça parte do sistema ASTROS ⁸ do EB ⁹, a Rafael é conhecida por 'personalizar' seus sistemas às demandas dos clientes, então seria mais uma questão de o EB se decidir por tal capacidade.
Além do sensor EO, que lhe permite atingir alvos pré-programados na base de dados do sistema, também pode ser usado com guiagem a laser, o que lhe permite inclusive atingir alvos móveis. Pesando apenas 6 kg, o sistema permite um CEP ¹⁰ de 3 m. [1]
Além do aumento de precisão, o uso do sistema permite aumentar o alcance dos foguetes em até 50%. [1] Com isto, os alcances máximos dos foguetes do ASTROS passariam dos atuais 40 km (SS-40), 60 km (SS-60) e 90 km (SS-90) para 60, 90 e 135 km, respectivamente, além de um aumento significativo da precisão dos mesmos.
Spike Firefly
O Spike Firefly é bastante compacto
A Spike Firefly é uma arma da categoria 'loitering munition', um termo sem tradução exata para o português, mas que significa algo como 'munição de voo persistente', pois pode permanecer por um bom tempo sobre o campo de batalha, aguardando um alvo para atacar. Outro nome comum é 'drone kamikaze', pois além das funções regulares de um drone ¹¹ (observação e em alguns casos a designação de alvos), as loitering munitions ainda são mísseis.
Pequeno e compacto, o Spike Firefly é transportado num kit com 3 munições, unidade de comando (que parece um iPad) e baterias extras; o peso total é de 15 kg [2]. Cada míssil leva uma ogiva de aproximadamente 350 g [3], e com um alcance máximo de até 1.500 m, inclusive acima ou ao redor de obstáculos como montanhas e edificações, aumentando significativamente a eficiência da Infantaria, especialmente em terrenos complexos como cidades e selvas. [2]
Spike SR
O Spike SR pode ser facilmente carregado por um soldado a pé
O Spike SR é outra opção interessante para a Infantaria, podendo ser bastante letal para alvos fixos, como casamatas, ou móveis, como carros de combate, inclusive em cenários urbanos. Apesar do alcance relativamente curto (50 a 2.000 m), o sistema é bastante compacto e leve, pesando apenas 10 kg, o que lhe permite ser carregado facilmente por soldados a pé, inclusive em ambientes difíceis como cidades. [4]
É um míssil do tipo 'dispare e esqueça', que depois do lançamento não requer atualizações do operador., permitindo que fuja do local imediatamente após o disparo. O tubo de lançamento é descartável, e o curto tempo de preparo do míssil, de apenas 6 segundos após ligar, torna o Spike SR uma opção ideal para emboscadas. [4]
Spike LR
Apesar de relativamente pequeno e leve, o Spike LR II tem um alcance considerável, de até 5,5 km a partir de lançadores em superfície
O Spike LR, atualmente na versão LR II, é a arma mais popular da família Spike, com mais de 27 mil unidades vendidas a quase 30 países. Disponível em versões anticarro e anti-estrutura (que também pode ser usada contra embarcações), o Spike LR já foi extensivamente utilizado em combate, com excelentes resultados. O Spike LR II pode ser controlado a partir de FOG (lançadores em terra) ou de links de rádio (lançadores aéreos). [5]
O míssil em si pesa em torno de 13 kg, com o conjunto completo para lançamento a partir do solo sendo de aproximadamente 26 kg. Apesar de não ser tão leve como o SR, ainda pode ser levado por soldados a pé, mas no caso são necessárias equipes de 2 a 3 soldados. [5; 6]
Seu alcance pode chegar a 5,5 km (disparo a partir da superfície) ou 10 km (disparos a partir de aeronaves), e há versões disponíveis para uso por soldados a pé, a partir de veículos (blindados ou não) [5; 6]. Além de capacidades como AI ¹² para facilitar o reconhecimento de alvos, o Spike LR II pode também usar os modos 'fire and update' ¹³ e 'man in the loop' ¹⁴, tornando-o ideal para cenários complexos como aqueles em que o risco de danos colaterais é elevado. Também tem versões para uso em RWS ¹⁵. [5; 6]
Spike ER
O Spike ER II é um míssil com alcance considerável
O Spike ER II é ainda maior, mais pesado e com maior alcance quando comparado ao LR II, com o míssil em si pesando cerca de 34 kg e seu alcance é de até 10 km (lançado a partir da superfície) ou 16 km (lançado a partir de aeronaves). [7]
Sendo bem maior que as demais versões, o ER é muito menos móvel, com o kit completo para disparo a partir do solo sendo de aproximadamente 92 kg [8], mas o alcance muito superior compensa isto.
Além das versões disparadas a partir de tripé ou de RWS (em que seu grande alcance o torna uma opção muito mais adequada em certos cenários que as demais versões), também está disponível para uso a partir de navios ou helicópteros, sendo que esta versatilidade chamou a atenção de várias Marinhas ao redor do mundo, pois o Sea Venom, míssil da MBDA que ainda está em desenvolvimento, só tem a versão lançada a partir de helicópteros no momento, e esta variante só pode ser utilizada contra navios, sendo que o Spike ER já pode ser usado contra alvos fixos e móveis em terra ou mar. [7; 8; 9; 10]
Spike NLOS
O Spike NLOS é um míssil versátil que pode ser lançado de veículos em terra, mar e ar
O Spike NLOS, originalmente chamado de Tamuz, foi desenvolvido como um FOG com guiagem EO a partir das experiências de combate na Guerra do Yom Kippur de 1973. Está disponível em versões lançadas a partir de aeronaves, veículos em terra e embarcações, sendo adotado pela Inglaterra com o nome de Exactor. [11; 12; 13; 14]
O Spike NLOS pesa em torno de 74 kg, com o seu alcance podendo chegar aos 32 km, com guiagem via link de rádio.
É uma arma muito poderosa e versátil, apresentando excelentes resultados em conflitos, tanto nas mãos de Israel como do Azerbaijão, no recente conflito contra a Armênia. [11; 12; 13; 15]
CONCLUSÃO
A família Spike inclui diversos sistemas, que podem atender muito bem às necessidades não só do EB, mas também da MB ¹⁶ e da FAB ¹⁷.
Os mísseis desta família foram amplamente usados em combates reais, com excelentes resultados, e ajudariam nossas valorosas Forças Armadas no cumprimento da sua missão essencial, a garantiria da soberania do Brasil mesmo em situações difíceis.
Torcemos para que tais capacidades nunca sejam realmente necessárias, mas fazemos nossas as palavras do grande Ruy Barbosa:
O Exército pode passar cem anos sem ser usado, mas não pode passar um minuto sem estar preparado.
REFERÊNCIAS
Siglas, abreviaturas, termos
¹ IAF – Força Aérea Israelense
² IDF – Forças de Defesa de Israel, que englobam a Força Aérea (IAF ou IDFAF), Exército e Marinha
³ PGM – armas guiadas de precisão, popularmente conhecidas como 'armas inteligentes'
⁴ EO – eletro-ótica, que compreende sistemas como TV e TV de baixa luminosidade
⁵ IIR – imagens por infra-vermelho, que distinguem a 'assinatura' de calor do alvo), que podem ser complementadas por sistemas laser,
⁶ GNSS – sistema global de navegação por satélite, como o GPS americano, GLONASS russo e BeiDou chinês
⁷ FOG – guiagem por fibra ótica
⁸ ASTROS – Sistema de Artilharia de Saturação por Foguetes
⁹ EB – Exército Brasileiro
¹⁰ CEP – erro circular provável, uma forma padronizada de medir a precisão de um sistema de armas ou de navegação
¹¹ Drone – nome comum para aeronaves remotamente pilotadas, conhecidas pelas siglas VANT e ARP (português) ou UAV e RPA (inglês)
¹² AI – Inteligência artificial
¹³ 'fire and update' – dispare e atualize, modo de guiagem em que o operador pode refinar a pontaria do míssil ou até mesmo designar um alvo diferente após o disparo
¹⁴ 'man in the loop' – homem no controle, modo de guiagem em que o operador permanece no controle do míssil até o impacto
¹⁵ RWS – estação remota de armas, uma torre controlada remotamente para controle e disparo de armas. É um sistema que vem ganhando popularidade para uso em blindados
¹⁶ MB – Marinha do Brasil
¹⁷ FAB – Força Aérea Brasileira
*Renato Henrique Marçal de Oliveira é químico e trabalha na Embrapa com pesquisas sobre gases de efeito estufa. Entusiasta e estudioso de assuntos militares desde os 10 anos de idade, escreve principalmente sobre armas leves, aviação militar e as IDF (Forças de Defesa de Israel)
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