A incapacidade da OTAN de dissuadir a Rússia - e não a falta de reformas - é a principal razão pela qual a Ucrânia continua incapaz de aderir à Aliança.
Presidente ucraniano Volodymyr Zelensky e Secretário-Geral da OTAN, Jens Stoltenberg, em Bruxelas, 2019
Na Conferência da OTAN em Junho, o Presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, apelou ao Presidente dos EUA, Joe Biden, para dar uma resposta clara - "sim" ou "não" - ao pedido do seu país de um Plano de Acção para a Adesão (MAP), o caminho formal para se tornar membro da organização. Zelensky acrescentou que a Ucrânia está mais pronta do que a maioria dos países da UE para ingressar na OTAN.
O presidente Biden respondeu que ainda há dúvidas sobre se a Ucrânia havia feito progresso suficiente na erradicação da corrupção e no cumprimento de outros critérios para entrar na Aliança. Além disso, afirmou que a questão dependia não só dele, mas também dos outros Aliados.
No entanto, é um mal-entendido comum que a incapacidade da Ucrânia de aderir à Aliança se deve principalmente ao progresso da reforma interna. A verdadeira razão é geopolítica: a saber, a OTAN não pode convidar novos membros que não pode defender.
Quando o presidente Zelensky visitar a Casa Branca em 30 de agosto, o presidente Biden precisa dizer a ele, no privado, o que não pode dizer publicamente - que a Ucrânia deve parar de pressionar por um MAP, porque a superioridade militar da Rússia na região impede que isso aconteça.
Defesa e dissuasão
O debate sobre a expansão para o Leste remonta à Conferência de Bucareste em 2008, quando a OTAN prometeu que a Ucrânia (assim como a Geórgia) se tornaria membro, sem especificar quando e em que circunstâncias isso poderia acontecer.
A agressão da Rússia contra a Geórgia no final de 2008 e contra a Ucrânia desde 2014 reduziu severamente as ambições de expansão da OTAN.
Em nenhum momento durante a agressão regional da Rússia a OTAN mostrou disposição para intervir militarmente.
No início deste ano, a Rússia estacionou cerca de 100.000 soldados na fronteira com a Ucrânia em uma aparente tentativa de sufocar as esperanças renovadas em Kiev sobre a entrada em um MAP após a eleição do presidente Biden.
A credibilidade da OTAN depende da sua capacidade de defender os seus membros contra agressões externas, conforme consagrado na obrigação de defesa mútua do Artigo 5 do Tratado do Atlântico Norte. A OTAN deve apoiar a adesão de um novo membro nas fronteiras da Rússia através de uma dissuasão confiável e sólida, caso contrário Moscou será tentada a testar a determinação e capacidade da Aliança de reagir a uma crise.
A mera adesão não deterá a Rússia, já que esta pode tentar expor qualquer expansão como um blefe e, portanto, minar a credibilidade da Aliança. A verdadeira questão quanto às aspirações de adesão da Ucrânia, portanto, é se os Aliados da OTAN estão dispostos e são capazes de investir no imenso esforço necessário para tornar a defesa coletiva crível.
O aumento da defesa e dissuasão convencionais da OTAN na Polônia e nos Estados Bálticos desde 2014 serve como critério de comparação para o que seria necessário para defender a Ucrânia.
A OTAN criou grupos de batalha multinacionais rotativos como garantia e duplicou o tamanho e a capacidade de reação da Força de Resposta da OTAN. Separadamente, como parte de sua bilionária Iniciativa de Dissuasão Européia, os EUA posicionaram equipamentos na Polônia e conduziram exercícios militares em grande escala, que constituem a espinha dorsal do esforço mais amplo para deter a agressão russa na fronteira oriental da OTAN.
Apesar desse esforço, jogos de guerra concluíram que a Rússia provavelmente seria capaz de invadir os Estados Bálticos em questão de dias, a menos que a OTAN implemente uma capacidade de defesa mais substancial.
Se a OTAN concedesse um MAP à Ucrânia, teria de começar a preparar um esforço de dissuasão sem precedentes contra a Rússia. Supondo que a OTAN e a Ucrânia pudessem encontrar um modus vivendi na Crimeia e na parte do Donbass sob controle russo, a Aliança enfrentaria a tarefa irreal de enviar a imensa força militar necessária para defender um país do tamanho da Ucrânia.
Isso certamente teria de envolver forças permanentes, o que contradiz o Ato de Fundação OTAN-Rússia de 1997, anterior ao primeiro alargamento, cujo espírito a Aliança pretende manter. As dúvidas sobre a defesa das atuais fronteiras da OTAN servem para minar qualquer justificativa para estender as garantias de segurança mais para o leste. Além disso, as tropas da OTAN teriam que ser retreinadas e reestruturadas para conter as operações da "zona cinzenta" das quais a Rússia dependia na Ucrânia em 2014.
Falta de reformas
Nos últimos 13 anos, os legisladores continuaram a enfatizar a falta de reformas da Ucrânia como a razão de sua incapacidade de ingressar na Aliança.
É bem verdade que a Ucrânia não cumpriu o tipo de transição que definiu como suas metas após 2014 e em que os países ocidentais investiram pesadamente.
Como o presidente Biden corretamente observou, a luta da Ucrânia contra a corrupção tem sido particularmente decepcionante. Nos últimos anos, a UE, os EUA e o FMI investiram em infraestrutura jurídica especializada para combater a corrupção no mais alto nível do poder estatal. No entanto, o enfraquecimento sistemático dessa infraestrutura tem impedido que qualquer pessoa de alto escalão chegue perto de uma condenação.
A incapacidade da Ucrânia em realizar reformas positivas também está diretamente relacionada com os negócios da OTAN.
Por um lado, a Ucrânia deve ser elogiada por ter desenvolvido uma capacidade de combate para conter o separatismo instigado pela Rússia no Donbass desde 2014.
Por outro lado, o país tem um histórico muito menos impressionante de implementação de padrões euro-atlânticos na governança do seu setor de segurança. Isso inclui o fortalecimento do papel do Ministério da Defesa na gestão cotidiana das forças armadas (e a diminuição do papel da administração presidencial), a adoção de uma estrutura de comando e controle ao estilo da OTAN e a redução dos amplos poderes do Serviço de Segurança da Ucrânia, de acordo com as normas dos serviços de inteligência ocidentais.
As reformas internas da Ucrânia são uma parte importante para demonstrar seu desejo de apoiar os Aliados da OTAN. Se a Ucrânia pudesse mostrar um progresso convincente na luta contra a corrupção e na reforma do setor de segurança, a OTAN estaria mais prontamente convencida de que o país faz parte do Ocidente, e não apenas em palavras.
No fim das contas, porém, é principalmente o enfraquecimento da capacidade de dissuasão da OTAN, e não a falta de reformas, que impede a Aliança de abraçar a Ucrânia. A OTAN jamais poderia admitir isso, porque significaria ceder publicamente aos métodos de intimidação da Rússia.
Aspirações distantes
Em sua reunião na Casa Branca em 30 de agosto, o presidente Biden terá muito o que discutir com o presidente Zelensky, incluindo sua decisão de retirar as sanções relacionadas à construção do Nord Stream II, já que a Ucrânia é o país mais importante no confronto entre a Rússia e o Ocidente, e aquele em que a OTAN e os EUA têm um interesse inequívoco em manter como um parceiro próximo.
Enquanto a realidade geopolítica permanecer como está, a adesão à OTAN continuará a ser uma aspiração distante para a Ucrânia.
A desastrosa retirada do Afeganistão levará a OTAN a se concentrar em salvaguardar a credibilidade do Artigo 5, especialmente no futuro próximo. Biden deve deixar claro que a Ucrânia enfrenta enormes desafios no combate à corrupção e que isso continua a ser uma parte vital das aspirações do país de se tornar um Estado mais responsável e próspero.
Biden também precisa ser honesto sobre o fato de que as chances de adesão da Ucrânia dependem principalmente das realidades militares regionais. Ele deveria apelar em particular a Zelensky e seu governo para que não continuem a pedir um MAP, porque isso coloca os EUA e a OTAN em uma posição desconfortável e pode forçá-los a declarar publicamente o verdadeiro motivo pelo qual isso não pode acontecer.
O melhor que a OTAN e os EUA podem realisticamente oferecer contra a agressão externa é financiamento, aconselhamento e treinamento contínuos para aumentar a resiliência das forças armadas da Ucrânia.
Original: Ukraine’s Unrealistic NATO Bid
Tradução e adaptação: Renato Henrique Marçal de Oliveira*
Comentário: Ainda não está claro como a comunidade internacional vai reagir ao retorno do Taleban ao poder no Afeganistão, mas vários players - como China Rússia e Turquia - já parecem dispostos a reconhecer a legitimidade do grupo.
*Renato Henrique Marçal de Oliveira é químico e trabalha na Embrapa com pesquisas sobre gases de efeito estufa. Entusiasta e estudioso de assuntos militares desde os 10 anos de idade, escreve principalmente sobre armas leves, aviação militar e as IDF (Forças de Defesa de Israel)
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