Na última terça-feira (23), o M/V Ever Given que partiu da China rumo ao porto de Rotterdam na Holanda, após enfrentar fortes ventos na entrada do Canal de Suez, sofreu um sinistro e encalhou atravessado no Canal, interrompendo o tráfego de embarcações naquele importante corredor marítimo.
O Ever Given é um navio porta-contêiner construído em 2018, um gigante com a capacidade de carga de 20.000 TEU (Twenty-foot Equivalent Unit - unidade que se refere a um contêiner de 20 pés, ou seja, equivale a um contêiner padrão de 6.10m (comprimento) x 2.44m (largura) x 2.59m (altura), ou aproximadamente 39m³) e seu calado atual é de 15,7 metros. O comprimento total (LOA - refere-se ao comprimento máximo de uma embarcação, entre as partes do casco mais salientes à proa e à popa, medido perpendicularmente à linha de água) é de 399,94 metros e sua largura (Boca Máxima) é de 59 metros.
Para entendermos um pouco sobre o sinistro com o navio que está bloqueando o canal de Suez desde o dia 23, é preciso entender um pouco sobre o cenário que se desenvolveu naquele dia, quando um vento sul muito forte, atingindo aproximadamente 26 nós (50km/h) na entrada do canal atingiu o navio por boreste, o lançando perpendicularmente contra a margem do canal.
O M/V Ever Given quando carregado, como se encontra no momento, possui uma área vélica de aproximadamente 23mil m², o que maximiza os efeitos do vento sobre o navio, principalmente se o mesmo navega num estreito canal como o de Suez, tornando muito difícil e perigosa a tarefa de governar o navio.
Como foi atingido pela rajada de vento à Boreste (BE - Bordo direto) a tendencia do navio foi seguir perpendicularmente para Bombordo (BB - bordo esquerdo), levando o navio perigosamente aproximo da margem, onde sofreu o efeito chamado “bank effect”, ou efeito de banco, que em termos práticos faz com que a popa do navio seja puxada em direção a margem e a proa empurrada para fora dela.
O complexo cenário exigiu muito da tripulação na tentativa de manter o rumo do navio, o qual passou a guinar rapidamente para longe da margem, e ainda sob o forte vento de través, navegando pelo canal que é estreito, demandou uma manobra arriscada para tentar vencer o efeito Bank Effect que agora agia de ambos os lados conforme o navio se aproximava da outra margem e o vento forte de través fustigava por BB.
As dimensões do Ever Given se comparam ao edifício Empire States
Segundo relatos, a decisão adotada foi dar máquina à vante, elevando a velocidade para aproximadamente 12 nós (22 km/h) o efeito sobre a governabilidade do navio foi similar ao que ocorre com um automóvel em alta velocidade que derrapa em pista molhada, e a cada movimento de aproximação e afastamento das margens o efeito Bank Effect foi ganhando mais força, até o ponto de tornar impossível de controlar o navio naquele canal estreito, foi então que após uma guinada adentrou a margem, um impacto de 220 mil toneladas à 12 nós. A energia cinética do Ever Given no impacto contra a margem do Canal de Suez foi de aproximadamente 415.306 ton/m (Energia cinética do navio, expressa em Ton/m), com base nesse dado temos a dimensão das dificuldades enfrentadas pelas equipes de desencalhe do navio.
Neste domingo (28), haviam 327 embarcações fundeadas nas proximidades do canal aguardando a liberação do trafego, segundo informou a agência LETH. O impacto gerado pela interrupção do trafego no canal que liga Ásia e a Europa, tem gerado o atraso no transporte de mercadorias, criando um prejuízo avaliado em 9,6 bilhões por dia, segundo a consultoria Lloyd's List Intelligence, o trafego médio de 50 navios por dia foi completamente interrompido, isso logo terá impacto direto em mercados consumidores ao redor do globo, ressaltando que aproximadamente 12% do comércio mundial trafega pelo Canal de Suez.
A operação de remoção do navio pode demandar dias ou até mesmo algumas semanas segundo especialistas. Caso não obtenha sucesso na atual manobra, que consiste em drenar a areia ao redor da proa do navio, onde se trabalha na perspectiva de esvaziar os tanques de lastro da proa afim de garantir maior flutuabilidade na seção que se encontra presa a margem, usando a maré alta e rebocadores potentes para tentar remover o navio na próxima segunda-feira (29). Até agora a dragagem deslocou pelo menos 27.000 metros cúbicos de areia e lama ao redor do navio.
Outra solução plausível e eficiente demanda um longo período de tempo, e também apresenta enormes desafios técnicos e logísticos, onde a remoção de parte da carga do navio auxiliaria no alivio de peso da proa e facilitaria a operação. Mas, esta alternativa tem sérios gargalos na capacidade logística de se efetivar a operação, demandando cábreas de grande capacidade e dimensões para remover os contêiner de bordo, o problema em si não seria nem tanto o deslocamento das cábreas, mas onde seriam posicionadas, o mesmo se dá com relação aos contêiner, não havendo espaço útil nas margens que facilite a operação.
Diante das incertezas geradas pelo insucesso das primeiras tentativas de remover o Ever Given, alguns armadores optaram por contornar o sul da África retomando a antiga rota mercantil que demanda aproximadamente 12 dias de viagem além do previsto pelo uso do Canal de Suez.
O acidente mostra um grave ponto de fragilidade das rotas de comercio internacional, o que demanda atenção e investimento internacional afim de minimizar o impacto gerado pela interrupção do trafego, quer seja por acidentes como o sofrido pelo Ever Given, ou mesmo ações que possam ser realizadas por grupos terroristas.
Desde sua inauguração em 1869, o Canal de Suez no Egito é fonte de orgulho para os egípcios e já foi foco de conflitos internacionais. O Canal de Suez é um dos maiores atalhos marítimos do mundo, conectando os mares Vermelho e Mediterrâneo através de uma passagem estreita que reduzindo em milhares de quilômetros a maioria das rotas de comércio leste-oeste.
Em 1956 o Brasil teve papel relevante participando da UNEF-I, onde 20 contingentes do Exército Brasileiro atuaram na força de paz da ONU que garantiu o cumprimento do cessar fogo decorrente da escalada que levou ao conflito, após a nacionalização do Canal de Suez por Gamal Abdel Nasser em 26 de julho de 1956. A decisão celebrada pelos egípcios como uma ruptura desafiadora com o imperialismo europeu, levou o Reino Unido, França e Israel a intervir militarmente e ocupar a zona do canal.
Enquanto os combates se intensificavam, navios afundados isolaram o canal por meses. Os Estados Unidos e a União Soviética, que se opuseram abertamente à invasão, acabaram forçando os três países a se retirarem. O Egito conseguiu reabrir o canal em março de 1957, no que foi visto em toda a região como uma vitória do nacionalismo pan-árabe.
Dez anos depois, a Guerra dos Seis Dias em 1967, levou o Egito a fechar o canal para a navegação internacional quando forças israelenses atacaram a zona do canal e se entrincheiraram na Península do Sinai. Este episódio resultou no mais longo período em que o Canal esteve fechado, permanecendo por oito anos bloqueado.
Navios afundados pelo Egito durante a Guerra dos Seis Dias
Durante a Guerra dos Seis Dias, o canal acumulou minas, bombas e navios naufragados, com a hidrovia sendo transformada numa trincheira fortificada. Foi somente em 1975 após negociações de paz entre o presidente egípcio Anwar Sadat e o governo de Israel que o canal voltou a ser aberto ao trafego marítimo internacional.
Naquela ocasião, o fechamento do canal resultou na perda de 1,7 bilhões de dólares ao comércio internacional e aumentou os custos do frete marítimo, lembrando que se tratava do auge da Guerra Fria e não se tinha uma demanda como a que se apresenta no mundo hoje.
O terrorismo internacional já tentou atacar o trafego no Canal de Suez em 2013, quando duas embarcações foram atacadas na hidrovia com granadas propelidas por foguete, causando pequenos danos. Apesar das repetidas promessas de mirar na hidrovia, o terrorismo internacional e grupos radicais que operam na região até agora não conseguiram impactar o tráfego marítimo, mas são uma ameaça que não pode ser ignorada.
Não é plausível ignorar a hipótese de um ataque terrorista contra um navio mercante de grande porte como o Ever Given para atingir o trafego marítimo internacional, onde o afundamento de um navio de grade dimensões no meio do Canal de Suez, ou mesmo outros canais de importância ao comercio internacional seria um grande pesadelo, ocasionando impacto econômico em escala mundial. Diante dessa hipótese, fica clara a necessidade de se criar vias alternativas que possam minimizar o impacto de um sinistro como o que se desenvolve no Canal de Suez, ou mesmo um ataque terrorista.
Por Angelo Nicolaci - Jornalista, editor do GBN News, graduando em Relações Internacionais pela UCAM, especialista em geopolítica do oriente médio, leste europeu e América Latina, especialista em assuntos de defesa e segurança.
Colaboraram para o artigo:
Renato Henrique Marçal de Oliveira é químico e trabalha na Embrapa com pesquisas sobre gases de efeito estufa. Entusiasta e estudioso de assuntos militares desde os 10 anos de idade, escreve principalmente sobre armas leves, aviação militar e as IDF (Forças de Defesa de Israel), articulista do GBN Defense
Rodiceia Rodrigues - Química Industrial e Licenciada em Química
Cristine Bezerra da Costa - Assistente editorial GBN Defense
Tatiana Gonçalves - Bacharel em Administração, Engenharia de Produção, atuando no setor Offshore
GBN Defense - A informação começa aqui
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