Apesar do fim da Guerra Fria décadas atrás, e da grande ameaça que antes era a União Soviética dando lugar a uma Federação Russa financeiramente anêmica, o regime russo de Vladimir Putin conseguiu permanecer na vanguarda das preocupações de defesa americanas de forma consistente durante a era moderna. Hoje, a Rússia compartilha o papel de antagonista nas discussões de estratégia militar e no treinamento de oponentes de quase igual nível com a China, outra nação com uma pegada militar significativamente menor do que os EUA. A ameaça real que essas nações representam para a segurança e os interesses americanos no exterior servem como um lembrete valioso que uma nação não precisa igualar os gastos com defesa da América para representar uma ameaça legítima ao aparelho de defesa da América.
Mas os esforços de modernização militar de longo alcance e expansão da China, juntamente com políticas agressivas em lugares como o Mar do Sul da China, tornam o enorme Exército de Libertação do Povo da China talvez a ameaça mais potente ao domínio americano globalmente. A Rússia, por outro lado, representa principalmente uma ameaça militar direta na Europa, onde a proximidade do aliado russo Bielorrússia e do enclave russo de Kaliningrado cria uma passagem estreita entre a Polônia e a Lituânia, chamada de Falha Suwalki.
Pontos fortes da Rússia na 'Zona Cinzenta'
Oficiais da OTAN já reconhecem que um esforço conjunto para capturar a Falha Suwalki feito pelas forças russas provavelmente teria sucesso, separando os Estados Bálticos de seus aliados da OTAN. Enquanto esforços estão em andamento para mitigar essa ameaça, a verdadeira força da posição da OTAN vem do conhecimento de que a economia da Rússia provavelmente não poderia sustentar uma guerra prolongada na escala que um conflito com a OTAN exigiria. Simplificando, a agressão da Rússia costuma ser mais moderada por seu próprio bolso do que pela presença de forças da OTAN.
Então, por que a Rússia parece dominar as discussões americanas sobre defesa e segurança, quando o objetivo declarado da China de substituir os Estados Unidos como líder diplomático e econômico mundial representa uma ameaça mais direta aos interesses americanos? Embora uma questão desta magnitude possa ser respondida de várias maneiras, uma das razões mais significativas pelas quais a Rússia continua sendo o assunto de nossa preocupação coletiva não é nada mais, nada menos do que o bom e velho marketing.
Como a União Soviética antes dela, a Rússia colocou uma ênfase significativa nas operações da 'zona cinzenta' e na gestão narrativa em sua política externa e esforços militares. A zona cinzenta, neste caso, significa operações militares que levam até o limite de atos de guerra declarados, mas param a um passo de iniciar um conflito real. Exemplos desse tipo de operação incluem obter acesso à rede elétrica da América, conduzir assassinatos em solo estrangeiro e até mesmo tentativas de coibir investigações sobre suas violações do direito internacional, entre muitos outros.
Controle reflexivo e a narrativa russa
A Rússia fez um progresso considerável no reino narrativo da geopolítica graças à adoção de uma prática conhecida como “controle reflexivo”, que remonta à era soviética. O controle reflexivo foi talvez melhor resumido pela redatora da Georgetown Security Studies Review, Annie Kowalewski, que também citou o trabalho de Mark Mateski em sua descrição:
“O controle reflexivo é um conceito 'exclusivamente russo' baseado em maskirovka , uma velha noção soviética em que se 'transmite a um oponente informações especificamente preparadas para incliná-lo a tomar voluntariamente a decisão predeterminada desejada pelo iniciador da ação.'”
O controle reflexivo não é uma teoria da conspiração imaginada por pesquisadores ocidentais, mas sim uma estratégia militar legítima ensinada em escolas militares russas e programas de treinamento, bem como incluída na Doutrina Gerasimov da Rússia, que faz parte da estratégia de segurança nacional do país. O controle reflexivo é uma quantidade conhecida na esfera da defesa há décadas, mas apesar da familiaridade dos Estados Unidos com essa prática, a nação ainda se mostrou suscetível a ser influenciada por campanhas na era digital, reforçada pela adoção da mídia social pela Rússia como meio para os mesmos fins.
Embora muitos atribuam os esforços da Rússia para se intrometer na eleição presidencial dos Estados Unidos de 2016 a essa prática, um exemplo talvez mais valioso poderia ser o caos político que se seguiu. Os esforços narrativos russos vão muito além de uma eleição ou candidato e, na verdade, envolvem quase todas as facetas do conflito tecidas na cultura americana. Campanhas de influência russa foram atribuídas a candidatos de ambos os partidos políticos, ao debate americano sobre vacinação e até mesmo a filmes de sucesso de verão . Em qualquer lugar que a Rússia veja uma cisão existente entre o povo americano (ou o povo de qualquer outra nação adversária), eles trabalham para exacerbar o conflito, enfraquecendo as nações opostas por dentro.
Mas os esforços de controle narrativo da Rússia não se limitam a dar um grande impulso ao conflito latente. Essas mesmas práticas também são utilizadas para fazer a Rússia parecer um oponente mais ameaçador para alguns e um distribuidor valioso de tecnologia militar para outros.
Usando a narrativa para transmitir força
O orçamento anual de defesa da Rússia tende a girar em torno de US$ 60 bilhões, o que a coloca em pé de igualdade com nações como o Reino Unido, apesar de manter uma força que é significativamente maior do que a de seus pares que gastam valores parecidos. Como resultado, a Rússia foi forçada a tomar decisões difíceis em relação à alocação de seu magro orçamento - por exemplo, sacrificando as capacidades de sua frota de superfície para aumentar os gastos em novos submarinos, e limitar os pedidos de plataformas tecnologicamente avançadas, como o MBT¹ T-14 Armata tanque e caça stealth Su-57 para pouco mais do que números "simbólicos", como alguns exemplos.
O único porta-aviões da Rússia, o almirante Kuznetsov, provavelmente nunca mais navegará. (WikiMedia Commons)
A Rússia continua a desenvolver esses sistemas, apesar da incapacidade de financiar sua produção em massa, em parte porque simplesmente ter uma capacidade militar costuma ser suficiente para que seu nome seja mencionado na mídia ao lado de oponentes mais formidáveis como os Estados Unidos ou a China. O problemático caça stealth da Rússia, o Su-57, serve como um bom exemplo de como a Rússia desenvolve “capacidades”, que não são práticas em um conflito, mas ganham manchetes.
Armata T-14 da Rússia (WikiMedia Commons)
(Mídia estatal russa)
O UGV⁴ Uran-9 da Rússia foi implantado na Síria, onde falhou terrivelmente. (WikiMedia Commons)
Notas do tradutor:
¹ MBT: Main Battle Tank, ou carro de combate principal; frequentemente denominado 'tanque'
² UUV: Unmanned Underwater Vehicle, ou veículo subaquático remotamente pilotado; frequentemente denominado "drone submarino"
³ ICBM: Inter Continental Ballistic Missile, ou míssil balístico intercontinental
⁴UGV: Unmanned Ground Vehicle, ou veículo terrestre remotamente pilotado; frequentemente enominado "drone terrestre"
Tradução e adaptação: Renato Henrique Marçal de Oliveira*
*Renato Henrique Marçal de Oliveira é químico e trabalha na Embrapa com pesquisas sobre gases de efeito estufa. Entusiasta e estudioso de assuntos militares desde os 10 anos de idade, escreve principalmente sobre armas leves, aviação militar e as IDF (Forças de Defesa de Israel)
É exatamente como eu penso.A Rússia,de fato é uma suporpotência militar inquestionável.Mas em muitos quesitos eles costumam blefar e não tem capacidade econômica para sustentar uma corrida armamentista com os Estados Unidos a longo prazo.A China,por sua vez,sim.
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