Conforme tínhamos apontado em matéria de fevereiro de 2020 [1], a FAB provavelmente escolheria uma aeronave baseada no Boeing 767 ou no Airbus A330, e o Presidente Jair Bolsonaro, durante sua live semanal da última quinta-feira (28), anunciou que a FAB vai adquirir duas aeronaves A330 para a função de transporte. [2]
Devido ao caráter informal das lives do Presidente, não há até agora maiores informações sobre prazos ou das características da aeronave - se serão novas ou usadas, se será adquirida uma versão comercial para posterior conversão, qual configuração será adotada, se terão capacidade REVO (reabastecimento em voo, ou seja, capacidade tanker / reabastecedor) ou não...
Neste artigo, falaremos um pouco sobre a história do programa KC-X2 da FAB, do A330 e sua versão A330 MRTT (Multi Role Tanker Transport, cargueiro e reabastecedor multifunção), e o ganho operacional que a FAB terá com esta aquisição.
A330 MRTT Voyager da RAF
PROGRAMA KC-X2 DA FAB
Em 2008, a FAB lançou o programa KC-X2, que visava à aquisição de aeronaves multifunção (cargueiro/tanker) para substituir os veteranos KC-137, que se aproximavam de sua aposentadoria. O vencedor foi anunciado em 2013, e seria a proposta MMTT (multi missão, tanker transporte) da IAI israelense, que iria converter dois Boeing 767-300ER em KC-767 (a letra K denota capacidade tanker). [3]
Entretanto, após idas e vindas, a FAB acabou por optar pelo leasing de duas aeronaves na configuração C-767 (ou seja, sem capacidade tanker) em 2016 [4], e no início de 2021 anunciou que buscaria outras soluções ao invés de estender o leasing [5].
No nosso artigo [1], falamos um pouco sobre o KC-767, mas também apontamos a opção que julgávamos ser mais capaz, a qual se baseia no A330, uma das aeronaves mais bem sucedidas da aviação civil dos últimos 50 anos. No final do artigo, postaremos uma pequena tabela fazendo o comparativo entre as duas aeronaves.
AIRBUS A330
O Airbus A330 foi concebido na década de 1970 junto com sua aeronave irmã, o Airbus A340. Na época a Airbus Industries procurava um sucessor para sua aeronave de lançamento, o Airbus A300. A oferta combinada do Airbus A330 e A340 foi planejada para atender ao mercado que buscava um substituto para o Boeing 707 e o Douglas DC8, que estavam chegando ao fim de suas bem sucedidas carreiras no domínio dos céus intercontinentais. Eles também deveriam concorrer com o McDonnell Douglas DC-10 e Lockheed L1011 Tristar, onde a mesma capacidade poderia ser transportada com uma economia de combustível de 25%. [6]
O A330 fez seu primeiro voo em 02 de novembro de 1992 e entrou em serviço em 17 de janeiro de 1994, tornando-se um grande sucesso de vendas. Das 1.818 aeronaves encomendadas por 134 clientes, 1.497 já foram entregues. [7]
A Airbus oferece uma versão de carga do A330, o A330-200F, e também há no mercado opções de conversão a partir de aeronaves anteriormente usadas para transporte de passageiros (P2F - de passageiros para cargueiros), mas o mercado de cargueiros ainda é dominado pela Boeing. [8]
Entretanto, com a pandemia levando a problemas também no transporte aéreo de passageiros, um grande número de células estão disponíveis para conversão P2F [9], e as aeronaves adquiridas pela FAB podem ser desta categoria, apenas com capacidade cargueira, sem os sistemas para desempenhar o papel de tanker, apesar de nossa torcida para que a oportunidade de aquisição desta capacidade tão importante não seja perdida, ou seja, torcemos para que seja um "KC-X3" ao invés de um "C-X3".
Dependendo da conversão, a aeronave pode ser bastante adequada para a missão. Os cuidados importantes são: [10]
- acrescentar a capacidade de o próprio tanker receber REVO, dando-lhe um alcance praticamente ilimitado, através do receptáculo universal UARRSI
- utilizar portas maiores do A330-200F, ao invés de manter as portas menores da versão de passageiros
- adaptação do sistema de cargas para ser compatível com os pallets de padrão militar
- é importante que as aeronaves contassem com sistemas de ECM (contra-medidas eletrônicas), especialmente com capacidade de alerta e defesa contra mísseis, como o C-MUSIC da Elbit Systems, para operar com maior segurança em missões como as de manutenção da paz que o Brasil frequentementa participa [11]
- os sistemas de comunicação e IFF devem ser adequados aos padrões da FAB, para facilitar a interoperabilidade com outras aeronaves
São cuidados que acrescentam um certo custo à conversão (principalmente a adição de ECM), mas que aumentam significativamente a capacidade da aeronave.
ORIGENS DO MRTT
Conforme apontamos no artigo [12], o MRTT surgiu como uma proposta da Airbus para atender ao Programa KC-X da USAF, no início dos anos 2000. Na época, a Airbus não tinha efetuado nenhuma venda da plataforma, o que acabou pesando contra ela.
Após idas e vindas, o vencedor do KC-X da USAF acabou sendo o Boeing KC-46 Pegasus, derivado do Boeing 767, em 2011. Até hoje o KC-46 está em desenvolvimento, com vários defeitos atrasando sua capacidade plena de operação.
Apesar do revés nos EUA, o MRTT acabou sendo um grande sucesso no mercado internacional, com vendas para Alemanha, Arábia Saudita, Austrália, Bélgica, Catar, Cingapura, Emirados Árabes Unidos, França, Holanda, Noruega e Reino Unido. Das 61 unidades encomendadas, 46 já foram entregues. [13]
Na nossa opinião, a configuração MRTT é a solução mais adequada para a FAB no momento. [1]
O ideal é que tais aeronaves já venham com as capacidades sugeridas acima para o "C-X3", mais a capacidade tanker com o sistema A3R (capacidade REVO automática) como a instalada nos A330 de Cingapura, tornando-se assim um verdadeiro "KC-X3" para a FAB. [13]
E AGORA?
Depois da live do Presidente, a FAB ainda não fez nenhum anúncio sobre a configuração das aeronaves A330, portanto só nos resta torcer para o melhor.
O ideal, evidentemente, seria a aquisição de aeronaves novas no padrão A330MRTT, com as capacidades delineadas acima, para que a FAB tenha uma aeronave da categoria com as características mais avançadas no mercado. Há rumores de que as aeronaves em questão possam ser dois dos cinco exemplares do A330 MRTT " Voyager" já oferecidos há algum tempo ao Brasil. Como nosso compromisso é trazer informação precisa, não vamos ainda falar sobre esta proposta britânica.
Comparativo das dimensões do Boeing KC767-200 e do A330 MRTT
* offload é a capacidade de combustível que o tanker pode transferir em uma missão permanecendo 2 h a 1.000 milhas náuticas (1.852 km) da base
Para ilustrar o ganho que o A330 MRTT pode trazer à FAB, vamos considerar um cenário hipotético - transportar 100 ton de insumos médicos de Guarulhos a Manaus (distância de aproximadamente 2.700 km).
Neste exemplo, consideramos que nem o volume e nem as condições ambientais limitam a capacidade de carga das aeronaves, ou seja, a quantidade de carga é o máximo que a aeronave pode levar nessa distância.
Os tempos da tabela abaixo excluem o carregar e descarregar das aeronaves.
REFERÊNCIAS
[1] http://www.gbnnews.com.br/2020/02/revo-e-transporte-de-longo-alcance.html
[2] https://www.youtube.com/watch?v=SNLP3GJD-mc
[3]http://www.gbnnews.com.br/2013/03/kc-x2-vence-iai-com-b767-300-er.html
[6]https://modernairliners.com/airbus-a330/airbus-a330-history/
[8] https://simpleflying.com/airbus-freight-market/
[9] https://www.reuters.com/article/idUSKBN28O02U
[10]https://www.thinkdefence.co.uk/2011/07/the-pros-and-7-cons-of-an-raf-voyager/
[11]https://elbitsystems.com/product/directed-ir-countermeasures-2/
[12]http://www.gbnnews.com.br/2020/05/os-desafios-logisticos-da-usaf-do.html
[13] https://www.airbus.com/defence/a330mrtt.html
Renato Henrique Marçal de Oliveira é químico e trabalha na Embrapa com pesquisas sobre gases de efeito estufa. Entusiasta e estudioso de assuntos militares desde os 10 anos de idade, escreve principalmente sobre armas leves, aviação militar e as IDF (Forças de Defesa de Israel).
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